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O campo de estudo desta investigação foi um curso de Matemática de uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) que é ofertado nas modalidades bacharelado e licenciatura. Trata-se de uma IFES de grande porte e de tradição no país, com um campo estabelecido na pesquisa em Matemática. Os sujeitos são os licenciandos. A IFES, o curso e os estudantes foram selecionados por amostra não-probabilística acidental.

A opção pelo tipo de amostragem citada foi porque, como afirmam Moura e Ferreira (2005, p. 53), “as amostras acidentais, também chamadas de amostras de conveniência, caracterizam-se por utilizar pessoas que se dispõem voluntariamente a colaborar com o estudo, respondendo aos instrumentos de coleta de dados propostos pelo pesquisador”. Assim, a amostra deste estudo foi selecionada por meio de convite aos graduandos.

Todos os estudantes regularmente matriculados nas disciplinas de conteúdo específico obrigatórias para a Licenciatura a partir do quarto período - Variável Complexa, Geometria Plana e Desenho Geométrico, Geometria Espacial e Fundamentos de Análise - e que tinham cumprido 50% da carga horária do curso foram convidados para participar da pesquisa. Decidimos por esse critério porque compreendemos que, por já terem cursado boa parte do curso e boa parte de disciplinas de conteúdos específicos e pedagógicos, já estariam maduros para avaliar o processo pedagógico/avaliativo por eles vivenciados.

Ao todo, 42 licenciados foram interlocutores desta investigação: 12 entrevistados; 16 participaram da roda de conversa e, dentre esses, quatro estão entre os entrevistados; 18 participaram apenas por meio das redes sociais - diálogos e comentários - via WhatsApp e/ou

Facebook. É importante esclarecer que muitos dos entrevistados e dos que participaram da

roda de conversa também estavam incluídos nos grupos das redes sociais.

Apesar de não termos realizado uma sólida caracterização, visando traçar o perfil sócio-econômico-cultural dos sujeitos desta pesquisa, introduzimos algumas questões na entrevista e, também, questionamos aos participantes da roda de conversa sobre: origem escolar, localidade de residência, meios de transporte utilizados, renda familiar, trabalho e outros. Com relação à origem escolar, dos 24 interlocutores que participaram dos dois instrumentos citados: 12 cursaram todo o ensino médio em escolas públicas; 01, a maior parte em escola pública; 01, a maior parte em escola privada; e 08 cursaram todo o ensino médio em escolas privadas. Sobre o local de residência: 15 residem em bairros periféricos da cidade. No tocante ao uso de transporte coletivo: 13 utilizam ônibus como principal meio de locomoção. No que diz respeito à renda familiar: 14 possuem renda de até quatro salários mínimos. Da totalidade dos pesquisados, 42 sujeitos, 08 já exercem a docência na educação básica, ou seja, ministram a disciplina Matemática no Ensino Fundamental (6º ao 9º anos) e/ou Ensino Médio.

Os resultados das amplas pesquisas realizadas por Moreira et al. (2012) e Gatti e Barreto (2009) referentes ao perfil dos estudantes de Licenciatura em Matemática no Brasil confirmam que se tratam de sujeitos oriundos das classes populares.

Os interlocutores desta investigação não fogem à regra: a maior parte cursou o ensino básico na escola pública, uma parcela significativa é composta por trabalhadores(as), possuem família e alguns possuem distorção idade X série. Devido às condições socioeconômicas, mesmo aqueles que não trabalham formalmente sobrevivem de “bicos”, como, por exemplo, ministram aulas particulares para garantir suas necessidades básicas.

Cumpre esclarecer que, como em muitas universidades brasileiras, no Departamento de Matemática onde a pesquisa foi desenvolvida coexistem, nas palavras de Diniz-Pereira (2007, p. 59), “dentro do mesmo curso as modalidades Licenciatura e Bacharelado, aparecendo assim uma duplicidade em seus objetivos: formar professores e pesquisadores”. O autor afirma, ainda, que devido a esse duplo objetivo, muitos pesquisadores da área de formação docente acusam “uma valorização maior do bacharelado por sua relação com a formação do pesquisador e um certo descaso com a licenciatura por sua vinculação com a formação do professor [...]” (DINIZ-PEREIRA, 2007, p. 59).

Para iniciar a produção de dados, entramos em contato com a coordenação do curso, visando observar atentamente as exigências prescritas na Resolução CONEP 466/2012, esclarecer os objetivos e procedimentos metodológicos, bem como verificar as possibilidades de realização da pesquisa no Curso.

Com o aval da coordenação do curso, estabeleci contato com os docentes das disciplinas de conteúdo específico por e-mail. Apesar de não haver negação por parte de nenhum deles, cabe destacar que conversei individualmente com cada um em suas respectivas salas, esclarecendo-os sobre o projeto de pesquisa, visando realizar, como nas palavras de D'Ambrósio e Lopes (2015, p. 04),

[...] uma produção científica ética e comprometida com a qualidade de vida humana e que, portanto, assumirá um modo de investigar em que considere o respeito aos participantes da pesquisa e/ou aos documentos utilizados na investigação; perceba as delimitações da pesquisa realizada, sabendo que ela não se constitui em uma verdade única; e tenha sensibilidade e responsabilidade na utilização do saber produzido pelo outro.

Nessa perspectiva, ao definirmos o percurso metodológico, buscamos refletir sobre a ética e a estética nesta pesquisa, com a preocupação de zelar pelos direitos dos participantes, o bem-estar físico e emocional, a liberdade, de forma honesta e responsável, de modo a estabelecer relações amistosas, minimizando riscos e maximizando benefícios, tanto para o pesquisador quanto para os participantes.

Assim como Miarka e Fernandes (2015, p.142), compreendemos que é necessário discutir aspectos que estão aquém e além da forma. Para os autores, é preciso pensar a ‘estética na pesquisa’ “contemplando os modos como as diversas formas de expressão do meio acadêmico agenciam a produção dos sentidos diversos - pensamentos, sensações, inquietações, questionamentos” e a ‘estética da pesquisa’ com o “olhar sobre o modo como essas formas de expressão passam por regimes de julgamento que definem, fundamentalmente, a legitimidade e a qualidade dessas formas”.

Para contemplar a produção de sentidos diversos na produção acadêmica, como sugerem Miarka e Fernandes (2015), entendemos ser necessário considerar as ações de “insubordinação criativa” nesse processo de pesquisa, ou seja, a compreensão, como apontam os autores, de pensamentos, sensações, inquietações, questionamentos dos graduandos com relação à prática pedagógica/avaliativa no curso de Licenciatura em Matemática. Assim, buscamos elucidar a estética pela experiência da beleza no ser humano em consonância com os princípios éticos. Buscamos, sobretudo, destacar o belo expresso por meio dos sentimentos, questionamentos, percepções, entre outras manifestações dos interlocutores desta pesquisa. Nas palavras de Bourdieu (1989, p. 26),

Em suma, a pesquisa é uma coisa demasiado séria e demasiado difícil para se poder tomar a liberdade de confundir a rigidez, que é o contrário da inteligência e da invenção, com o rigor, e se ficar privado deste ou daquele recurso entre os vários que podem ser oferecidos pelo conjunto das tradições intelectuais [...].

Nessa perspectiva, definimos os procedimentos metodológicos que apresentaremos, na próxima subseção, visando abarcar a multiplicidade de variáveis que envolvem o fenômeno estudado em todas as suas nuances, tendo como foco as percepções dos sujeitos a partir das relações estabelecidas no contexto pesquisado.

É importante relatar que durante o período de produção dos dados aconteceu uma mobilização dos estudantes, denominada “Ocupa (nome do Instituto)”, que mencionaremos no decorrer deste trabalho como “Movimento Ocupa”. Essa mobilização ocorreu em diversas IFES em virtude da tramitação, no Congresso Nacional, da proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55/2016 que tratava da fixação do teto dos gastos públicos. Na IFES pesquisada, o movimento contou com a adesão de estudantes do curso de Matemática, entre outros cursos, e interrompeu as atividades letivas por 45 dias. Foram desenvolvidas diversas ações, como oficinas, palestras, reuniões, atos, entre outras, durante o período de ocupação.

Ao finalizar a ocupação, o Movimento Ocupa publicou uma nota pública no Facebook através da qual expôs as insatisfações dos estudantes, principalmente com a relação professor- aluno e as dificuldades e demandas por melhorias nos processos pedagógicos. Na nota, os estudantes mencionam a necessidade de democratização do espaço acadêmico e, referindo-se aos tablados existentes na maioria das salas de aulas, de onde os professores ministram suas aulas, defendem a retirada do que eles denominaram de demarcadores simbólicos de distinção entre alunos e docentes e que, na visão dos ocupadores, teria um papel de imposição e segregação.

O Movimento Ocupa retirou os tablados das salas de aula e espalhou-os pelos corredores do prédio do Instituto como forma de protesto durante o período de ocupação, e neles escreveram diversas frases, tais como: “Os tablados são os muros que nos separam”; “Qual a posição do professor na sala?”; “Lute por uma educação horizontal”; “Quantas professoras negras você tem?”. Com a finalização da ocupação, os tablados foram recolocados nas salas de aula por decisão da administração do Instituto.

Encerrada a ocupação, começaram as discussões sobre a reposição das aulas. Algumas disciplinas optaram por ter o recesso de final de ano e retornar em janeiro, outras, para recomeçar imediatamente, de forma que foi um semestre atípico. Nesse contexto, a prática de avaliação não transcorreu normalmente em todas as disciplinas, como planejado inicialmente, ou seja, a aplicação de três provas, o que explicitaremos mais adiante.