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Em busca de encontrar elementos relevantes para a compreensão das percepções dos sujeitos da pesquisa, consultamos o Projeto Pedagógico do Curso - PPC (IFES, 2010) a fim de desvelar a concepção de avaliação subjacente nesse documento. As informações que constam no PPC sobre a tríade ensinar-aprender-avaliar são destacadas em dois eixos básicos do processo de formação docente inicial: 1) a coerência entre a futura prática do licenciando e a

formação que lhe é oferecida no presente; e 2) compreensão de que o processo de ensino e aprendizagem exige grande domínio tanto do conteúdo quanto do processo de construção do conhecimento pela criança, pelo jovem e pelo adulto.

Com base nesses eixos são enumerados os princípios norteadores da formação para a docência. No que tange ao processo pedagógico, o PPC destaca três elementos: a aprendizagem, os conteúdos e a avaliação. A aprendizagem é compreendida na perspectiva de construção dos conhecimentos, habilidades e valores, que, de acordo o documento, para que ocorra, faz-se necessário a interação com a realidade e com os demais indivíduos e, cabe destacar, menciona o uso das capacidades pessoais. Com relação aos conteúdos, esses são compreendidos como meio e suporte para a constituição de competências. A avaliação é descrita como função diagnóstica (identificar lacunas); somativa (mensurar resultados) e formativa (redefinir ações).

No item Perfil do Egresso Licenciado, o PPC expressa, de forma mais clara, as habilidades pedagógicas que são esperadas do futuro professor de Matemática: familiaridade e reflexão sobre as metodologias e o uso de recursos didáticos, citando o uso de computadores e o compromisso com a inclusão digital; maturidade para tomar decisões sobre como maximizar a aprendizagem dos discentes; criar e adaptar procedimentos visando, inclusive, motivar os alunos para estudar Matemática e, por fim, avaliar continuamente seus próprios resultados e os resultados de seus futuros alunos.

Cabe sublinhar que há dissonância entre o projeto pedagógico do curso e a estruturação do conjunto de disciplinas e suas ementas, indicando que o documento não reflete a prática das atividades relatadas pelos pesquisados e por mim observadas durante o período de imersão em campo. Cruzando as informações do PPC com as observações in loco e os depoimentos, o eixo temático Planejamento do Trabalho Pedagógico torna-se relevante para a compreensão das percepções dos licenciandos sobre avaliação.

Alguns estudantes mencionaram o planejamento das aulas como um elemento pedagógico importante para o bom rendimento nas disciplinas: “O professor Crisólito tinha que ser mais organizado, ele não sabe dia de prova, ele não sabe qual vai ser a próxima matéria, ele não prepara as aulas, então está uma desordem a aula”, afirma Esfênio. Aspecto também citado por Ametrino, sem especificar um professor em particular: “[...] não tem planejamento do que vai fazer, de como vai corrigir, então é meio que uma avaliação assim é, critérios diferentes para pessoas diferentes”.

É interessante observar que os estudantes demonstram maior clareza com relação às questões que estão diretamente relacionadas à gestão das aulas e à prática avaliativa (provas e trabalhos), ou seja, as experiências cotidianas que afetam diretamente o rendimento acadêmico, como é evidenciado no diálogo, via WhatsApp, reproduzido a seguir:

Esmeralda: O que me incomoda é que ele não se enxerga, cobra muito e não prepara as aulas. E culpar a turma por não estudar, pra mim a culpa é dele Berilo: Kkkkkkkk

Isso é normal aqui dentro

Eventualmente, a gnt aprende a lidar com as traulitadas da melhor forma e ignorar isso

Esmeralda: Pois é... vamos ignorando então né rsrs Berilo: É o que penso kkkkkkk

Não sei lidar de outra forma com isso

Outros pesquisados também percebem que a ausência de planejamento por parte do docente traz implicações para a aprendizagem dos estudantes:

[...] o professor não prepara a aula, sendo que ele que me dá um exercício pra fazer e não consegue fazer. Então isso acontece muito, acontece muito de a gente chegar pra assistir uma aula, o professor não consegue escrever a matéria no quadro em ordem. Ele começa com uma coisa ali, vai seguindo o raciocínio dele e rabisca o quadro inteiro e você não consegue acompanhar o que que ele fez. (Jaspe)

Tentar preparar a aula não uma hora antes da aula [risos]

[...] não são poucos os professores que fazem isso! Ou deixam para preparar aula no dia ou então trinta minutos antes ou então não preparam e vem com o que tem na cabeça. (Sárdio)

É preparar a aula, é querer saber qual é a dificuldade do aluno, né? Por que, às vezes, ele só tá lá passando a matéria e não tá nem aí. Tem professor que nem pergunta se tem dúvida. (Rubi)

O contrário, quando o professor realiza planejamento de aulas, também é percebido pelos estudantes, como atesta Rubelita: “Mas ele escolhia, ele olhava o livro, selecionava bem uns teoremas que deveria ser discutido e falava mais sobre aquilo.”

Pelo exposto, é possível concluir que os estudantes percebem a importância do planejamento pedagógico como meio de evitar a improvisação, em particular do planejamento de aula e de atividades avaliativas e, também, como um elemento-chave para o desenvolvimento do processo ensino e aprendizagem, tanto para a execução da aula quanto para o aproveitamento satisfatório do aluno, ou seja, a consecução dos objetivos propostos.

Consideramos essas manifestações relevantes porque a ação educativa, como intencional e sistemática, exige ser previamente organizada por meio do planejamento das ações didáticas, como afirma Luckesi (2011, p. 20):

[...] para que a avaliação seja possível e faça sentido, o primeiro passo é estabelecer e ter uma ação claramente planejada e em execução, sem o que a avaliação não tem como dimensionar-se e ser praticada, pois que o seu mais profundo significado, a serviço da ação, é oferecer-lhe suporte, com o objetivo de efetivamente chegar aos resultados desejados.

O autor supracitado esclarece que “na ação planejada há um desejo claro e definido de sucesso, que expressa a meta aonde se quer chegar” (LUCKESI, 2011, p. 19). E defende que “[...] tal compreensão significa estabelecer um Projeto Político-Pedagógico que guie a ação no cotidiano escolar” (p. 22).

Provocados sobre o projeto pedagógico e o programa das disciplinas, nenhum aluno afirmou conhecer o PPC. Com relação às ementas, os estudantes afirmam que são disponibilizadas por meio da plataforma moodle e, conforme mostram os relatos, um ou outro professor realiza discussão com a turma e, quando o fazem, é de forma autoritária, como evidenciam os depoimentos a seguir:

Larimar: Não, eles põem lá no moodle lá, ninguém fala nada, aí um belo dia, você tá lá no moodle, o que que é isso aqui, ó, isso aqui é o programa do que ele vai ensinar.

Pesquisadora: Mas não leva para sala, para discutir?

Larimar: Não, de jeito nenhum. É aquele negócio tipo assim, tá lá, se você quiser ver você vê, se você não quiser...

Pesquisadora: Mas os alunos também não cobram do professor?

Larimar: Não cobram porque você chega no primeiro período é assim, no segundo é assim, aí você fala, então é assim e pronto.

Esmeralda: Eu acho que uns 60% dos professores fazem plano, os outros 40% não.

Pesquisadora: Mas eles discutem com os alunos?

Esmeralda: Não, não. É feito de uma forma totalmente é, autoritária mesmo, né? Ele simplesmente chega e apresenta o plano, o cronograma e não pergunta o que que a gente acha [risos].

Pesquisadora: Os professores discutem o programa das disciplinas com vocês?

Ametista: Nunca.

Pesquisadora: Você não sabe qual é o objetivo da disciplina? Como será realizada a avaliação?

Ametista: Eu sei porque, muitas vezes, a gente procura no moodle. [...] para não dizer que eu nunca tive um professor, o [...] em Análise Combinatória, ele entrou, gente ó, a ementa é essa, essa, essa. Eu preciso seguir isso aqui

com vocês, mas tem isso, isso. Eu vou dar mais foco e tal, então de início ele teve uma conversa.

Ametrino: Uma coisa que eu sempre questionei, eu acho que eu sempre vou questionar, é que não existe um programa definido. Cada professor pode fazer o que quer.

Pesquisadora: Os professores discutem o programa com os alunos?

Ametrino: Não! Se ele acha assim, ah, pelas minhas experiências em outras disciplinas, dando essa disciplina em semestres anteriores, que os alunos não dão conta de estudar tal capítulo, então eu tiro do programa ou então eu acho que o aluno só sai bem dessa disciplina se ele souber isso, isso e isso. Não faz parte do programa, mas eu vou acrescentar porque eu acho que vocês devem saber. Então não tem uma coisa assim.

Ao direcionar nossa atenção para a intrínseca relação entre planejamento das atividades didáticas e PPC, constatamos um vácuo nas manifestações dos sujeitos da investigação, uma desarticulação. Há um silenciamento no tocante à necessidade e importância de, no dizer de Luckesi (2011, p. 22), “um projeto que delimite o que desejamos com nossa ação e consequentemente nos oriente na sua consecução”, ou seja, um projeto pedagógico que guie as ações no cotidiano, do processo educacional como um todo.

Assim, para que possamos trabalhar na busca e construção de resultados satisfatórios da aprendizagem, necessitamos de clareza quanto às finalidades, quanto aos resultados que desejamos buscar e quanto a quem eles servem e/ou servirão, o que, em síntese, significa estabelecer um projeto filosófico- político para essa ação (LUCKESI, 2011, p. 23).

Os licenciandos demonstram certa confusão em relação à importância do PPC, o que pode ser indício de que eles não possuíam clareza quanto à finalidade desse documento como um instrumento legal, necessário e fundamental para a organização do trabalho pedagógico. Nas palavras de Veiga (1997, p. 13):

O projeto não é algo que é construído e em seguida arquivado ou encaminhado às autoridades educacionais como prova do cumprimento de tarefas burocráticas. Ele é construído e vivenciado em todos os momentos, por todos os envolvidos com o processo educativo da escola.

Nenhum licenciando declarou ter conhecimento do PCC. Parece haver uma lacuna na formação dos futuros professores com relação à reflexão teórica e ações práticas no que diz respeito ao projeto pedagógico do curso e sua importância para organizar e direcionar as ações da instituição, desconhecendo que deve ser construído coletiva e democraticamente, ou seja, a partir do compromisso de toda a comunidade acadêmica.

Assim, o processo de avaliação, em particular, torna-se uma questão relevante porque o desempenho dos alunos mantém estreita relação com as condições institucionais e o projeto pedagógico. Isso porque, como afirma Luckesi (2011, p. 27):

O ponto de partida para atuar com avaliação é saber o que se quer com a ação pedagógica. A concepção pedagógica guia todas as ações do educador. O ponto de partida é saber aonde desejamos chegar em termos da formação do educando. Afinal, que resultados desejamos? Ou seja, precisamos refletir com clareza o que queremos, a fim de produzir, acompanhar (investigar e intervir, se necessário) para chegar aos resultados almejados. O projeto político-pedagógico configura tanto a direção para a ação pedagógica e, ao mesmo tempo, é guia e critério para a avaliação.

Com relação às ementas das disciplinas investigadas, todas possuem o mesmo padrão, visualizado no exemplo a seguir:

Figura 1 - Ementa da disciplina Fundamentos de Análise

Fonte: Dados de pesquisa. Página do Curso de Matemática (2017)

Quanto aos planos de trabalho de cada docente, não foi possível analisá-los. Quando questionados sobre esse documento, alguns professores informaram que estariam disponíveis no site do Departamento de Matemática, mas o que encontramos na página foram as ementas e programas.

É possível concluir que os estudantes percebem a necessidade de planejamento das atividades didáticas cotidianas, como aulas, listas de exercícios e provas, mas não demonstraram perceber a importância da apresentação e discussão pelo professor do plano de trabalho da disciplina em sala de aula: conteúdo, estratégias de ensino, critérios de avaliação e outros. Essa é uma questão importante porque o processo de planejamento da prática pedagógica e avaliativa, como aponta Villas Boas (2005, p. 168), inclui “[...] as dimensões política, social, ética e técnica”. Para a autora, “a própria existência ou não do plano de trabalho de cada disciplina demonstra o tipo de compromisso político, social e ético do professor com o trabalho pedagógico que coordena” (VILLAS BOAS, 2005, p. 168).

Considerando que no processo avaliativo há interação de diversos fatores - econômicos, sociais, políticos, culturais, entre outros - que não estão diretamente vinculados à Instituição, faz-se necessário estabelecer uma filosofia no PPC, uma concepção de prática pedagógica - e de avaliação - para fundamentar e orientar o processo avaliativo. Sendo essa questão de grande relevância para o êxito dos estudantes, fica a indagação: como os futuros professores irão fundamentar e orientar suas práticas avaliativas na educação básica?

A seguir, apresentamos as análises sobre os depoimentos dos interlocutores que tratam das suas percepções sobre a prática pedagógica dos docentes, em particular, das aulas, com o intuito de compreender como eles percebem a avaliação, se integrada aos processos de ensinar e aprender numa perspectiva formativa ou tradicional.