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CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO DE ADULTOS EM MOÇAMBIQUE

2.2. Emergência da educação popular de adultos em Moçambique

Diante da profunda crise em que o país estava mergulhado, segundo Gómez (1999), o GT, através das orientações da FRELIMO, colocou a instrução, a educação e a cultura prioritariamente ao serviço da população.

Com essa orientação, a FRELIMO estava claramente a começar a implantação do seu projeto revolucionário que propunha uma nova abordagem dos assuntos, diferentemente dos discursos da luta armada, tinha que introduzir uma “nova conceção de homem, de vida, de mundo e de sociedade - (era o projeto) do ‘Homem Novo’ e uma sociedade nova, de construção da identidade nacional ou da moçambicanidade e o projeto global da reconstrução nacional” (Mazula, 1995 p.21).

Mazula (1995) sublinha que o objetivo central do projeto revolucionário da FRELIMO consistia na “transformação da realidade social, acabando com as relações baseada na exploração do ‘homem pelo homem’ e na criação de um novo tipo de relações baseadas na igualdade de oportunidades em todos os níveis” (p. 21). Para o efeito, era necessário organizar, mobilizar e orientar as populações segundo as perspetivas da FRELIMO, visto que, em parte, devido à heterogeneidade cultural, linguística e ao analfabetismo generalizado nem todos estavam suficientemente politizados e informados sobre os intentos da FRELIMO.

Assim, com o objetivo de solidificar e aprofundar a sua sustentação popular, uma das primeiras medidas que a FRELIMO tomou foi a criação de órgãos de democracia direta em todos os serviços de vida nacional, que foram chamados Grupos Dinamizadores (GD’s) (Gómez, 1999, p. 200). Os GD’s “funcionavam como espaço de divulgação da linha ideológica da FRELIMO, da aprendizagem, do exercício do poder e da democracia, também eram instrumento de vigilância contra manobras de sabotagem e de controlo da economia” (Mazula, op. cit., p. 148).

Pouco a pouco os GD’s ganharam espaço político e administrativo, passaram a resolver problemas de vária natureza nomeadamente: “a falta de escolas, alfabetização, doenças, conflitos familiares, roubos, denúncia de comportamentos racistas, limpeza das cidades, desemprego, etc” (Gómez, 1999, p. 201). O trabalho dos GD’s constituía uma verdadeira materialização do projeto revolucionário da FRELIMO, segundo Gómez (1999), “nas zonas onde não existiam escolas, o povo,

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mobilizado pelos GD’s começou a construí-las. O facto de um Grupo Dinamizador (GD) de um bairro ou empresa contar com uma escola conferia-lhe certo prestígio e credibilidade no seio da população” (p. 222).

Paralelamente ao sistema educativo do Estado, através da mobilização popular dos GD’s, surgiram as “escolas do povo” que “eram frequentadas por adultos e crianças. Os professores destas escolas eram recrutados pelos GD’s e lecionavam sem remuneração” (ibidem, p. 223).

Atendendo à forma de organização, podemos afirmar que as escolas do povo constituíram um movimento educação popular porque eram um meio de mobilização e organização popular para o exercício do poder, para a sistematização de um saber-fazer mais próximo dos grupos populares (Freire e Nogueira, 1999 p 19) e, quanto ao seu funcionamento, podemos comparar as escolas do povo com os grupos de encontro de Rogers (1980) pois, nestas escolas, a aprendizagem estava orientada para os interesses dos grupos populares, para o processo educativo e não para os conteúdos, constituíam um movimento de educação popular que surgiu do povo, com o povo e para os benefícios do povo.

Com o passar do tempo, como realça Gómez (1999), para a população, as escolas do povo constituíram-se importantes centros de aprendizagem com maior credibilidade popular. A população já começava a desconfiar os valores e os objetivos da educação oficial considerando “as escolas do Estado ainda como representantes do sistema colonial ou, pelo menos, estranhas e distanciadas dela culturalmente” (p. 224).

Ao nível do governo, o trabalho dos GD’s era reconhecido pelo seu poder mobilizador, por isso, em fevereiro de 1975, na reunião realizada em Mocuba (Província da Zambézia), onde se definiu a alfabetização como instrumento fundamental para se estabelecer o poder popular, aos GD’s foi-lhes incumbida a função de mobilizar, organizar e dirigir o processo de alfabetização e escolarização onde não existissem escolas (idem, p. 224).

Porém, apesar da confiança e do reconhecimento, o trabalho dos GD’s não duraria muito tempo, começaria a extinguir-se a partir de 1978. Os acontecimentos e decisões tomadas subsequentemente desde Mocuba contribuíram para o fim dos GD’s. Em abril do mesmo ano de 1975 foi realizado em Ribàwé (Província de Nampula) o Seminário Nacional sobre a Alfabetização com o objetivo de avaliar as primeiras experiências de alfabetização desde o começo do GT. Este evento, segundo Gómez (1999), constatou, entre outros aspetos, que as organizações de alfabetização que existiam em todo o país elaboravam materiais da alfabetização com metodologias diferencias; e que a alfabetização não se inseria na problemática das comunidades.

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Note-se que até à data da realização do Seminário de Ribáwé (1975), ainda a alfabetização não era uma prática institucionalizada, isto é, o Estado não tinha intervenção na organização e no controlo; como referimos, as atividades da alfabetização eram fruto da mobilização popular levada a cabo pelos GD’s.

Então, precisamente no Seminário de Ribáwé (1975), com a necessidade de uniformizar as práticas da alfabetização, começa a ganhar força a tendência para a centralização do processo da alfabetização para poder-se definir centralmente os objetivos e métodos que deveriam orientar os processos da alfabetização no país.

As medidas para a centralização tanto da alfabetização como de outros serviços públicos vieram a ser oficialmente proclamadas em fevereiro de 1977. Nesse ano a FRELIMO realizou o seu III Congresso que, historicamente, constituiu o ponto de viragem ou de rutura com o discurso que a caraterizava durante a luta armada e durante o período do GT. Entre vários aspetos, o III Congresso decidiu a criação do Partido FRELIMO16 e a adoção do marxismo-leninismo como base ideológica do

regime socialista assente no poder monopartidarista (Mosca, 1999, p. 82). Assim, a partir de 1977, o partido, “coerente com a conceção leninista foi concebido como agente central da direção do Estado, da organização, da educação das massas trabalhadoras e da democratização da sociedade” (Gómez, op.cit., p. 268).

Com essas medidas os GD’s, “a parir de 1978 começaram a ser substituídos por células do partido17 (Mazula, op.cit., p. 149), foi “retirada a iniciativa às populações de construir as suas escolas e

de se envolverem diretamente no seu desenvolvimento, toda a responsabilidade foi remetida para o Estado” (Gómez, op.cit., p. 226).

O contexto em que são implementadas as medidas do III Congresso é caraterizado, por um lado, por um país recém-independente com uma profunda escassez de recursos quase em todas as esferas e, por outro, por um sentimento de descontentamento por parte dos colonos que acabavam de sair do país, mas que ainda mantinham relações com a Rodésia (que ainda vivia sob domínio colonial) e da África do Sul (que estava com o regime do Apartheid). Associado a isso, o sistema socialista que a FRELIMO adotara entrava em choque com a política monetária dos Estados Unidos. Estes fatores contribuíram para o fracasso da política da FRELIMO e dos seus esforços nas áreas da educação e economia ao longo da década de 1980.

16A FRELIMO - Frente de Libertação de Moçambique que surgiu em 1962 pela fusão de três movimentos nacionalistas moçambicanos

nomeadamente: a UDENAMO, a UNAMI e a MANU converteu-se em Partido em 1977 na sequência das atividades do III Congresso.

17Uma proposta de transformação dos GD’s em comités do partido tinha sido rejeitada no Seminário de Mocuba (Zambézia) em 1975

pela desconfiança de que os GD’s podiam ser objetos de infiltração política e ideológica de elementos estranhos a FRELIMO (Gómez, 1999, p.268).

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