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CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO DE ADULTOS EM MOÇAMBIQUE

2.1. Caraterização geral do contexto sociocultural e político moçambicano

2.1.3. O contexto sociopolítico no período imediatamente depois da independência

Considerando os princípios e objetivos do sistema colonial do império português que Moçambique viveu entre o século XV e meados do século XX, podemos sublinhar que a educação e a religião não constituíram meios da cidadania, da democracia ou da emancipação social, visto que, estes sempre foram usados como “instrumentos fundamentais de integração e subordinação dos africanos ao modelo social de dominação dos europeus, na ótica da rentabilização máxima da relação colonial” (Guimarães, 2006, p. 10).

A verdadeira função da educação e a definição dos seus valores começaram a ser erguidos nos meados da década de 1970 quando o país chegou à independência através de uma luta armada que durou uma década tendo sacrificado milhares de vidas de moçambicanos.

Depois de cerca de quinhentos anos de convivência humilhante com o colonialismo português, o período de 1974 e 1976 constituiu o culminar de todo o esforço de luta pela independência que o povo vinha implementando desde o lançamento do primeiro ataque militar em 1964. Entre vários acontecimentos, neste período registaram-se três eventos jamais vistos em Moçambique nomeadamente: a tomada de posse do Governo de Transição (GT), a nacionalização das infraestruturas e a declaração da independência nacional do país face ao sistema colonial português.

Estes acontecimentos mudaram definitivamente o quadro social, político, económico e cultural do país e lançaram um projeto educativo novo assente na democracia e na emancipação do povo, por isso, nesta abordagem vamos fazer referência aos principais aspetos decorrentes da mudança social no período entre o Governo de Transição e a declaração da independência com o intuito de

13Discurso do Vice-ministro da Educação Arlindo Chilundo, durante a abertura do fórum de reflexão social “Não ao casamento e gravidez

precoce” em Maputo, publicado na página de notícias on-line da Rádio Moçambique (Disponível em htt://www.rm.co.mz, consultado em 30 de novembro de 2011)

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encontrarmos os elementos que tiveram maior significação para a emergência da educação popular de adultos.

O povo moçambicano alcançou a independência do colonialismo através de uma luta armada. A opção do uso de armas em detrimento de vias pacíficas para pôr fim à exploração e à opressão do colonialismo não constituiu a vontade do povo. Como prova disso, em 1960, os moçambicanos manifestaram-se pacificamente apresentando uma petição ao administrador de Mueda (Cabo Delgado), mas este recebeu os manifestantes chamando tropas que abateram a multidão num caso trágico que ficou conhecido como Massacre de Mueda.

O massacre de Mueda foi um dos acontecimentos que demonstrou que “os portugueses estavam empenhados em usar as tropas nos distúrbios provocados pelos civis e provou a futilidade de lançar camponeses desarmados em manifestações contra um regime implacável” (Newitt, 1997, p. 450).

Também, para além de desencorajar os moçambicanos quanto à realização de manifestações pacíficas, o massacre foi um dos acontecimentos importantes para a afirmação do nacionalismo moçambicano consolidando a união de três movimentos nacionais étnicos existentes, que se juntaram para formar a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), nomeadamente: a UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique), formado em Bulawayo em 1960; a UNAMI (União Nacional Africana para a Independência de Moçambique), criado no Malawi; e a MANU (União Nacional Africana de Moçambique), formado entre os emigrantes macondes15 no Quénia e na Tanzânia (idem, p. 450).

Formada a FRELIMO em junho de 1962, dois anos mais tarde, estava suficientemente amadurecida a necessidade de desencadear uma luta armada contra o colonialismo português, o que sucedeu em 25 de setembro de 1964, atacando-se a base portuguesa de Chai no Norte de Moçambique, ao mesmo tempo que se emitia uma proclamação e um apelo às armas (idem, p. 452)

Decorridos dez anos de luta armada, em 1974, por um lado, a FRELIMO já tinha desenvolvido a capacidade militar e explicado a importância e os objetivos da luta contra o sistema colonial ao povo e todos ansiavam viver livres da exploração e do trabalho forçado na sua própria terra e, por outro, pela situação histórica que se vivia, podemos afirmar que o sistema colonial vivia os seus momentos de crise decorrentes da revolução portuguesa do 25 de Abril de 1974 e da contestação ao nível internacional.

15Maconde é uma das etnias e línguas nacionais de Moçambique que predomina na Província nortenha de Cabo Delgado. É originário

dessa etnia Alberto Chipande, um combatente da luta armada que historicamente é conhecido como autor do primeiro tiro do primeiro ataque da FRELIMO contra o colonialismo português.

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Como prova disso, Gómez (1999) refere que muitos soldados portugueses, por não compreenderem o objetivo da guerra, não se identificavam com a falsa legitimidade dos interesses coloniais e, ao mesmo tempo, a FRELIMO afirmava-se internacionalmente como movimento autêntico e representante do povo moçambicano. Nessa mesma década o Papa Paulo VI recebia os líderes dos movimentos de libertação, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecia-os como mandatários do povo e a França e a Itália retiraram os seus apoios ao colonialismo português.

Diante dessa situação não restava mais nada senão entregar o poder ao povo representado pela FRELIMO e foi o que aconteceu em 07 de setembro de 1974, quando os portugueses (representados por Mário Soares, então Ministro dos Negócios Estrangeiros) e os moçambicanos (representados pelo líder da FRELIMO, o falecido Samora Machel) assinaram os acordos de Lusaka (Zâmbia) que incluíam um cessar-fogo (Gómez, 1999, p. 190).

Pouco tempo depois dos acordos de Lusaka, em 20 de setembro do mesmo ano de 1974, tomou posse o Governo de Transição composto por dirigentes da FRELIMO e por representantes do governo português e, para garantir o cumprimento dos compromissos do acordo, foi instalado um Alto- Comissariado português que foi encarregue da transferência progressiva de poderes para a FRELIMO (Gómez, idem, p. 195).

No ano seguinte, a 25 de junho de 1975, o Comité central da FRELIMO proclamou a independência e a constituição em República Popular de Moçambique. Com a independência, a FRELIMO tinha que começar a implementar o seu projeto que consistia na transformação radical do país em todas as esferas sociais, por isso, a 24 de julho de 1976, tomou as primeiras medidas que consistiram na “nacionalização da habitação, da saúde, da terra e de outros serviços essenciais, tornando-os de acesso gratuito para o povo” (Francisco, 2010, p. 47).

A medida da nacionalização não agradou aos portugueses que ainda se encontravam em Moçambique a assegurar o funcionamento dos diferentes setores públicos no âmbito dos acordos de Lusaka, tendo por isso “aumentado as ações de sabotagem à indústria e outros serviços, e a consequente fuga dos brancos de origem portuguesa para a Rodésia (o atual Zimbabwe) e para a África do Sul” (idem, p. 47).

Nesse contexto, e no quadro geral da herança colonial, podemos afirmar que nessa altura, a única coisa boa que a FRELIMO recebeu do sistema colonial foi a independência do país, mas em todos os setores a FRELIMO herdou misérias que viriam a transformar-se em duros desafios de então em diante. A título de exemplo, verificava-se que, na educação, o analfabetismo era generalizado e “limitava as possibilidades de recrutamento de operários ou camponeses pobres para os diversos

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escalões do Estado” (Gómez, op. cit., p. 57); na indústria, “a FRELIMO não contou com um operariado forte, organizado. A classe operária moçambicana era historicamente recente e numericamente fraca” (idem, p. 208); na economia verificavam-se ruturas de abastecimento de insumos e de matérias- primas, a banca nacionalizada entrou numa situação financeira difícil (Mosca, 2005, p. 170).