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Foto 24 - Capas de disco ―Damas Gratis‖ – Hasta las Manos127 (2001)/ Para los Pibes128 (2000)

Podemos afirmar que a característica distintiva da Cumbia Villera em relação a outros gêneros musicais argentinos é o modo como se apresenta a vivência e a experiência dos sujeitos. Os ―relatos‖, pois, são precisos - no sentido de serem necessários, mas também condizentes com a realidade e certos valores compartilhados nas villas. Poucas são as metáforas utilizadas. A poética villera é considerada extrema por fazer uso do lunfardo e de ―linguagem imprópria‖, isto é, pouco afeita aos disciplinamentos. Entendo que a linguagem dos cumbieros trans-borda ou inunda o centro. Ela jorra e respinga no ideário hegemônico, que não se demora no acionamento de práticas discursivas reativas (sobretudo pelas classes média e alta argentinas).

125 Disponível em: http://vignette1.wikia.nocookie.net/lyricwiki/images/b/bf/Damas_Gratis_- _Operaci%C3%B3n_Damas_Gratis.jpg/revision/latest?cb=20150101034530. Acessso em: 15/01/2015

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Disponível em: https://i.ytimg.com/vi/JKB5d3u4tsQ/hqdefault.jpg. Acesso em: 15/01/2015 127 Disponível em: https://i.ytimg.com/vi/coneqWTHisE/hqdefault.jpg. Acesso em: 15/01/2015 128 Disponível em: https://i.ytimg.com/vi/ndstvxra98o/hqdefault.jpg. Acesso em: 15/01/2015

Em síntese, podemos chamar atenção para os conteúdos abordados nas letras: ―Aguante‖, desemprego, disputas entre villas, as relações afetivo-sexuais, consumo de álcool e outras drogas, o tráfico, futebol, delitos, violência, pobreza, perseguição policial, valoração129 da mulher e classe social. Se o objetivo, pois, fosse trazer os contornos que diferenciam a Cumbia Villera de outros gêneros musicais argentinos, não poderíamos fazê-lo a partir simplesmente de suas temáticas, mas sim através da poética villera ou a forma como se ventila a transfiguração desse cotidiano, recursos estéticos e abordagem.

Esta estética que não se presta aos ―rodeios‖ e metáforas garante a Cumbia Villera a característica ―desviante‖ e que, em muitas situações, é considerada apologética e incômoda. Desta forma, mesmo quando os temas abordados são aqueles mais ―universalizados‖, a poética villera os apresenta de forma particular e imerso no contexto local. Essa forma de narrar os acontecimentos está, em última instância embebida das referências experimentadas no local.

A Cumbia Villera apresenta como natural e corriqueiro aquilo que é ilegal, porém da experiência rotineira. Desta maneira, o gênero se ergue pela negação do ―contrato social‖ e opta pelo caminho ―desviante‖. ―El pibe chorro‖130

, por exemplo, é empoderado por meio deste discurso que redefine os termos da (in) equação apresentada pelo Estado ou ordem dominante. A promessa de felicidade do capitalismo é realizada, mas não através do trabalho disciplinador, mas o desejo se realiza pelo delito - ou pelo discurso em torno dele . Portanto, a poética villera apresenta os dilemas sociais, raciais e reivindica a manutenção de outra ética, tendo em vista, sobretudo, a distribuição desigual de recursos socialmente valorizados. A crítica está impregnada, como já dissemos, no recurso linguístico do lunfardo que permitem processos de identificação bastante localizados.

Esses processos de identificação se deram, sobretudo, a partir de um discurso simples e direto (retórica das canções), como também por uma empatia e identificação pela origem social dos artistas131. A origem das bandas e referências, inclusive, são problematizadas por Victor Loizatti132:

129 Não confundamos aqui valoração com valorização. Chamo atenção para um tipo de qualificação, ou seja, a atribuição de qualidades as mulheres – não necessariamente positivas.

130 O ―pibe chorros‖ seria uma categoria nativa que, a princípio, teria uma função pejorativa. Os ―Pibes Chorros‖ seriam os chamados ―deliquentes juvenis‖ numa livre interpretação e tradução.

131Essa geração de jovens do final dos anos 1990 é vista como de transição, já que vivencia a reversão de uma tendência de ascensão social dos anos de 1970. Essa mobilidade social é subitamente interrompida e o desemprego se torna avassalador.

Bueno mira yo creo que todos los Pibes los que estamos, los nuevos todos empezamos muy chicos como la mayoría como la mayoría de los pibes que tocan Cumbia Villera todo arrancamos escuchando a otras bandas, escuchando Cumbia colombiana, Cumbia peruana y todos empezamos desde chiquitos, a los 6, 7 años ¿me entendés? a tocar un instrumento, otro entre amigos y de ahí fuimos pasando de una banda, a una banda de barrio, a otra banda ¿me entendés? a hacer reemplazo de una banda mas o menos importante, luego yo estuve en Mister Gato, estuve en un par de bandas así que no estuvieron allá arriba pero que tuvieron la intención de salir ¿no? Y que sonaron un poco; y así es como vas conociendo gente ¿no133? (LOIZATTI, 2012)

A Cumbia Villera emerge das favelas de Buenos Aires e ao inovar na forma e nas letras, o estilo passou a reunir um conjunto de elementos que amplificou a vida nos guetos e, desta maneira, exibiu os conflitos cotidianos dos bairros pobres, como o consumo de drogas e o tráfico. Como avalia Esteban De Gori, paradoxalmente a Cumbia Villera134, ao propor uma linguagem de devastação, acaba promovendo um acontecimento de reforço de vínculos, já que permite uma integração simbólica entre seus artistas, público e pessoal de apoio. Diz ele: "El bandolerismo urbano como realidad y metáfora discursiva ha elaborado um compendio de rasgos identificatorios: ritos, entonaciones, resignificación e invención de palabras, una vestimenta particular y un destino posible de las biografias" (GORI, 2008, p.355). Não obstante, essa compreensão está distante de uma apreensão ligeira que poderia considerar a Cumbia como simples reflexo ou sintoma das estruturas que foram abaladas na sociedade argentina, mas, pensando de forma mais agenciada, entendo como um processo de transfiguração criativa que permite estabelecer os nexos e sentidos para o vivido.

Diante do exposto, entendemos que investir analiticamente sobre esse fenômeno implicar pensar uma série de ambiguidades. No caso específico da Cumbia Villera, essa tensão e contradições estarão presentes o tempo inteiro e, mais do que isso, faz-se necessária essa abertura para tentar perceber o acontecimento também a partir dos sentidos que são apresentados e construídos pelos agentes.

É sobre essa contradição que Pablo Semán (2012) tenta caminhar. A superfície de degradação e violência deveria, segundo ele, ser extrapolada – o que não constitui uma atitude de desprezo. Quando aponto para essa necessidade, admito que exista um sentido que prevalece na leitura da Cumbia Villera e este, porém, pode encobrir outros sentidos produzidos pelos artistas e pessoal de apoio da Cumbia, que promovem e tensionam o status

quo. Para Semán, é aceitável advogar uma perspectiva que não coaduna com aquelas

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Ler entrevista completa em www.mimamamemima.com.mx/RockOn/?p=264 134 Uma Cumbia da favela.

imaginadas pelo Estado e meios de comunicação, isto é, que ―el punto de condensación de las experiências de uma parte de los sectores populares, que interpela también las apreciaciones estéticas, políticas y sociales de las classes medias y altas y, em especial, las de los intelectuales‖ (SEMÁN, 2012, p. 149).

―Música pobre‖, ―música machista‖, ―música ligeira‖, ―música repetitiva‖, ―música incitadora da violência‖, ―música vazia‖, ―música apologética‖, ―música degradante‖, ―Música jovem‖, ―música de protesto‖, ―música popular‖, ―música de denúncia‖, ―música massiva‖, ―música de resistência‖, ―música para dançar‖, ―música de expressão‖, ―música de entretenimento‖, ―música ruim‖. Estas são várias qualificações que ratificam a falta de reconhecimento e prestígio da cumbia villera, já que o dissenso ou conjunto de juízos apenas sinalizam as tensões que o fenômeno massivo provoca.

Essa ambivalência se mostra na prática, quando um grupo tem reconhecimento e censura, como notaremos nesse caso da banda ―Damas Gratis‖:

En noviembre, el sello Genoma —dirigido por Grimolizzi— promocionó100%

Negro Cumbiero bajo el slogan "Censurado en TV". En un comunicado que

acompañó el lanzamiento, se resume el 2002 de Damas Gratis con el título "Entre el reconocimiento y la censura". Efectivamente, fue el año en que el veinteañero Lescano, por un lado, hizo aportes al cine (El Bonaerense de Trapero) y a la televisión (Tumberos) mientras que por el otro, fue prohibido por el COMFER, lo cual implica su ausencia en radios y programas tropicales. Como contrapeso de la censura, el mismo Lescano se encarga de difundir su CD regalándole copias a los djs cumbiero135s. (CLARIN, 2003)

A questão da performance, inclusive, é avaliada por estudiosos da temática (VILA; SEMÁN, 2012). Não raramente, os grupos de Cumbia se apresentam em canais de televisão ostentando os seus símbolos (roupas com imagem de maconha, armas de fogo, entre outros).