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De forma abreviada, é possível dizer que encontramos na literatura duas grandes concepções dicotômicas de avaliação em disputa por hegemonia nas práticas avaliativas: a positivista - também denominada tradicional, liberal, conservadora - e a dialética - ou progressista, dialética, formativa.

Com relativo risco reducionista ou de simplificação exorbitante, de maneira geral, podemos reduzir as concepções de avaliação a dois grandes grupos – evidentemente referenciadas em duas concepções antagônicas de educação. Estas, por sua vez, referenciam-se nas visões de mundo positivista ou dialéticas, isto é, buscam seus parâmetros em cosmovisões que entendem o universo e as relações que nele se travam como estruturas ou como processos (ROMÃO, 1999, p. 58)

Na concepção tradicional, avaliar significa testar e medir, ou seja, é sinônimo de objetividade e neutralidade. Franco (1994, p. 16) esclarece que esse significado tem origem na matriz positivista, “baseada em critérios de cientificidade aplicáveis às ciências naturais, em que a observação, a verificação e a experimentação são tidas como condições indispensáveis para a criação de princípios, leis e teorias.” Ainda segundo a autora, “os professores (e, portanto, avaliadores), em contrapartida, passaram a valorizar os testes, as escalas de atitude, as questões de múltipla escolha, as provas ditas ‘objetivas’[...]” como forma de avaliar seus alunos (FRANCO, 1994, p. 18).

Nesse sentido, como indica Viana (2015, p. 178), na prática, “a avaliação não tem sido utilizada como instrumento de aprendizagem, mas como fim em si mesma” e afirma:

O teste é entendido como instrumento de constatação e mensuração que não tem, portanto, por objetivo a investigação. No entanto, pela incompletude, não permite por si só perceber o desenvolvimento do aluno. Assim, presta-se apenas ao controle, visando selecionar, servindo, portanto, para incluir alguns e excluir outros (VIANA, 2015, p. 179)

Hoffmann (2003, p. 11) esclarece que muitos fatores dificultam a superação da avaliação tradicional na prática. Entre eles, a autora destaca a crença dos educadores de todos os níveis de ensino “na manutenção da ação avaliativa classificatória como garantia de um ensino de qualidade”. Para a autora, “essa não é apenas a concepção vigente entre professores, mas a crença de toda sociedade e que transparece em noticiários de jornais e da televisão, nos comentários de pessoas pertencentes a diferentes níveis sociais ou categorias profissionais” (HOFFMANN, 2003, p. 11).

Como consequência dessa concepção, Hoffmann (2003, p. 20) explica que, “para inúmeros professores, pela sua trajetória de vida e por várias influências sofridas, a avaliação se resume à decisão de enunciar dados que comprovem a promoção ou retenção dos alunos” (Grifo nosso). Nessa perspectiva, a autora salienta:

As notas e as provas funcionam como redes de segurança em termos de controle exercido pelos professores sobre seus alunos, das escolas e dos pais sobre os professores, do sistema sobre suas escolas. Controle esse que parece não garantir o ensino de qualidade que pretendemos, pois as estatísticas são cruéis em relação à realidade das nossas escolas (HOFFMANN, 2003, p. 22)

Estudiosos contrários à concepção tradicional, como Sousa (1994), Luckesi (2018; 2011), Hoffmann (1992; 2003), Fernandes (2009), Villas Boas (2005; 2011), Buriasco (1999), Fischer (2008) e outros, concebem a avaliação numa perspectiva progressista, dialética, formativa, um ato avaliativo comprometido com a construção dos conhecimentos, ancorado

num processo investigativo, contextualizado para além da visão classificatória do mero exame.

Na concepção progressista, a avaliação é entendida como um componente integrado aos processos de ensinar e aprender, aliada do aluno e do professor, englobando as atividades desenvolvidas por ambos. Para Villas Boas (2005, p. 162-163), “o entendimento do trabalho pedagógico como construção conjunta de professores e alunos traz, como consequência, o entendimento e a prática da avaliação como aliada de ambos”.

Para tanto, faz-se necessário conceber a avaliação conforme definição de Hoffmann (1992), como movimento, ação e reflexão.

A avaliação é a reflexão transformada em ação. Ação, essa, que nos impulsiona a novas reflexões. Reflexão permanente do educador sobre sua realidade, e acompanhamento, passo a passo, do educando, na sua trajetória de construção do conhecimento. Um processo interativo, através do qual educandos e educadores aprendem sobre si mesmos e sobre a realidade escolar no ato próprio da avaliação (HOFFMANN, 1992, p. 18).

Concordamos com Souza (1994) quando explica que, como um processo de pesquisa e investigação, a preocupação primeira da avaliação desloca-se dos procedimentos e instrumentos para os princípios e fins. Esses, denominados por Sales (2002, p. 74) como “questões de fundo”, ou seja, “as premissas, os fundamentos, a teoria que orienta e ilumina a prática.” São as questões que dizem respeito às nossas crenças, ideias, valores, propósitos e projetos acerca da sociedade, da educação, da escola, do ser humano, do aluno, do profissional professor, do ensinar e do aprender.

Para analisar as percepções dos futuros docentes, tomamos por referência a ideia de Sousa (1994), segundo a qual a finalidade principal da avaliação é

[...] fornecer sobre o processo pedagógico informações que permitam aos agentes escolares decidir sobre as intervenções e redirecionamentos que se fizerem necessários em face do projeto educativo definido coletivamente e comprometido com a garantia da aprendizagem do aluno. Converte-se então em um instrumento referencial e de apoio às definições de natureza pedagógica, administrativa e estrutural, que se concretiza por meio de relações partilhadas e cooperativas (SOUSA, 1994, p. 46).

Como a autora supracitada, defendemos que, para colocar em prática um processo de avaliação a serviço das aprendizagens dos estudantes, ou seja, numa perspectiva formativa, faz-se necessário um projeto de ação planejado democrática e coletivamente. Como aponta Luckesi (2011, p. 22), “para atuar com avaliação de acompanhamento da aprendizagem em educação, temos necessidade de um projeto que delimite o que desejamos com a nossa ação e

consequentemente nos oriente na consecução”, o que significa instituir um projeto político- pedagógico para orientar as ações educativas da instituição.

A finalidade da avaliação do acompanhamento da aprendizagem (LUCKESI, 2011), também denominada mediadora (HOFFMANN, 2003), dialógica (ROMÃO, 1999), construtivista responsiva (GUBA; LINCON, 2011), formativa (ALLAL, 2011; DEPRESBITERIS, 2011; BURIASCO; SOARES, 2008; FERNANDES, 2009; HADJI, 1994; PERRENOUD, 1999; VILLAS BOAS, 2011), entre outras denominações, “é de fornecer informações que permitam uma adaptação do ensino às diferenças individuais observadas na aprendizagem”, afirma Allal (1986, p. 177). A autora esclarece que “durante a totalidade de um período consagrado a uma unidade de formação, os processos de avaliação formativa estão integrados nas actividades de ensino e de aprendizagem” (ALLAL, 1986, p. 191).

Nessa perspectiva e referindo-se à avaliação em matemática, Buriasco e Soares (2008, p. 110) afirmam que:

A avaliação da aprendizagem em matemática deve ser vista na escola como um processo de investigação, uma atividade compartilhada por professores e alunos, de caráter sistêmico, dinâmico. As tarefas de aprendizagem devem se constituir, ao mesmo tempo, em tarefas de avaliação, uma vez que a avaliação é parte integrante da rotina das atividades escolares e não uma sua lacuna.

Essa concepção conduziu-nos à reflexão sobre a relevância dessa temática na formação docente inicial como condição necessária para que o futuro professor seja qualificado para desenvolver um processo pedagógico e, nele, uma avaliação formativa - construtivista, dialógica, investigativa, emancipadora.

Corroborando com os pesquisadores citados, questionamos como os licenciandos percebem os processos de avaliação desenvolvidos e vivenciados por eles nas disciplinas de conteúdo específico. A partir dessa questão, surgem outras indagações, como: qual o significado da avaliação para os estudantes de Licenciatura em Matemática na fase final do curso? Eles relacionam as práticas de avaliação como parte integrante dos processos de ensino e aprendizagem? Consideramos serem essas questões de grande relevância, pois esses estudantes serão futuros professores - e avaliadores - da educação básica.

Como sugere Barbosa (2012), o lugar fértil onde os debates sobre avaliação devem acontecer é a sala de aula dos cursos de formação de professores. Assim, segundo Camargo (1996, p. 10), “uma forma de estudar o fenômeno da avaliação, de modo a ajudar a virar pelo avesso o seu quadro atual, é a de buscar ouvir a fala do aluno - esse ator que, na cena pedagógica, frequentemente tem o papel secundário de figurante”.

A seguir, apresentamos as análises referentes às percepções dos licenciandos visando fazer inferências sobre as suas concepções de avaliação, as quais estão imbricadas nos eixos temáticos e serão analisadas na sequência: 1) supremacia das disciplinas de conteúdo específico; 2) planejamento do trabalho pedagógico; 3) aula como expressão da prática pedagógica; 4) relação professor-aluno; 5) concepção de avaliação.