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Diante do exposto, aqui vale narrar como foi a experiência do registro fotográfico acima, que aconteceu nos intervalos da programação da KIC. Devido ao cancelamento do vôo Rio de Janeiro-Luanda que me permitiria participar de todo o evento (que teve a duração de uma semana), cheguei à cidade no dia que realizaria a minha conferência. As fotos coincidem com esse momento de chegada e, neste sentido, ainda estava me ambientando com os espaços, bem como com os códigos e intenções daqueles que estavam ali presentes, isto é, jovens kuduristas ou que gostariam de adentrar na cena musical angolana através do Kuduro. Naquele momento, com uma câmera na mão que pouco disparava, posicionei-me na frente de alguns jovens que, prontamente, solicitaram a minha intervenção. A sequência de fotos acima, portanto, não foi uma circunstância pensada e criada artificialmente por mim, mas desejada e produzida por eles. Uma fila de aproximadamente quinze jovens foi formada e, um a um, foram posando para a minha câmera. Pelo que pude perceber, as minhas lentes, para eles,

77―O kuduro envolve majoritariamente um perfil etário entre 13 e 26 anos, que consome e acessa informação associada ao estilo com o qual estão envolvidos‖(MARCON, 2012, p. 8).

tinham um ―zoom79‖ necessário para torná-los ainda mais visíveis, ou seja, existia um forte desejo de ser notado, capturado e viralizado. Além disso, muitos dos jovens que foram a KIC desejavam encontrar alguém que pudesse produzi-los ou, de alguma forma, divulgá-los mais amplamente. Naquele momento, percebi que fotografia (e outras formas de registro) não seria compreendida como um tipo de invasão, mas sim como a possibilidade de amplificar um discurso. A partir desse momento, a câmera permaneceria na mão, assim como os gravadores, que sempre estavam prontos para ―ouvir‖.

Em sintonia com Marcon (2012), pude observar que os agentes do Kuduro (artistas, publico e pessoal de apoio), em sua maioria jovens, configuram um estilo de vida que demarca o fecundo local de criação e pertença, mas sinaliza também para uma cultura que hibridiza esse local com o global - isso se torna evidente na forma como se vestem e performatizam os kuduristas.

Além disso, como frisa Tia Denora (1995), o mais importante nesse processo de investigação seria decompor os sentidos que impregnam os objetos e as práticas musicais por meio das atividades realizadas pelos indivíduos e grupos. O Kuduro, desta maneira, poderia ser visto como uma expressão da juventude angolana contemporânea reveladora de uma forma peculiar de apropriação das tecnologias digitais de divulgação, de compartilhamento de conteúdo, de ideias e do agir coletivo, capaz de mobilizar, a partir dessas práticas discursivas, uma identidade cultural comum. Estes grupos e indivíduos experienciam esta prática, perseguem e desenvolvem seus gostos e, por esse motivo, a construção de sentido e negociações seria parte de nossa vida cotidiana. A persecução de uma identidade por meio de um reforço dos elementos culturais partilhados pode ser percebida nos comentários publicados abaixo do vídeo dos ―Lambas‖, que estão reproduzidos abaixo:

@Gigio14 gigip.pra entenderes os lambas,tens que ser de angola.se nao fores de angola,tens que fazer um esforçao,porque eles expreçao em portugues estilo angolano,e do nosso querido ghetto,puras expereçoes,que nos fazen estar mas orgulhozos de ser de angola.de cabinda ao cunene.eles lansan muitas piadas e estou seguro que se continuares a escutar-les,vaz entender mas e mellhor,e serás mas angolano.um abraçao

bobbybiggs007 10 vamos expandir o Kuduro, pq os franceses ja estao a dizer q o Kuduro nasceu no senegal, nas antilhas e etc...todos os dias ha um lugar d nascimento novo...mas nunca dizem luanda, anos 90, onde so comia carne os mais lixados...hahahahahahahah

(Os Lambas "sobe ")80

Em consonância com as tensões e os anseios apresentados nos discursos acima, Marcon (2012) observa que, na periferia de Lisboa, o Kuduro se conforma como elemento aglutinador de jovens imigrantes de diversos países de África. Embora isso seja identificado em contextos onde estes jovens estão em diáspora, nos seus países de origem são grandes as disputas em torno da criação desta manifestação estético-musical (CAIO; SANTANA, 2011). Para Alisch e Sieger, existiriam três ―plataformas‖ importantes para a construção de uma angolanidade dentro de Angola ou fora dela:

O Kuduro é praticado em três ―plataformas‖: Luanda, Lisboa e pistas de dança em todo o mundo, o que inclui as comunidades angolanas da diáspora, bem como discotecas de top em Londres, Nova Iorque ou Berlim. Tomamos emprestado a ideia de ―plataforma‖ a partir da exposição de arte Documenta 11 cuja curadoria foi de Okwui Enwezor em 2001. O modelo de plataforma visa evitar discutir questões sobre local e global que desviariam, neste artigo, a atenção da discussão sobre Kuduro à luz da angolanidade (SIEGER; ALISCH, 2011).

Em Caio e Santana (2011), antecipamos esta problematização. Mesmo sendo um estilo de música, o Kuduro não pode ser reduzido a um mecanismo habitual da sociedade de consumo e/ou mercado jovem. A fala acelerada, a partir de uma base musical sincopada e frenética, faz da palavra associada ao ritmo a sua grande força mobilizadora. Como já dito acima, por mais prosaicos que se mostrem os temas, diferente da profundidade das críticas sociais associadas do Rap, por exemplo, ainda assim é possível descobrir na superfície do cotidiano um desejo de expressar o que se passa, contar a vida das ruas, seus dilemas, denunciar ou ridicularizar o que ocorre na sociedade, fazer uma espécie de crítica dos

costumes. O músico angolano Paulo Flores sintetiza bem essa incursão e transfiguração

operada pelos kuduristas no documentário ―Kuduro: fogo no Musseke‖. Diz ele:

O Kuduro representa uma voz de uma nova Angola. Uma Angola que quer ser ouvida, e mais que isso, tem de ser ouvida. Angola dos jovens, Angola dos bairros, da periferia... Angola que tem uma mensagem para dizer e para contar. Parece-me que a única forma de nos conhecermos a nós próprios é se tivermos esse espaço para ouvir os outros. (FLORES, 2010 apud BAGULHO, 2010)