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CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1. A vida socioeducativa na infância dos educandos

4.1.1. Razões de abandono escolar dos educandos no passado

Para apurarmos as causas do abandono escolar dos educandos durante a infância, no nosso guião de entrevista, tínhamos formulado a seguinte pergunta:

Quais foram as razões que o levaram a abandonar a escola no passado?

As respostas proferidas pelos educandos nesta pergunta permitiram-nos encontrar sete razões que constituem os grupos da nossa análise, nomeadamente fatores culturais, ambiente familiar, condição social, impossibilidade, conflito social, questões curriculares e outras razões.

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O gráfico abaixo apresenta a distribuição das razões de abandono escolar reveladas pelos educandos:

Gráfico 2: As razões de abandono escolar dos educandos durante a infância

Grupo 1- fatores culturais, as respostas que citam os fatores culturais como sendo as principais razões do abandono escolar referem as interpretações socioculturais das comunidades sobre os diferentes fenómenos que ocorrem na sociedade ou no processo de crescimento do ser humano. Assim, neste grupo de respostas são apontadas as interpretações culturais dadas ao casamento e à puberdade como sendo os aspetos que motivaram o abandono escolar dos educandos.

Para o caso do casamento, como forma de ilustração, apresentamos dois exemplos de respostas que educandos que se referiram deste facto:

“ (…) Abandonei porque me casaram, tinha bebé, naquele tempo quando alguém casasse não devia ir à escola(…)”S28

“ (…) Porque a minha avó trazia homem para me casar (…)”S10

A escola, na interpretação cultural e tradicional macua (etnia a que pertencem os educandos envolvidos nesta pesquisa), foi, por muito tempo, considerada uma instituição de instrução para a vida, sendo que somente devia ser frequentada por crianças, gente solteira ou pessoas que culturalmente não tivessem ao estatuto de adulto. O casamento, enquanto ritual que envolve pessoas crescidas, era um dos símbolos que marcava a separação da fase da juventude à fase adulta e implicava, por isso, a separação do indivíduo da instrução escolar devendo, assim, passar a dedicar-se a outras atividades que correspondessem às exigências da vida conjugal.

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Outro aspeto apontado pelos educandos que, enquanto fator cultural, interferiu no processo de escolarização dos educandos, foi a interpretação dada à fase da puberdade, como nos mostra o exemplo a seguir:

“(…) deixei de estudar porque naquele tempo depois de uma mulher atingir a fase de mwali21

não era permitida frequentar a escola(…) S25

Tal como acontecia com o casamento, o facto de uma mulher atingir a puberdade e ser submetida a um ritual cultural de iniciação que marcava a sua passagem da vida infantil à vida adulta, a relação com o processo de escolarização reduzia, a sua família encorajava-a a abandonar a escola para se empenhar noutras atividades que pudessem complementar a sua preparação para a vida conjugal.

Grupo 2 – Ambiente familiar: as respostas que compõem o segundo grupo apontam o ambiente familiar como motivo do abando escolar. Porém, dentro deste grupo é possível distinguir alguns focos de respostas que especificam o motivo do abandono escolar nomeadamente família alargada, papéis de género, separação dos pais e desinteresse familiar.

O primeiro foco de respostas, que cita a família alargada, refere às pessoas que viviam com pessoas com ou sem laços de sangue, que não se preocupavam com a sua escolarização como indicam alguns exemplos a baixo:

“ (…) Vivia com um padrasto que não tinha interesse em matricular me na escola (…)S14 “ (…) Eu vivia com umas pessoas que não eram meus familiares (…)”S33

São frequentes os casos em que pessoas, geralmente com nível económico relativamente maior, levam crianças de famílias rurais ou pobres para viverem em suas casas e, pelo facto de serem crianças adotadas ou crianças com as quais não partilham laços de sangue excluem-nas a escolarização remetendo-as para outras atividades principalmente domésticas ou outras que contribuam para a receita familiar.

O segundo foco aponta os papéis de género como o aspeto que os excluiu da escola, como referiu um dos nossos entrevistados:

“ (…) Eu vivia com meus avós e eles não permitia ir a escola, só me ensinava trabalhos da machamba, capinar e trabalhos de casa, quem estudava era o meu irmão (…)”S12

21Muali é um termo, adjetivo, que caracteriza a fase de puberdade atingida por uma mulher macua (emwali – substantivo), geralmente

essa fase culmina com a 1ª menstruação das raparigas e é comemorada através de um ritual festivo que inicia a rapariga nos cuidados e responsabilidades da vida de mulher adulta.

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A questão de género tem sido, mesmo atualmente, um dos grandes motivos da exclusão escolar feminina. Muitas meninas, sobretudo nas zonas rurais, são reservadas aos trabalhos domésticos enquanto os rapazes frequentam a escola.

O terceiro foco de respostas indica a separação/divórcio dos pais como sendo o aspeto que os excluiu da escola como referiu um dos entrevistados.

“ (…) Os meus pais tinham-se divorciado e eu passei a viver com os meus avós (…) “S13 Evidentemente, a separação dos pais tem tido consequências negativas para os filhos, sobretudo estes, quando são menores, devido à sua dependência, vêm-se excluídos não só da escola, mas também de outros direitos de criança.

O quarto e último foco para o grupo de respostas que indicam o ambiente familiar como sendo a causa do abandono escolar, aponta para o desinteresse familiar como ilustra o exemplo a baixo:

“ (…) Quando passei para 2ª, meu irmão tinha negado ir buscar documentos na terra natal, dali houve incêndio a declaração de passagem queimou-se(…) “S2

Portanto, acontece também com alguma frequência casos em que, mesmo havendo harmonia familiar, as famílias não mostram interesse em fazer com que as crianças gozem os seus direitos, casos estes que têm acontecido geralmente por ignorância da família.

Grupo 3 – condição social: as respostas que compõem este grupo, dizem respeito aos educandos que abandonaram a escola por falta de condições financeiras. Portanto, durante a infância, os seus pais ou encarregados de educação não tinham condições de os colocar e manter na escola. Porém, a política educativa moçambicana consagra a educação primária como sendo um ensino gratuito e que deve ser acessível a todas as crianças a partir dos seis anos de idade. Mas, verifica-se, mesmo atualmente, que muitas crianças continuam fora da escola porque os seus pais invocam falta de condições para custear os estudos dos filhos.

Fazendo uma alusão a este facto, podemos afirmar que há dois aspetos que contribuem para o efeito. O primeiro é relativo ao desconhecimento, por parte de alguns pais, desta política, o segundo refere-se aos programas internos das escolas. Quase todos anos, as escolas estipulam e exigem o pagamento de taxas no ato das inscrições alegando que as mesmas não são referentes ao pagamento de propinas, mas sim contribuições para os programas internos das escolas o que, muitas vezes, faz com que os pais e encarregados de educação que não têm condições não levem os seus filhos à escola ou estes abandonem ao longo dos ciclos do ensino primário.

Grupo 4 – impossibilidade de frequentar a escola: este grupo de respostas dos educandos cita a doença como o fator que os impediu de frequentar a escola como referiram alguns dos entrevistados:

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“ (…) Estive mal doente e não conseguia ir a escola, nem andar – tinha feridas nos pés (…) ”S29

“ (…) Sempre apanhava malária, não me passava (…)” S18

Como sabemos, Moçambique é um dos países da África Austral com um clima tropical muito propenso à sobrevivência do mosquito, principal vetor de propagação da malária, uma doença com maior número de consultas e óbitos em África. Associada à questão da malária está a pandemia do HIV/SIDA que é também uma das doenças que se apresenta com maior índice na região. Estas situações têm contribuído bastante para o retrocesso de planos individuais e sociais incluindo a educação das pessoas infetadas e afetadas por essas doenças e outras enfermidades.

Grupo 5 – conflito social: as respostas que compõem o quinto grupo centram os seus argumentos no conflito social como principal causa do seu abandono escola. Eles citam a guerra civil que teve lugar em Moçambique dos meados da década de 70 aos princípios da década de 90.

A seguir apresentamos alguns exemplos:

“ Havia guerra, lá na minha zona queimavam as escolas (…)” S16

“ Porque havia guerra, eu tinha que vir à Nampula (saindo de Quelimane) e não tinha documentos (…)”S34

A guerra civil travada entre a FRELIMO e a RENAMO, também conhecida por guerra dos 16 anos, não só obstruiu o processo de escolarização dos educandos e de todo o sistema educativo, mas também é indicada como sendo a maior causa do retrocesso, da destruição de infraestruturas diversas, de perdas humanas e do atraso no desenvolvimento do país que, no geral, tinha sido projetado após a independência do país em 1975.

Grupo 6 – Questões curriculares: as respostas que compõem o sexto grupo referem que o abandono escolar dos educandos foi causado pelas questões curriculares do próprio sistema educativo. Como exemplos são citadas as reprovações/retenções escolares, como ilustram as citações abaixo:

“Tinha chumbado e daí abandonei (…)” S24 “Tinha chumbado (…)”S23

Segundo o currículo escolar anterior ao atual, a passagem de um nível para outro era feita mediante a aprovação em cada ano letivo em todas as disciplinas com compunham a classe em frequência, o que muitas vezes excluía aqueles que, até ao fim do ano, não reunissem as competências exigidas.

Ao contrário, o atual currículo não privilegia a passagem dos alunos por classe, este foi concebido em função da avaliação das competências exigidas aos alunos por ciclos da aprendizagem,

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sendo que, no final do ano, os alunos transitam de uma classe para outra dentro do mesmo ciclo sem efetivamente reunir as competências exigidas. A sua retenção é feita na última classe no caso de não revelarem as competências básicas previstas para o ciclo da aprendizagem que estiverem a frequentar. Grupo 7 – outras razões: os grupos de respostas que mencionamos não encerram as razões do abandono escolar dos educandos, existem outras que não conseguimos enquadrar nos grupos mencionados, como por exemplo as que apresentamos a seguir:

“ Não sei porque interrompi (…)” S9 “Não posso falar as razões (…)” S11

“ (…) Minha cabeça ainda não estava aberta para estudar (…)”S35

Portanto, como referimos, as razões de abandono são diversas e são dependentes de um conjunto de fatores como as condições de vida, a política do país, a cultura, a sociedade, a história de vida individual entre outros.

Contudo, a análise geral dos dados sobre as razões do abandono escolar dos educandos permitem-nos afirmar que na representação dos sujeitos que constituem a amostra da nossa pesquisa, a principal causa do abandono escolar é o ambiente familiar que abrange o segundo grupo de respostas emitidas pelos entrevistados. Deixando de lado outros fatores de abandono, que são diversas, outro aspeto considerado como sendo uma das importantes causas do abandono escolar são os fatores culturais que ocupam o terceiro lugar na lista das respostas mais citadas pelos entrevistados.