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E assy foy feito E dally adyante forõ muytos prazeres feitos a el rey dom Garcia e ao conde e

Reconstituição do ms L fols 113c – 322b

CAPÍTULO CCCL

84 E assy foy feito E dally adyante forõ muytos prazeres feitos a el rey dom Garcia e ao conde e

aa condessa dona Sancha e aos nobres cavalleiros de Castella. E o conde guysou muy ben el rey e toda sua companha de panos e de bestas e de quanto ouve mester e ẽvyuho pera seu reyno.

El rey dom Garcia, depois que chegou a seu reyno, foisse pera Castella e ẽvyou por todollos homeens honrrados do seu reyno e fez hy suas cortes. E, desque todos forõ ajũtados, disselhes assi:

– Amigos, bem sabees como eu soo deshonrrado do conde dom Fernã Gonçallvez; e a mynha deshonrra vossa he. E quero que saibhades que ou eu delle seerey vingado, ou em ello perderei o corpo.

CAPÍTULO CCCLI

Como o conde dom Fernã Gonçallvez foy ajudar el rey dom Sancho de Leom aos mouros que o tiinhã cercado e das cousas que depois fez

Empos esto, el rey dom Sancho de Leom ẽvyou seus mandadeiros ao conde dom Fernã Gonçallvez a dizerlhe ẽ como Abdenaamer, rey de Cordova, era entrado em sua terra cõ muy grande poder de mouros e que lhe rogava muito que o fosse ajudar. E o conde, so que ouve o recado, foisse logo pera elle quãto mais pode, com aquelles cavalleiros que tiinha conssigo, e 85 nõ quis mais tardar. E ẽvyou dizer per toda sua terra per cartas e per mã/dadeiros [132b] a todollos outros que se fossem ẽpos elle.

Quando el rey dom Sancho de Leom vyo o conde, prouguelhe muyto cõ elle e recebeuho muy ben, ca teve que lhe acorrya a muy bõo tempo. E desy, a cabo de oyto dyas, chegousse a companha toda ao conde e entom ouverõ seu consselho que ao terceiro dia saissem ao campo a lidar cõ os mouros, ca melhor seerya que estar ençarrados.

Quando os mouros ouverõ novas ẽ como o conde dom Fernã Gonçallvez era dentro ẽna villa de Leom, descercarõna logo e foronsse pera Sam Fagundo e começarom correr toda a terra de Campos. E, quando o conde soube, foy contra elles cõ toda sua companha e nõ quis conssigo levar nẽ hũu dos cavalleiros del rei que quiserã hyr cõ elle. E os Leoneses teveronsse ẽtom em ello por deshonrrados e quiseronsse por ello mal. E elle, quando chegou a Sã Fagundo, como o tiinhã cercado e avyam ja corrida essa terra e tiinhã tam grande peça de cativos e de gaados que era grande cousa. E o conde foy logo feryr ennos mouros muy de ryjo, chamando «Castela»! E os mouros, quãdo ouvyrõ chamar «Castella» e souberom que aquelle era o conde dom Fernã Gonçalvez, forom muy spantados e leixarom logo o campo e a prea que tiinhã e começarom de fugir quanto mais poderom.

E, depois que os mouros desta guisa forom vencidos, mandou o conde tornar o roubo aaquelles cujo era. E, os cristãaos que os mouros levavam cativos, mandou que fossem livres e quites. E elle tornousse com toda sua companha a el rey dom Sancho a Leom.

E, com todo esto, os Leoneses estavam muy sanhudos cõtra o cõde por que nõ quisera que fossem cõ elle. E ouverom suas pallavras cõ os Castellãaos. A raynha de Leon, que queria muy grande mal aos Castellãaos 86 por / [132c] a morte de seu padre, el rey dom Sancho de Navarra, e que se trabalhava quanto ella podya de lhes buscar todo mal e toda desonrra que podesse, quando esto vyo, prouguelhe muyto e começou de avyver os que pellejassem com elles. E ouverõsse hy de matar todos, se nõ fora por el rey dom Sancho, que sayu a elles e espartyuhos; pero ficarom desafiados todos hũus cõ os outros.

E o conde tornousse ẽton pera Castella e esteve hy bem dous ãnos que nõ foy aas cortes a Leõ. E, em esto, ẽvyou seus messegeiros a el rey dom Sancho de Leom, em que lhe rogava que lhe ẽviasse seus martires. E el rey disse aos messejeyros, quando lhos demandarõ:

– Amigos, os meus mandadeiros som allo a colhelos. E, logo que veerem, ẽvyarlhos hey.

E os mandadeiros tornarõsse ao conde e contaronlhe toda a resposta que acharõ ẽ el rey. E ao conde prougue muyto cõ ello, por que tanto hya demorando o preyto. E el rey dom Sancho deusse entõ a grande vagar, de guisa que passarom bem tres ãnos, despois do prazo, em que el rey nem o conde nõ recudirõ a este preito. E pojou tanto este aver, segundo a postura que ambos avyã antre sy, que todollos d’Espanha o nõ poderiam pagar.

Mas ora leixaremos aquy de fallar desto e diremos del rey dõ Garcia de Navarra.

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CAPÍTULO CCCLII

Como el rey dom Garcia de Navarra correu Castella e lidou despois con o conde dom Fernam Gõçalvez e foy vencido a segunda vez

Empos esto, el rey dom Garcia fez suas cortes – despois da sayda da prisom do conde, como avemos dito – e disselhes a desonrra que avya recebida e que se querya vingar. E elles outorgarõlho, assy cavalleiros como outras com/panhas, [132d] que o ajudaryã em que quer que elle mandasse, segundo o que ja avedes ouvydo.

Entom ajuntou todo seu poderio e foy correr Castella. E esta corruda fez el rey dom Garcia em mentre que o conde era hydo a el rey de Leom, assy como ja dissemos. E, nõ avendo quẽ lho deffender, correo dessa vez el rey toda Burueda e Pedra Lada e todos os montes d’Oca e Ryo d’Overna e veeo ataa as portas de Burgos. E quisera ende levar a condessa dona Sancha, se a podera aver per algũa maneira, e esto por fazer ao conde mayor dessonrra. Mas guardousse ella muy bem de tal cousa e nõ quis sayr a elle nẽ veelo.

Desque el rey ouve corrido e roubado todo o condado, tornousse a seu reyno cõ muy grande gãaça d’omẽes e de gaados e doutras cousas, como quer que este roubo nõ foy a elle gaanho, ca a poucos

dyas o comprou caramẽte, assy como vollo a estorya contara.

E, quando o conde dom Fernam Gonçalvez foy tornado de Leom e achou todo seu condado roubado, pesoulhe muyto de coraçõ e ẽvyou logo desafiar el rey dom Garcia, se nõ tornasse todo o que assy avya roubado. E o cavalleiro do conde foy a el rey dom Garcia e disselhe todo o que lhe 88 o conde lhe mandava dizer. Mas el rey lhe disse que nem hũa cousa lhe nõ daria; e, quanto era por que o mandava desafiar, que lhe prazia muy de grado. E o cavalleiro, avida a resposta del rey, tornousse pera o conde e contoulhe todo o feito como era.

E o conde mandou logo seus messejeyros per toda Castella, a dizer que cavalleiros e homẽes de pee, que logo fossem onde quer que elle estevesse. E, desque ouve todo seu poder ajuntado, foysse pera Navarra logo sem outra detẽeça. El rey dom Garcia, como era homẽ percebudo, estava ben aparelhado e sayu a o receber. E ajuntaronsse ẽ hũu valle / [133a] a que chamavã Val Perrii e corre acerca delle o ryo d’Ebro. E ajuntaronsse as aazes de hũa parte e da outra e começarom de lidar e tam grandes golpes se davã que, por grandes vozes que dessem, nõ seeryam ouvydos. E tantos eram ja de homẽes mortos de cada parte que corryam os ryos do sangue pello vale a fundo. E os Navarros assaz erã de cavalleiros bõos e esforçados; mas todos erã destemperados con o conde, ca ja os ouvera escarmentados muytas vezes. E demais quis Deus fazer esta mercee ao conde dõ Fernam Gonçalvez, que nũca o podessem vẽcer mouros nem cristãaos ẽ campo. E foy ally el rey dom Garcia vencido cõ todo seu poder e o conde dom Fernã Gonçallvez lhe deu ẽ esta lide hũa ferida de que despois morreu.

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CAPÍTULO CCCLIII

Ora leixa a estorya a fallar desto, e torna a contar ẽ como el rey dom Sancho de Leõ ẽvyou dizer ao conde dom Fernã Gonçalvez que lhe fosse aas cortes ou que lhe leixasse o condado sem outro detiimento

Quando foron andados sete ãnos do reynado del rey dom Sancho de Leom – e foy esto enna era de novecentos e sateenta e hũu annos e andava entõ o ãno da encarnaçõ de Nosso Senhor Jhesu Cristo ẽ novecentos e triinta e hũu e o do emperio d’ Anrrique, emperador de Roma, em treze – o conde dom Fernã Gonçalvez, depois que ouve vencido el rey dom Garcia, assy como avemos dicto, e foy tornado a seu condado, logo lhe foy mandado del rey dom Sancho de Leom que fosse aas cortes ou que lhe leixasse o condado. E o conde, quando ouve leudas as cartas que lhe el rey desto ẽvyava, mandou logo por seus ricos homẽes e por todollos outros honrrados homẽes de Castel/la. [133b] E, desque forõ ajuntados todos ãte elle, disselhes assy:

– Amigos e parentes, bem sabees ẽ como eu sõo vosso senhor natural; por que vos rogo que me consselhedes assy como bõos vassallos devem de fazer a seu senhor. E el rey dom Sancho de Leom me

ẽvya per suas cartas dizer que lhe de o condado. E eu querolho dar, ca nõ seerya dereito de lho teer per força, por que nos averyã que dizer, a vos e a myn e a quantos vehessem despois de mỹ, se eu alleyve fezesse; e demais que nõ sõo eu homẽ pera me alçar com terra, ca os Castellãaos taaes feitos como estes nõ os soyam de fazer. E, quando fosse soado per Spanha que nos alçaramos cõ a terra a el rey de Leon, todos quantos bõos feitos fezemos, todos seeriã perdidos por esto, ca, se ho homẽ faz cem bẽes e depois fezer hũu erro pequeno, ante lhe contarõ ho erro que todollos outros bẽes que a feitos. E esto nace todo da

ẽveja, por que nũca naceo homẽ no mũdo que a todos os homẽes fosse comunal e, por esta razom, dizem aas vezes do grãde bem mal e outrossy do mal bẽ. Pois que nos avemos sofruda grande lazeira e estamos

9 0 estado qual nũca cuydamos, louvado seja Deus. E, se assy perdessemos, toda nossa lazeira seerya

embalde. E nos de lealdade nos preçamos e assy seera por todo sempre. E porem quero eu hyr aas cortes, se por bem o te verdes. E, quando eu allo for, nõ seeremos retados. Hora, amigos e vassallos, ouvydo avedes o que vos hey mostrado. E, se vos outro consselho melhor que este sabedes, rogovos que mho mostredes, ca, se eu errado for, vos grande culpa averedes; por que a cousa que ao senhor mais compre assy he o bõo consselheiro, ca muyto val mais que aquelle que bem lida, por que, no consselheiro, jaz o bẽ e o mal. E o senhor devesse de consselhar muyto ameude, por que nõ ajam os homẽes / [133c] em elle que travar; e pode, per maao consselho, aver erro que nũca, per lidar que faça, o pode desfazer. E o bõo consselheiro nom deve de aver medo nẽ vergonça ao senhor, mas dizelhe toda a verdade e o que he de dereyto. Mas algũus ha hy que, em logar de seerem consselheiros, som aduladores ou louvamynheiros que nõ querem ou nõ ousam al consselhar ao senhor se nõ o que entendẽ que lhes mais prazera, dizendolhe que aquello he o melhor. Estes taaes cõsselheiros som muy perigosos e nõ se podem escusar que muy grande culpa nõ ham e dignos de toda perdiçom, ca se pode perder hũu muy grande homen per hũu maao consselheiro. Mas o que bem quer consselhar o senhor deve primeiramẽte veer e pensar todo o feito que he ou a que pode recudyr ataa a presturneira cousa; e deve guardar a sy meesmo que nõ seja bandeiro. E nõ se deve vencer por medo nẽ por vergonça, nem por grande amizade, nẽ outrossy por grande desamor, nẽ por grandes dões, nem por outros offericimentos de dar nem prometer, se consselho quer dar a seu senhor. Todo esto vos digo, por que nõ desvyedes de bõo prez que avedes, ca, se per algũa

falha viindes a decender delle, tarde pode seer que o nũca possades cobrar. E hora, amigos, sobr’esto ha mester que guardedes lealdade, ca, pero que morre a carne, 91 a maldade que o homẽ faz nunca morre e faram della seus parentes muy maao herdamento. Ora vos hey assaz mostrado de carreiras per que sejades bõos e vos guardees de cayr em erro, ca bem seede certos que ante de muytos dias seeredes ẽ tam grande coyta que averedes mester siso e esforço. E vos todos bem sabees que el rei me quer muy grande mal; e certo sõo que nõ posso escapar que nõ seja preso ou mal treyto. E ally veerey eu como / [133d] me acorreredes ou que consselho averedes pera me sacar. E digovos que, se nõ for aas cortes, que me retarã. E vos bem sabedes que nõ deve de lidar o homen que torto tem, ca Deus nõ o quer ajudar, e porem mais val seer morto ou preso que fazer maao feito que despois ajã aos parentes que retraer. E esto he o que eu quero fazer, se o vos teendes por bem: e querome logo hyr. E rogovos que aguardedes a Garcia, meu filho.

E entom espediosse delles e foisse sua vya e nõ quis conssigo levar mais de sete cavalleiros e com sete escudeiros que lhe levavã as armas. E assy eram per todos quatorze, ca elle nõ quis levar armas nem hũas.

E, quando o conde chegou a Leom, bẽ o soube el rey e quantos hi eram, mas nõ quis nẽ hũu sayr contra elle. E o conde, quando esto vyo, bem entendeu que estava seu feito mal cõ el rey. E disse contra Deus:

– Senhor, sempre o teu nome seja louvado! Amẽ.

E entõ foy o conde pera el rey e quislhe beyjar a mãao. Mas el rey nõ lha quis dar, com sanha que delle avya, dizendolhe assy:

– Conde, bem sabees que tres ãnos ha que me vos alçastes cõ o condado, quando nõ queriades vĩir a meu mãdado nem a minhas cortes. E viindes muy louçãao por que fostes criado na montanha. E, por o que contra mỹ avedes feito, tenho que devedes por ello a seer recadado. E, se todo esto me queredes

ẽmendar, cõ outras cousas que teendes feitas, assy como mynha corte mandar, darm’edes logo bõos fiadores pera esto comprir logo, ca doutra guisa nõ podees daqui partyr.

Depois que el rey acabou sua razom, respondeulhe o conde come homẽ de grande siso e de muy bõo entendimẽto e disse:

– Senhor, verdade he que eu tenho o condado de vos. E porẽ, senhor, sodes vos mais / [134a] honrrado per mỹ ca per todollos outros vassallos que 92 avedes. E eu d’alto sangue venho, pera guardar o que devo e pera nõ fazer cousa de que possa seer retrahydo. Ca eu, senhor, nõ me vos alcey con a terra, ca per lealdade e per manhas tem ho homen por cavalleiro comprido. Mas daquy da vossa corte fuy muy deshõrrado dos Leoneses, da outra vez que aco vĩi a vosso mandado; e por esto nõ vĩi aas cortes. Pero ha hy razom que, se me eu alçasse con a terra, nõ farya sem guisa, ca me teendes meu aver forçado, que ouverades a dar bem ha tres annos e nõ mho destes como mho ouverades a dar; ca ben sabedes vos as firmidões que antre mỹ e vos ha feitas, que, nõ mas dando aaquele dya que foy posto, que fossem cada dya dobrados ao gallarim. E vos dademe fiadores que me paguedes este aver, e eu darvos hey fiadores outrossy que vos ẽmende quantas querellas avedes de mỹ, assy como vossa corte mandar.

E el rey, quando esto ouvyo, foy sanhudo contra el e mandou logo prender e deytar em ferros.

CAPÍTULO CCCLIV

Como o conde dom Fernã Gonçalvez sayu da prisom e das razõoes da condessa com el rey Quando os Castellãaos ouvyrom como o conde era preso, ouverom muy grande pesar e fezerom por ende tã grãde doo como se o tevessem morto ante sy. E a condessa dona Sancha outrossy, quando o soube, caeo em terra esmorida e assy jouve come morta hũa grande peça do dya. E, depois que entrou em seu acordo, disseronlhe:

– Senhora, fazede todo cõ bõo recado, ca ẽ vos queixar tanto nõ fazees prol ao conde nẽ a vos. Mas faz mester que catemos algũa maneira per que o / [134b] possamos sacar da prisom em que jaz.

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