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CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO DE ADULTOS EM MOÇAMBIQUE

2.3. Campanhas Nacionais de Alfabetização e Educação de Adultos

A FRELIMO, desde os primeiros momentos da sua existência, teve como uma das suas principais preocupações nomeadamente a erradicação do analfabetismo, por isso, nos seus congressos sempre recomendava “o combate ao analfabetismo como tarefa prioritária a ser realizada por todos os moçambicanos” (SNE, 1985, p. 43).

Através dessas recomendações, as atividades da alfabetização e da escolarização das populações no geral, começaram a ser desenvolvidas na década de 1960 durante a luta armada nas chamadas zonas libertadas18 e intensificaram-se ao longo do período de transição através das escolas

do povo. Porém, essas iniciativas educativas e de alfabetização populares que até então aconteciam, eram consideradas, por um lado desorganizadas pedagógica e administrativamente e, por outro, descontextualizadas em relação à situação em que o país vivia.

Tendo em consideração essa perspetiva, o Seminário de Ribáwé (1975) “recomendou a criação de um órgão central que deveria definir e especificar os objetivos e as metodologias da alfabetização” (Gómez, 1999, p. 225). Então, no ano seguinte foi criada a Direção Nacional de Alfabetização e Educação de Adultos (DNAEA) com o objetivo de orientar e controlar centralmente todos processos relacionados com a alfabetização e educação de adultos no país, com a exceção da formação profissional.

Criada a DNAEA e com as competências que detinha, esta devia organizar as Campanhas Nacionais de Alfabetização que tinham sido agendadas no III Congresso da FRELIMO (1977), para serem lançadas em 1978. Essas campanhas deveriam estar viradas prioritariamente para as classes e setores da população consideradas que desempenhavam papel fundamental na construção da sociedade socialista nomeadamente: a classe operária, os veteranos da luta de libertação, os quadros do partido, as organizações democráticas de massas, as forças de defesa e segurança, os deputados e os setores socializados do campo (Nandja, s/d, p. 6).

Nesse sentido, em 1978 lança-se a primeira campanha de alfabetização sob o lema “façamos do país inteiro uma escola onde todos aprendemos e todos ensinamos” (Nandja, idem, p. 6). Esta campanha foi considerada como o primeiro processo organizado no domínio da educação de adultos no período pós-independência. Depois desta, foram lançadas mais três campanhas e, a partir de 1980, às campanhas de alfabetização foram interligadas as campanhas de educação de adultos que garantiam a continuidade do processo da aprendizagem até ao nível equivalente à 4ª Classe.

18 Segundo Mazula (1995 p.104), as zonas libertadas eram territórios que a FRELIMO ocupava e controlava administrativamente na

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No entanto, as campanhas comportavam dois processos educativos, diferentes pelo seu grau de complexidade, nomeadamente: as campanhas de alfabetização e as campanhas da educação de adultos. As campanhas de alfabetização eram as mais elementares, destinadas aos principiantes do processo e conferiam aos graduados um nível de formação equivalente à 2ª Classe do Ensino Geral então em vigor; as campanhas da educação de adultos constituíam a continuação do processo ao nível relativamente elevado ingressando elementos aprovados nas campanhas de alfabetização ou aqueles que possuíam habilitações equivalentes à 2ª Classe e que quisessem concluir a 4ª Classe (SNE, 1985 p.44).

Tanto as campanhas de alfabetização como as de educação de adultos eram desencadeadas anualmente e tinham a duração de nove meses. Paralelamente ao processo das campanhas, no período de 1978 a 1982, havia outras três modalidades de educação de adultos nomeadamente: os cursos de formação acelerada de trabalhadores, os cursos noturnos da 5ª a 9ª Classe e os cursos noturnos do Ensino Primário.

Os primeiros, de acordo com o SNE (1985), realizavam-se nos centros interprovinciais e internatos criados para o efeito. Estes cursos eram dirigidos aos quadros e trabalhadores da vanguarda dos setores económicos e sociais prioritários com objetivo de elevar o nível de formação científica geral que, por um lado, permitisse a realização mais consciente e eficaz das tarefas que desenvolviam e, por outro, para permitir que os trabalhadores tivessem uma formação geral básica.

Os cursos noturnos da 5ª a 9ª Classe realizavam-se nas escolas secundárias e funcionavam fundamentalmente nas zonas urbanas e nos setores produtivos de maior dimensão e também podiam ser frequentados pela população adulta em geral. E, por último, os cursos noturnos do ensino primário, também decorriam nas zonas urbanas abrangendo pessoas que não pudessem participar nas campanhas da alfabetização, mas esses cursos forram se extinguindo à medida que as campanhas alargavam o seu campo de ação.

De forma geral, no decurso das campanhas, tanto o processo da alfabetização, como o da educação de adultos foram marcados por diversas dificuldades. O INDE (1985) fez um estudo sobre o decurso do processo e constatou que as maiores dificuldades estavam relacionadas com, nomeadamente, as condições existentes no momento da realização das campanhas, os agentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e o próprio processo de ensino-aprendizagem.

No que diz respeito às condições existentes, o INDE (1985) refere que a constituição e o funcionamento dos Serviços Distritais de Educação de Adultos, criados para planificar, organizar,

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controlar e fornecer apoio pedagógico às campanhas não era eficiente devido à exiguidade de recursos humanos e materiais.

A falta de recursos humanos comprometeu a qualidade do trabalho dos Serviços Distritais, segundo o INDE (1985) em muitos casos, o número dos quadros não correspondia à quantidade de secções criadas, o que fazia com que os mesmos quadros ocupassem diversas tarefas afetando assim o cumprimento das metas.

Associada à falta de quadros qualificados, também as condições de trabalho comprometeram significativamente os objetivos das campanhas. A mesma fonte refere que, no que diz respeito ao transporte, cada distrito possuía uma motoriza de pequeno porte (SUZUKI 50) para percorrer várias localidades e aldeias comunais transportando apenas dois técnicos e pouca quantidade de material e, devido à intensidade de trabalho e de más condições das vias de acesso, muitas vezes a motorizada não funcionava por avarias ou por falta de combustível.

Essas situações contribuíram para o atraso da execução das atividades, e prova disso é a formação dos alfabetizadores que, em alguns casos, se realizou sem os manuais, ou com um ou dois exemplares. Até ao início das campanhas, em muitos centros, tanto o alfabetizador como os alfabetizandos não tinham os manuais recomendados. (INDE, 1985, p. 32).

Quantos aos agentes, nomeadamente os alfabetizadores, as suas habilitações e conhecimentos dos conteúdos programáticos, no geral, também constituíram um obstáculo ao sucesso das campanhas. Geralmente, nas empresas (onde se encontravam, muitas vezes educadores profissionais) os alfabetizadores eram contratados e pagos pelo setor dos recursos humanos dessa empresa enquanto que nos bairros comunais, eles eram voluntários que recebiam subsídios do orçamento do Estado para a alfabetização. Porém, os alfabetizadores, tanto nas empresas como nos bairros apresentavam défice de experiência e de formação psicopedagógica. A maior parte deles possuía habilitações mínimas exigidas para o efeito, a 4ª Classe e, em muitos casos, eram alunos da 5ª Classe do curso noturno.

No que se refere ao domínio dos conteúdos didáticos o INDE (1985), refere que, na matemática, os alfabetizadores apresentavam conhecimento deficiente de operações básicas relacionadas com a falta de agilidade no cálculo, enquanto que na disciplina de português o problema dos alfabetizadores tinha a ver com a ortografia devido à influência das línguas maternas, também, na leitura, apresentavam problemas relacionados com a pontuação e com o léxico no geral.

Ainda de acordo com o INDE (1985), no decurso do processo de ensino-aprendizagem, os alfabetizadores apresentavam dificuldades na orientação das aulas que consistiam em não tomar em

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consideração as capacidades dos alunos, transformando a aula num jogo de pergunta e resposta e desviando-se dos objetivos específicos da própria aula.

Quanto à avaliação, o seu insucesso deveu-se fundamentalmente à desorganização de natureza administrativa, na realização das provas, as estruturas responsáveis (distritais ou das empresas) não acompanharam devidamente, sobretudo o trabalho da correção, este foi feito pelos júris criados pelos próprios alfabetizadores e verificaram-se problemas como falta de rigor (deixar passar os erros) e falta de uniformidade nos critérios de cotação das respostas (INDE, 1985, p. 114).

Em consequência dessas e de outras situações as campanhas registaram elevadas taxas de desistências e de desperdício de esforços dos envolvidos como mostra o quadro abaixo:

Quadro 1: metas, inscrições e aproveitamento das campanhas

Campanhas inscrições Metas de aprovação Metas de Inscritos no início Existentes no fim Examinados Aprovados 1ª (1978-79) 200.000 100.000 informação Sem 258.034 193.517 87,657

2ª (1980) 300.000 200.000 324.366 259.188 198.579 119.394

3ª (1981) 300.000 200.000 309.669 161.193 117.277 61.095

4ª (1982) 300.000 200.000 191.892 82.675 54.987 37.430

Fonte: INDE (1985, p. 18)

Através dos dados do quadro acima, o INDE (1985) constatou que houve declínio regular do rendimento da primeira à última campanha verificando-se que as aprovações em relação às inscrições, desceram de 36% para 19% entre 1980 e 1982 e as desistências aumentaram de 37% para 71% durante o mesmo período.

Contudo, segundo SNE (1985), para além das questões relacionadas com a logística, as influências culturais dos envolvidos no processo (alfabetizandos e alfabetizadores) contribuíram significativamente para o insucesso das campanhas, visto que na maioria das comunidades rurais, não se sentia a necessidade da comunicação em português, pelo facto de a língua portuguesa ser desconhecida. As pessoas, ao participarem nas sessões da alfabetização entravam numa situação de “choque linguístico” com as suas línguas maternas, por isso, após as sessões, as pessoas continuavam o seu quotidiano comunicando-se e praticando os seus hábitos tradicionais e os recém- alfabetizados não encontravam possibilidades de praticar e desenvolver as suas habilidades comunicativas em língua portuguesa retornado assim ao analfabetismo.

Uma das formas de minimizar o impacto negativo das influências culturais nas campanhas de alfabetização seria, como refere Silva (2011b), complementar as sessões da alfabetização com outras formas de intervenção educativas e culturais que deviam ser asseguradas por agentes educativos tais como os próprios alfabetizadores, mediadores e agentes de desenvolvimento local.

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Por fim, importa referir que o desencadeamento das campanhas não pode ser considerado apenas como tendo sido um trabalho em vão, pois elas tiveram o seu impacto positivo do ponto de vista sociopolítico e, como prova disso, Mário e Nandja (2011) referem que, graças ao processo das campanhas, foi possível reduzir a taxa de analfabetismo entre a população adulta em cerca de 25% tendo passado de 97% em 1974, antes do lançamento das campanhas, para cerca de 72% em 1982, o ano em que terminaram as campanhas massivas de alfabetização e educação de adultos.