• Nenhum resultado encontrado

Reconstituição do ms L fols 113c – 322b

428 CAPÍTULO D

Como o Cide guaanhou Alcõcier per arte de fremoso saber de guerra

Esteve o Cide ẽ aquelle logar quynze somanas fazendo muyto mal aos mouros. E, desque vyo que desta guisa nõ podia aver o castello, fezelhe esta arte: mãdou mover toda sua jente como que hya fugindo; e mandou leixar as tendas no real. E, elles hyndosse cõ tal finta como dissemos, levãdo sua bandeira levãtada, os mouros do castello, quando esto virõ, penssarõ que fogiã e ouverõ muy grande prazer. E começaronsse ẽ esto a volver muy fortemente, dizẽdo:

– Fugĩdo vã aqueles, / [216c] ca lhes falleceo a vyanda e nõ pode levar as tendas! E ouverom seu acordo como fossem empos elles, dizendo:

– Vaxenos a gãaça! E, se o souberem de Turuel primeiro que nos, sua seera a prol e a honrra, e nos nõ averemos porẽ nada nem cobraremos nẽ hũa cousa de quanto mal nos hã feito.

E, cõ este alvoroço tã grande, sayron empos elles, quẽ mais podya correr, dando grandes vozes e fazendo grãde arroydo. E tanto o faziam de võotade, que nom ficou nẽ hũu no castello, que armas podesse tomar, que nõ saisse empos elles com grande pressa, doestando muy mal o Cide e suas cõpanhas. E o Cide hya fogĩdo todavya e defendendo aos seus e castigandoos que nõ tomassem a elles, a menos que fossem bem alongados. E, desque o Cide entendeu que os mouros nõ se poderiã acolher assy de ligeiro, mandou tomar a bandeira; e que os ferissem de ryjo. E os seus, como derom tornada, ferirõ em os do 429 castello tam fortemẽte que os desbaratarõ. E morrerõ hy muytos delles e os que poderõ, fugirõ, e o Cide com os seus matando e ferindo em elles.

E o Cide cõ os bem ẽcavalgados adyantarõsse e tomarõ a porta do castello. E ẽ este logar foy feita grãde morte ẽ os mouros, ca os cristãaos entrarõ cõ os mouros ẽno castello de volta. E Pero Vermuiz foi logo poer a bandeira ẽ o mais alto logar do castello. E o Cide pôsesse ẽ giolhos e deu muytas graças a Deus do ben e mercee que lhe avya feita. E despois disse aos seus:

– Amigos, ja melhoramos as pousadas e as camas. E, per como o eu cuydo, grande he o aver que jaz ẽ este castello. E hide todos filhar pousadas e cativade os mouros que hi achardes. E nõ os matedes, ca melhor seera que nos servamos delles e elles mostrarnos ham os averes que tẽe escondidos.

E mãdou logo por as tendas que ficarõ no arreal.

CAPÍTULO DXXVI

Como el rey de Vallẽça mãdou cercar o Ci/de [216d] ẽ Alconcier e como se livrou

Conta a estorya que, quando esto souberon os de Tieca e de Callataud e de Darõca e de Molyna e dos logares acerca, que lhes pesou muito, temendosse de aquello meesmo. E ẽviarõ logo seus mãdadeiros a el rei de Vallença, que soubesse por certo que hũu homẽ a que chamavã Roy Diaz, o Cide, que o avya deitado de seu reyno el rei dõ Afonso e que avya ja estragada toda a terra e guaanhara ja Alconcier e matara quãtos mouros hi achara; e que, se ẽ esto nõ ouvesse consselho, que todos aquelles logares erã perdidos, por que tam mortalmente sabia fazer guerra que nõ temya nẽ hũa cousa; e que avya ja estragada toda a ribeira do Salon d’ambalas partes.

430 E el rei de Vallẽça, quando esto ouvyo, pesoulhe muyto. E mãdou por dous reis que hi erã cõ

elle e mãdoulhes que tomassẽ tres mil cavalleiros e jente de pee quanta quisessẽ e mais que levassẽ todollos frõteiros; e que fossem allo e que lhe levassem o Cide bem preso, ca elle queria delle tomar vyngãça do grãde mal que avya feito ẽ sua terra.

Os dous reis fezerom o que lhes mandou o rey de Vallença. E estes reis, hũu avya nome Fiziz e outro Galbe. E sairõ de Vallẽça cõ suas cõpanhas e a primeira jornada veherom a Sogrove. E ẽ outro dia

chegarõ a Calffa de Canal. E dally ẽvyarom por os cõcelhos e que fossem todos a certo dia, assi de cavalo como de pee, cõ elles ẽ Callataud; e que esto fosse ataa tercer dya. E por este mãdado ajuntaronsse hy muy grandes cõpanhas a estes dous reis. E foron cercar o Cide em Alcõcier e ficarom suas tendas ẽ redor do castello. E os mouros erã tantos que era hũa grande maravylha; e ẽ cada hũu dia creciã.

E o Cide nõ sperava ajuda se nõ de Deus, em que se esforçava muyto. E assy o aficarõ que lhe vedarõ a agua. E os do / [217a] Cide queryã sayr a elles, mas elle nõ querya. E desta guisa o teverõ cercado tres domaas. E, veendo o Cide o tempo da cerca Como durava muyto, mãdou chamar dõ Alvaro Fernãdez e todollos outros e disselhes:

– Amygos, ja vós bem veedes como os mouros nos tẽe cercados e nos tolhem a agua; e, de vyanda, avemos pouca. E elles crecẽ e nós mỹguamos. E estamos em sua terra. E, se nos quisermos hyr, nõ nos leixarã, pois a furto nõ nos podemos hyr, e ao ceeo nõ podemos sobir, nẽ a terra nõ nos querra colher vyvos. E por estas cousas, se por bem teverdes, quero que lidemos cõ elles e ou os venceremos ou morreremos honrradamẽte.

E dom Alvaro Fernandez disse:

– Saydos somos cõvosco de Castella e postos em logar ẽ que nos 431 muyto faz mester esforço e bondade. E, se cõ os mouros nõ lidarmos, nõ nos querrã dar o que avemos mester. E, como quer que nós somos poucos, pero somos todos de hũu coraçon. Sayamos a elles cõ a mercee de Deus vencellos hemos. E vaamos em elles ferir muy sem medo, como homẽes de muy grande esforço. E, se o por bem teverdes, esto seja logo de manhãa. E, se aquy ha algũus que nõ sejã confessados, logo vos confessade e arrependede de vossos pecados.

E todos teverõ por bem o que dom Alvaro Fernãdez disera. E o Cide gradeceulho muyto e disse: – Cuyrmãao, vos fallastes como eu queria.

E mandou logo deitar do castello todollos mouros por nõ saberẽ o que elles queriam fazer. E, depois que os ouverõ fora, concertarõ todallas cousas que lhes eram mester pera a batalha.

CAPÍTULO DXXVII

Como o Cide lidou com dous reis mouros que o veherrom cercar e como os venceu

[217b] Em outro dya de grãde manhãa, sayo o Cide do castello com toda sua cõpanha, que nõ

ficarom se nõ dous homẽes de pee a que elle mandou que çarrassem a porta e se fossem pera cima do muro pera as defẽder. E esto fazia elle por tãto que, se os mouros vẽcessem, o castello seu era e aquelles dous homẽes nõ lho podyã defender: e que, se elles vencessẽ, que terriam o castello guardado.

Entõ mandou o Cide a Pero Vermuiz que tomasse a sua bandeira e 432 castigouho como fezesse; e que nõ movesse sem seu mandado. E Pero Vermuiz beyjoulhe a mãao e tomou a bandeira. E o Cide tornousse entom a todos e faloulhes muytos exemplos de grande esforço e esforçandoos e castigandoos como fezessem ẽna batalha.

E, despois que os teve bem enssynados e ordenados como ouvessẽ de fazer, entrarõ ẽna batalha, chamãdo a grandes vozes: «Sanctiago!» e «Vyvar!»: E, como sairom sem sospeyta da vylla, fezeron grande dampno ẽna hoste ante que se podessem perceber; e espargerõnos a todallas partes. Pero os mouros cobrarõ coraçõoes e ajuntaronsse e poseron suas aazes. E tam grande era o arroydo das trombas e dos atambores que se nõ ouvyã. E ẽ aquella batalha avya cem bandeiras afora as dos reis. E, como teverõ regida sua batalha, moverõ logo cõtra o Cide, cuydandoo de tomar aas mãaos. E o Cide cõ os seus estavã muy bem regidos, esperandoos. E, como forõ preto delles, Pero Vermuiz nõ o pôde mais sofrer e disse ao Cide:

– Acorrede aa bandeira!

E, como ouve dita esta pallavra, ferio o cavallo das sporas e foisse meter onde os mouros erã mais espessos, recebendo delles muytas feridas por lhe fazer abaixar a bandeira. Mas elle tragia nobres armas e nõ lhas podyã falssar nẽ lha levar das mãaos, ca elle era homẽ muy vallẽte e bem cavalgador e de grande coraçõ. Mas o Cide, que nõ era esqueecido / [217c] do sobrinho nẽ da sua bandeira, seguyo muy esforçadamẽte, matãdo e ferindo e derribando, ẽ tal maneira que daquella vez matarõ passados de myl mouros e passarõ as aazes da outra parte. E, como derõ tornada, derribarõ outros tãtos. E tã de coraçõ os feriam os cristãaos que lhes nõ prestavã armas nẽ hũas. E o Cide, per onde hya, todos lhe faziã carreira; e assy os feria sem piedade que nõ hũu nõ ho ousava d’atender. E ẽ pouca d’ora fezerõ tanto per suas mãaos

433 que forõ dos mouros mortos, antre os de pee e de cavallo, passados dous myl e quinhẽtos. E aas vezes

era o Cide e os seus ẽ mui grande pressa. Mas tã bem os escarmẽtavã que era hũa grande maravylha. E, teendo elles em este ponto a batalha, matarõ o cavallo de dom Alvaro Fernãdez. E nõ tiinha ja lança e, ẽ estando assi a pee, defendiasse cõ a espada. E de tal força feria os mouros que acalçava, que todollos fazia cayr ante sy, assy que nem hũu nõ era atrevudo de se chegar a elle. E o Cide, quando o assi vyo estar, foy ferir hũu almocadẽ mouro que andava morto por prender Alvaro Fernãdez e deulhe tã

grande golpe golpe da spada que ho atravessou e cayo morto ẽ terra. E o Cide tomou o cavalo e deuho a dõ Alvaro Fernandez e disselhe, ẽ louvãdoo de seu bõo fazer:

– Cuyrmãao, cavalgade, ca vos sodes o meu braço deestro! E, louvado seja Deus, assy o mostrou oje aquy e o demostrará ao dyante! Hora he mester que os comecemos muy esforçadamẽte, ca ainda os vejo estar muy fortes que se nõ querem vencer.

E, despois que dom Alvaro Fernandez cavalgou, começarõ outra vez os mouros muy fortemẽte, em tal guisa que os forã arrancando do cãpo, ca os mouros estavã ja assi escarmẽtados de ferir dos cristãaos que os nõ ousavã de atender. E o Cide vyo hyr el rei Fariz que se hya da batalha; e foy ẽpos elle, ferindo e derribando os que ante sy achava, assi que os desbaratou. E ẽcontrou cõ el rei Fariz e deu/lhe

[217d] tres golpes que lhe rompeu a loriga e o corpo, em tal guisa que se lhe hya o sãgue pellas pernas. E,

desque 434 se el rei sentio assy mal ferido, deu das sporas ao cavallo e começou de fugir. E Martim Antoniiz ferio rey Galbe da espada per cima do elmo, que lho cortou e chegou a espada aa carne. E quiseralhe dar outro golpe, mas el rei nõ o quis asperar. E desta guisa foron os mouros vençudos. E o Cide e os seus, ferindo e matãdo ẽ elles, e duroulhes o encalço VII legoas.

Desi tornousse o Cide cõ os seus ao logar onde fora a batalha e tomarõ quanto acharõ ẽno cãpo. E forã achadas muytas armas e grandes averes e muitos cavallos, ẽ tal guisa acõteceu ao Cide em seu quinto duzentos e sasẽeta cavallos. E fez muy bem partir a guãaça a todos comunalmẽte, ẽ guisa que todos forõ bem cõtentes. E, despois que ouverõ roubado o campo, ẽtrarõ enno castello. E mandou entõ o Cide colher dentro os mouros que ante da batalha forõ fora.

Mas queremos aqui dizer quaaes foron aquelles que em esta batalha ouverõ avãtajem e per que ella foy vençuda, por que os seus nomes e bõos feitos nõ sejã esqueecidos, ca, como quer que os corpos som mortos, vyvẽ as suas boas famas; e outrossi por que todos os que hã coraçõoes e desejo de bem fazer achem bõos exẽpros daquelles que esta batalha vencerõ. Primeiramẽte, foy o Cide, como mayor e melhor; e dom Alvaro Fernandez; e Martim Ãtoniiz; e Pero Vermuiz, sobrinho do Cide; e Nuno Gustiuz; e Alvaro Alvarez; e Martĩ Salvadorez; e Fellis Munhoz; e Guylhẽ Garcia, que teve Mõte Mayor. E estes principaaes e outros muytos que aquy nõ nomeamos forom tã bõos que, per o bem que elles fezerõ, foy vencida esta batalha.

435

Documentos relacionados