• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1. “O que é ser homem?”: homens igualitários e pela equidade de gênero

1.6 Campartilhando a experiência com os homens autores de violência

Ao final da década de 1990, o núcleo entrou em contato com Luís Eduardo Soares, antropólogo e cientista político que era secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, e com Bárbara Mussumeci Mourão (à época conhecida como Bárbara Soares, quando casada com Luís Eduardo Soares), subsecretária de Segurança das Mulheres do Estado. Os psicólogos e antropólogos – os primeiros representantes da “sociedade civil” e os segundos “do Estado”, como lembrava Alan Bronz – formularam um esquema de “prevenção da violência” com os “homens autores de violência”. Foi nesse período que esta categoria foi cunhada por Fernando Acosta, pois para ele “sintetizava o pensamento da época”. O esquema de intervenção pretendia fazer uma “abordagem responzabilizante”, como concebido por Bárbara Mourão, sendo esta uma proposta “de dentro para fora”, ao contrário da solução punitiva que da perspectiva de Acosta vinha “de fora para dentro” – tanto Carlos Zuma quanto Alan Bronz faziam questão de mencionar que eles não foram os primeiros nem os únicos a fazerem grupos com homens autores de violência; nessa época, outras organizações no Rio de Janeiro e em outros estados também realizaram grupos com homens considerados violentos.

Carlos Zuma, Fernando Acosta e Alan Bronz lembravam do primeiro “grupo experimental” realizado em 1999 com policiais militares do Nono Batalhão, presos na prisão de Bangu. Esses policiais estavam desligados do serviço pelo uso abusivo da força. Para Zuma e Bronz, o conceito de ser homem desses policiais fazia com que realizassem seu trabalho sem as medidas de segurança pessoal: eles não usavam capacete, luvas ou colete porque se achavam “machos”. Zuma considerava que para esses policias só existiam duas categorias de homem: policiais e bandidos e, “se você estava fora dessas categorias, você não era homem”; por esta lógica, podiam muitas vezes ser tomados como “bandidos dentro de casa”.

Esse grupo foi caracterizado como uma experiência “bem-sucedida” por Zuma, Bronz e Acosta, particularmente em função do que aconteceu durante a cerimônia de encerramento do processo. Mal finalizadas as palavras protocolares de Luís Eduardo Soares e Fernando Acosta, o representante dos policiais falou do “efeito positivo” que ele experimentou após ter participado do grupo. Este policial comentou que a sua companhia era conhecida no batalhão como “Cavalos selvagens” pelo fato do uso da agressividade, como ressaltava Zuma, mas que agora eles se reconheciam como “gazelas saltitantes”. Acosta, Zuma e Bronz comentam esta história entre risos e com muita satisfação em entrevistas feitas com cada um deles em distintos momentos. Para Zuma, esses policiais haviam mudado a percepção que tinham do seu trabalho e das relações com suas famílias: “essa foi a transformação deles, como eles conseguiram afrouxar muito uma concepção que eles tinham do que era ser macho”. Este episódio pode ser interpretado como uma grande gozação por parte do policial, o que não deixa de ser uma crítica ao treinamento recebido, porém os três psicólogos sempre ficavam gratificados ao compartilhar esta experiência.

Apesar de estar alinhado politicamente com o projeto igualitário do movimento feminista, esse grupo experimental com os policiais fazia com que Alan Bronz refletisse sobre o papel dos homens na luta política das mulheres. Para ele, várias organizações de mulheres e feministas em cargos de governo tinham uma “imagem depreciada do trabalho com homens”. Bronz vivenciava um conflito porque

ao mesmo tempo em que eu queria que os homens mudassem, que pudessem abrir possibilidades para se configurarem como homens de uma forma alternativa à que eles estavam acostumados a ser, eu também procurava defender, também queria melhorar um pouco a imagem dos homens.

Sem romper as relações com as organizações de mulheres, Alan Broz começava a adotar um discurso mais próximo ao ativismo da “cultura de paz”, no qual a ideia de mediação de

conflitos era central. Durante parte do seu trabalho como facilitador, ele quis que os homens evitassem a violência nas relações de casal, mais do que a equidade de gênero em si. Com este novo paradigma, Bronz escreveu sua dissertação sobre terapia de família, refletindo sobre o dispositivo da terapia de casal em relação à queixa de “serem violentos uns com os outros”. De todo modo, Bronz enfatizava que durante seu trabalho como facilitador não realizava terapia, mesmo que alguns homens chegassem no grupo buscando esta alternativa.

Figura 3. De cavalos para gazelas. Matéria de jornal que informa do grupo reflexivo realizado com policiais do 9º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Na mesma parceria com o governo do Estado do Rio de Janeiro, Fernando Acosta, Carlos Zuma e Alan Bronz trabalharam com homens encaminhados por instituições estatais, principalmente do Centro Integrado de Atendimento à Mulher. Este segundo grupo com homens autores de violência gerou bastante controvérsia e às vezes oposição por parte de algumas integrantes do Conselho Estadual do Direitos das Mulheres. O grupo foi realizado na sala de reuniões do Conselho, que era considerado como um espaço das mulheres, sendo inaceitável que precisamente ali os homens agressores se reunissem para falar e “serem cúmplices”. Segundo Fernando Acosta, a percepção de algumas feministas era de que esse grupo “não transformava”. Porém, dado o respaldo da presidente do Conselho, uma reconhecida ativista, bem como de outras mulheres que consideravam importante a inclusão dos homens nas transformações de gênero desejadas, os grupos continuaram se conformando e aos poucos foram recomendados como uma forma de prevenção em documentos de política pública.