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CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.4. Caraterísticas do processo da alfabetização

Depois da análise da situação socioeducativa geral dos educandos da qual aprimorámos os aspetos que caraterizaram a história de vida dos educandos e a sua relação com a escolarização, partimos agora para a análise da oferta educativa que inclui aspetos didáticos/pedagógicos do processo da alfabetização de adultos nos centros abrangidos pela nossa pesquisa.

Para a coleta de dados referentes à oferta educativa, referente aos conteúdos programáticos, a certa altura do processo da entrevista colocámos a seguinte pergunta aos educandos:

Quais são as matérias/disciplinas que aprende na alfabetização?

As respostas proferidas pelos entrevistados apontam para a existência de dois grupos de disciplinas lecionadas na alfabetização. O primeiro grupo constituído pelas disciplinas de Português, Matemática, Ciências Naturais e Geografia e o segundo grupo de disciplinas que compõe as disciplinas de Português e Matemática. Os educandos que fazem parte do primeiro grupo de disciplinas são os que frequentam o último ano do processo da alfabetização (3º ano) enquanto os que estudam o segundo grupo de disciplinas são os que frequentam os primeiros dois anos da alfabetização.

No âmbito da exploração das perceções dos educandos sobre a oferta educativa da alfabetização, procurámos saber os tipos de atividades levadas a cabo no processo da alfabetização, pelo que colocámos aos educandos a seguinte questão:

Pode descrever vários tipos de atividades que costuma desenvolver nas aulas da alfabetização?

Paralelamente aos grupos de disciplinas, as atividades didático-pedagógicas que constituem as aulas lecionadas no processo da alfabetização e educação de adultos dividem-se em dois grupos, nomeadamente, o primeiro grupo em que basicamente as atividades são a leitura, a escrita, o cálculo e o ditado e o segundo grupo que compreende as atividades de leitura, escrita e cálculo. Também, obedecendo a lógica da complexidade das atividades, o primeiro grupo de atividades, relativamente mais complexo, é dirigido aos educandos finalistas e o segundo é para os que frequentam os primeiros anos.

No entanto, como referimos, a entrevista não foi o único método de coleta de dados que usámos no trabalho de campo. A esta acrescentámos a observação direta não participante que consistiu essencialmente na assistência ao processo de ensino-aprendizagem e conversa de caráter informal com alguns educadores de adultos. No contexto dessa observação, conseguimos sistematizar

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alguma informação sobre o processo de ensino-aprendizagem, incluída nesta abordagem, que caracteriza as aulas da alfabetização dos centros.

4.4.2. Métodos de ensino-aprendizagem nos centros da alfabetização

De forma geral, a análise que estamos a desenvolver indica-nos que a leitura e a escrita ocupam uma centralidade no conjunto de todo o processo da alfabetização e educação de adultos que tem lugar nos centros. Durante a nossa observação, constatámos que nos primeiros anos da alfabetização, os adultos aprendem a ler e a escrever através do estudo das palavras e das sílabas e não através dos nomes das letras ou grafemas. Recomenda-se que, inicialmente, os educandos aprendam a reconhecer as sílabas das palavras que vão ler.

Entretanto, tendo em consideração esta caraterística, podemos afirmar que o ensino da leitura e da escrita nos primeiros anos de alfabetização de adultos assenta no método silábico em que se ensina as palavras através das suas sílabas. Por exemplo, para ler a palavra telefone, os educandos deverão começar por ler: te-le-fo-ne, depois juntar as sílabas naturalmente.

Pelo facto de a língua portuguesa, como todas outras, ser silábica, isto é, as palavras poderem ser divididas em sílabas, a aprendizagem da leitura e da escrita na alfabetização de adultos tem como ponto de partida a palavra e a sílaba.

No decurso do processo de ensino-aprendizagem do primeiro ano da alfabetização é possível distinguir três momentos principais da aula. O primeiro corresponde à oralidade e é designado de “vamos falar”. Neste, o alfabetizador incentiva uma conversa com os alfabetizandos acerca do desenho ou imagem do livro para estabelecer o tema da aula26; o alfabetizador faz uma exploração da imagem

que ilustra o texto, apresenta a palavra-chave do diálogo no quadro de giz.

No instante em que ele destaca a palavra em estudo, por exemplo mota, interliga-se o segundo momento da aula que é chamado de “vamos ler”, que vai prosseguir com a leitura e divisão silábica da palavra em estudo. Portanto, a palavra evidenciada é decomposta para facilitar a análise e a formação de novas sílabas (mo-ta); depois o grupo faz o destaque da nova família silábica e exercício oral para estabelecer a sonorização da palavra, por exemplo, neste caso seria: m - mo-ta, mamã, muro, etc.; depois segue-se a apresentação, na forma vertical, da(s) família(s) silábica(s): ma, me, mi, mo, mu, ta, te, ti, to, tu. Este segundo momento termina com a formação de outras palavras através da combinação das sílabas novas (mato, mito, meta, etc.).

26Os manuais da alfabetização do 1º e 2º anos não apresentam os temas da aula explícitos ou destacados como acontece na educação

básica para crianças, o alfabetizador e o seu grupo terão de estabelecer o tema da aula nos primeiros momentos da mesma através dos contextos ilustrativos contidos nos manuais.

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O terceiro e último momento da aula designado por “vamos escrever” inicia com exercícios para reconhecer as sílabas escritas, onde os alfabetizandos deverão sublinhar ou colocar em círculos as sílabas da nova família provenientes da palavra-chave: ma, me, mi, mo, mu. Por último são feitos certos exercícios de cópia para reconhecer as sílabas. O alfabetizador propõe ao grupo outros exercícios com outras palavras.

No 2º ano, tal como acontece no 1º, está também na base do ensino o método silábico. A diferença metodológica entre ambos os níveis de ensino consiste em introduzir novas famílias silábicas através de palavras dentro de uma frase escrita que retrata um contexto do quotidiano da vida de adultos em diferentes esferas sociais. Cada vez que, no manual dos alfabetizandos, aparecem novas sílabas, elas são pintadas a vermelho para destaque.

No 3º e último ano da alfabetização, as atividades desenvolvidas durante as aulas consistem basicamente na leitura, escrita, cálculo e ditado. Entre as disciplinas que compõem este nível de ensino, nomeadamente Português, Matemática, Ciências Naturais, Geografia e História, a língua portuguesa é considerada como espaço mais privilegiado que constitui a necessidade de aprendizagem dos adultos.

Por mais que estejam estabelecidas e sejam lecionadas as aulas com os conteúdos das disciplinas mencionadas, ainda no 3º ano não existem manuais oficialmente concebidos ou adotados para este nível. Porém, a planificação e lecionação das aulas pelos educadores é feita mediante os programas temáticos de ensino. A título de exemplo, observámos o programa da língua portuguesa (apresentado no anexo 3, p. xvi). Este está dividido em três partes principais. A primeira parte compreende a leitura e a interpretação de textos, a segunda privilegia a expressão oral e a escrita e a terceira e última encarrega-se da questão da gramática.

O programa temático preconiza que até ao fim do 3º ano os educandos tenham as seguintes habilidades básicas:

 Leitura e interpretação parcial e total de um texto;

 Escrever, através da cópia e do ditado, sem erros ortográficos;

 Ter um domínio aceitável dos tempos verbais;

 Ter conhecimentos de substantivos, adjetivos, períodos e parágrafos de um texto. Geralmente, os métodos usados no processo de ensino-aprendizagem neste nível são as variantes metódicas básicas, designadamente o método expositivo, a elaboração conjunta e o trabalho independente (vede anexo 5, p. xviii). Os educadores utilizam estes métodos tal como recomendam os autores da didática geral, como Libâneo (1994).

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No método expositivo, os educadores, durante a aprendizagem da leitura e da escrita, passam o texto no quadro de giz, leem e os educandos acompanham a leitura e depois copiam nos seus cadernos.

Na elaboração conjunta, o educador procura fazer uma interação com os educandos de forma mais ativa, faz perguntas orais e/ou escritas que conduzam à uma consolidação dos resultados essenciais da aula, aqueles conhecimentos que devem ser fixados sobre a leitura e escrita efetuadas.

No que diz respeito ao trabalho independente, este consiste em tarefas orientadas pelos educadores para que os educandos resolvam de modo relativamente independente e com criatividade possível, muitas vezes, nestas tarefas fazem parte questões de reflexão sobre os temas tratados na aula em que os educandos resolvem nas suas casas.

Contudo, atendendo aos pressupostos teóricos dos modelos da aprendizagem, que apresentámos no capítulo I, não podemos afirmar que os procedimentos didáticos da alfabetização estão de harmonia com o método Paulo Freire, uma vez que, apesar de haver diálogo ao longo do processo, os temas tratados não são resultantes da pesquisa do universo vocabular dos educandos, mas sim são propostos pelo Sistema Nacional de Educação. Do mesmo modo, quanto aos conteúdos, também não podemos afirmar que a alfabetização decorre de acordo com as premissas da andragogia de Knowles, visto que este processo é levado a cabo nos moldes da educação escolar. Porém, é evidente a existência de pressupostos teóricos do pragmatismo, uma vez que, ao longo do processo, os educandos têm espaços para tratar de questões ligadas com as práticas do seu quotidiano. A título de exemplo, nos primeiros anos os educandos, ao longo das aulas, têm o momento do “vamos falar” onde debatem, por mais que sejam hipotéticas, questões ligadas com a vida real. Além disso, na educação de adultos é reservado 30% do tempo total do currículo nacional para os centros gerirem de acordo com as suas necessidades e caraterísticas, elaborando temas contextualizados à realidade da zona em que estiverem localizados.