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CAPÍTULO I Repertórios clássicos e novos acordes dissonantes

1.8 Produção e recepção: e quando as coisas não estão distantes?

Quando adentramos nas discussões da sociologia da comunicação e da cultura, um dos principais debates repousa sobre a questão da produção e recepção das mensagens e produtos culturais, algo que, nesta pesquisa, interessa-nos de forma oblíqua. Entretanto, em entendimento como Hennion, defendo que a sociologia deve interromper a separação muitas vezes rígida entre esses polos, uma vez que

la relación sujeito-objeto artístico al mostar la pantalla social necesaria para esa proyección recíproca. Pero de manera característica, los trabajos divergen a continuación, según la pantalla se vuelva ma bien hacia las producciones del arte o hacia sus consumidores. Hay disimetría entre ambos enfoques, com respecto al objeto artístico. Facilmente mantenido a distancia cuando el análisis se refiere a los públicos, los mercados o los gustos, es mucho menos dócil cuando se refiere a los artistas, los talleres, los estilos o los encargos. Un análisis de la recepción parece más naturalmente sociológico (HENNION, 2003, p. 126).

Não obstante, nem sempre a recepção foi tão presente e urgente nas abordagens do processo comunicacional. As ênfases estruturalistas e funcionalistas (teorias hipodérmicas,

bullet theory e a teoria laswelliana), em certa medida, provocaram lacunas e obscurantismos

no que tange à admissão de sujeitos ativos que, nesta condição, negociam sentidos e possuem repertórios diversos. Podemos perceber essa ausência, inclusive, na teoria crítica (ADORNO, 2009), quando questionamos anteriormente, de maneira incisiva, essa brecha deixada pelos frankfurtianos, a qual seria preenchida, sobretudo, pelos Estudos Culturais que mencionaremos adiante. Uma pesquisa focada exclusivamente na produção, além de deixar de captar as nuances interpretativas da recepção, revela também um caminho epistemológico que indica uma preocupação fundamental com as estruturas sociais e, em consequência disso, podem fixar-se sobremaneira nas formas de reprodução do social.

Neste sentido, as primeiras reflexões em torno desses fenômenos buscaram dar conta do que seria o ―processo comunicacional‖. A intencionalidade de quem produz e codifica a mensagem seria necessariamente efetivada? Qual seria o papel da mediação? Qual o espaço de agência daqueles que recebem a mensagem? O repertório cultural do indivíduo ou grupo social teria alguma relevância? De forma muito imprecisa, lanço ainda a hipótese de que os estudos frequentemente associaram o processo comunicacional à interação entre dois polos distantes e, muitas vezes, não mediados.

O problema se coloca quando intencionamos avaliar produções e práticas culturais como as nossas, que não podem ser interpretadas por esses modelos estanques. Pensar as periferias e suas criações demanda um tipo de imaginação sui generis, pois o interdiscurso e o confronto estão numa disposição de quase indistinção entre aquele que cria e aquele que consome. A Cumbia e o kuduro, para ficarmos nos gêneros que investigamos na tese, trazem, em alguma medida, uma característica homogênea, se levarmos em consideração que público e artistas emergem da mesma classe e espaço social, ou seja, poderíamos visualizar uma espécie de espelhamento identitário. Em síntese, são agenciamentos coletivos negociados por artistas, público e pessoal de apoio, ou seja, trata-se de uma produção ―in loco para o local‖.

Muito embora as fronteiras tenham sido esgarçadas pela comunicação em rede, Canclini afirma que

Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica. Constitui, nesse sentido, seu patrimônio próprio. Também podem alcançar alto valor estético e criatividade, conforme se comprova no artesanato, na literatura e na música de muitas regiões populares. Mas têm menor possibilidade de realizar várias operações indispensáveis para converter esses produtos em patrimônio generalizado e amplamente reconhecido: acumulá-los historicamente (sobretudo quando são submetidos a pobreza ou a repressão extremas), torná-los base de um saber objetivado (relativamente independente dos indivíduos e da simples transmissão oral), expandi-los mediante uma educação institucional e aperfeiçoá-los através da investigação e da experimentação sistemática (CANCLINI, 2013, p. 196).

Essas ideias de uma ―representação local‖ e ―patrimônio próprio‖ são fundamentais para o que investigamos, ou seja, os processos de identificação e agenciamentos coletivos são intensos na música de periferia, mas não são a tal ponto de se tornarem generalizáveis ou reconhecidos em instâncias outras que não a própria onde ela se constitui ou mesmo em nichos alternativos que utilizam outros critérios de legitimação e consagração. A música de periferia continua sendo, na maioria das vezes, uma expressão de uma comunidade discursiva mais modesta e, dificilmente, ganha a dimensão ou se torna representativa do nacional25.

Como já adiantávamos, na Inglaterra, conformado a princípio em torno das obras seminais de Thompsom, Hoggart e Williams, os Estudos Culturais apontaram no sentido de ruptura com as antigas tendências expostas acima, isto é, de negligenciamento da audiência que, não raramente, também é produtora e praticante do discurso encenado. Novos elementos foram reagrupados na intenção de fomentar outras premissas e temas para as humanidades, visto que os estudos recorreram a campos interdisciplinares no intuito de teorizar acerca da complexidade e contradições que envolvem o composto mídia/cultura/comunicação na vida social. Neste sentido, esse campo de investigação passou a se interessar pelas produções e formas de dominação, mas também refletiram sobre os recursos ou abertura para a resistência e mudança.

Raymond Williams (1969) e Stuart Hall (2004) se debruçaram sobre questões relativas às representações, e ao visitarem categorias gramscianas (1978) articularam as noções de hegemonia e resistência. Para tanto, os autores avaliaram criticamente a produção cultural e os sentidos negociados que, não raramente, permitem a ressonância dessa voz ideológica das

classes dominantes – interessadas em transmitir uma determinada visão do mundo social – de forma que, o resultado final da atuação, ―tenderia‖ a sedimentação de um imaginário favorável à situação hegemônica vigente. Como adverte Alabarce: ―Si nuestro análisis se deja opacar por la impresión de que hoy lo popular es hegemónico, estamos errando teórica y analiticamente‖. (ALABARCES, 2008, p.2)

A contribuição dada pelos Estudos Culturais deve-se, segundo Hall, pelo fato da ideologia ser concebida não como conteúdos e formas superficiais de ideias, mas como categorias inconscientes pelas quais os meios são representados e vividos. Isto significa que a ideologia se articula como fonte de uma relação imaginária onde homens e mulheres refletem sobre as condições reais de existência. A conformação de uma perspectiva da produção cultural de massa nos Estudos Culturais esteve num primeiro momento localizada na ideologia. Segundo Escosteguy

diante de uma perspectiva que desembocava invariavelmente em reprodução social, a incorporação, sobretudo, do conceito de hegemonia de Antonio Gramsci permitiu vislumbrar um movimento mais dinâmico e complexo na sociedade, admitindo tanto a reprodução do sistema de dominação quanto à resistência a esse mesmo sistema (ESCOSTEGUY,2001, p. 91).

Essa discussão se faz oportuna na tese a partir do instante que nos apercebemos que, para este fenômeno sociocultural ou para esta prática discursiva, os polos da produção e recepção não estão distantes. As práticas culturais da Cumbia Villera e do Kuduro são operadas coletivamente e os sentidos das práticas são negociados também por esse grupo que as agenciam. Quero reforçar, portanto, que o lugar de produção também é o lugar de recepção e muitas das mediações são locais, o que revela processos de identificação ainda mais intensos. Para Canclini, estamos nos afastando cada vez mais do tempo em que as identidades se definiam por essências a-históricas, isto é, a realidade é posta em movimento, onde este fluxo incessante dinamiza as relações sociais. Segundo Hall, o próprio processo de identificação, por meio do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais efêmero, mutável e circunstancial.

O estabelecimento das identidades e diferenças estaria, contudo, também associado ao consumo, ou seja, depende daquilo que se possui, ou daquilo que se pode ou se deseja possuir (CANCLINI, 1999, p. 39). Como veremos, os processos de identificação dos agentes e públicos da Cumbia Villera e do Kuduro se ajustam também às lógicas de mercado, sobretudo naquilo que se refere ao uso de roupas de marcas famosas ou, de forma sintética, à

incorporação da moda. A identidade desses sujeitos, pois, também passa pelo desejo de consumo intenso. Contudo, em consonância com Canclini, entendemos que ―em uma cultura industrializada, que necessita expandir constantemente o consumo, é menor a possibilidade de reservar repertórios exclusivos para minorias. Não obstante, renovam-se os mecanismos diferenciais quando diversos sujeitos se apropriam das novidades‖ (CANCLINI, 2013, p. 89). Ao abrir essa possibilidade, Canclini não cede a um tipo de discussão que tenderia a compreender os sujeitos que vivem nas periferias como passivos, mas dentro de uma dinâmica global.

Neste caso, foram estabelecidas outras maneiras de se informar, de entender as comunidades a que se pertence, de conceber e exercer seus direitos. Desiludido, Canclini irá notar que o público recorre à televisão, entre outras mídias e agrupamentos sociais, para conseguir o que as ―instituições cidadãs‖ não proporcionam: serviços, justiça, reparações ou simples atenção. Diria que essa desilusão é ainda mais marcante no universo que investigamos, já que a precariedade dos serviços públicos e privados é ainda maior - vincula- se, portanto, uma política da experiência ou sentido político comunitário.

Avaliando o debate metodológico entre dedutivistas e indutivistas, Canclini nos coloca os limites e alcances dos mesmos diante das categorias gramscianas. Criticando os dedutivistas, Canclini afirma que a experiência do indivíduo e do seu grupo pode ser mais decisiva do que as influências dos meios de comunicação de massa. É por esta senda que esse trabalho se lança, pois não seria possível admitir que o fenômeno que investigamos esteja informado, principalmente, pelos agentes de socialização secundários, como a televisão. Isso não implica propor a inexistência da mediação, mas reconhecer que as experiências locais, bem como as interações decorrentes delas, conduzem a outros tipos de representações, identidades e valores (que muitas vezes não correspondem aquelas partilhadas num espectro mais amplo, como o nacional).

Não é possível, portanto, assimilar esse reducionismo proposto pelos dedutivistas tão bem representados pelos franfurtianos, sendo necessário reconhecer alguma autonomia nas culturas populares, ou mesmo uma relação mais complexa entre consumidores, objetos e espaço social. Nesta sequência, ao superar as rijas dicotomias de um ator hegemônico em contraposição ao ator subalterno, Canclíni observa a pluralidade do primeiro e os estreitos vínculos entre eles. Apesar disso, Canclíni não nega a cota de violência, real ou virtual, que está sempre implícita na dominação e na desigualdade, mas avalia que a relação de dominação

e de exploração, para se reproduzir de modo mais duradouro, deve se apresentar como um intercâmbio de serviços entre as classes. Como adverte Alabarces:

Como toda una tradición se empeña en señalar, el punto de partida en la investigación sobre las culturas populares es que las relaciones de dominación, de hegemonización, de subalternización – ponemos el acento en la condición procesual y operativa de estas relaciones– no significan ni pueden significar mera yuxtaposición o coexistencia: implican modificaciones mutuas, conflictos, negociaciones (ALABARCES, 2008, p.2).

Ainda neste sentido, em consonância com Alabarces, se não vemos o povo como uma massa submissa que sempre se deixa iludir, temos que admitir que sua ―dependência‖ se deva, em parte, ao fato de que encontra nas ações hegemônicas algo útil às suas necessidades. A resistência, portanto, seria uma árdua atividade de reelaboração do próprio e do alheio, de seleção e combinação. Portanto, é coerente revelar que a assimilação das categorias gramscianas foi demasiadamente amiudada no sentido de dicotomias rijas e não relacionais. É preciso considerar uma zona de confluência entre elas, onde se possa utilizar um instrumental conceitual que articule a ordem social e as condições particulares de cada grupo ou, como coloca Canclini, é preciso atuar no vazio deixado pelos dedutivistas e pelos indutivistas.

Em Consumidores e cidadãos, Canclini (2005) reforça a dificuldade de se trabalhar com as categorias de hegemonia e resistência, visto que pouco ou nenhum peso é conferido à negociação. As reduções não permitem uma maior atenção às cumplicidades e aos usos recíprocos que se cruzam entre ―hegemônicos e subalternos‖. Para isso, torna-se necessário uma complexificação das noções de cultura e poder, já que a negociação está instalada na subjetividade coletiva, na cultura cotidiana e política mais inconsciente. Os espaços sociais de negociação e movimentações apresentadas aqui se encontram cada vez mais amplificados pela experiência virtual e as ―interações solidárias‖ (construção de Canclini), que nos faz perceber as ambivalências e nos afastam de um romantismo para com os grupos sociais. Para Certeau:

Cada vez mais coagido e sempre menos envolvido por esses amplos enquadramentos, o indivíduo se destaca deles sem poder escapar-lhes, e só lhe resta a astúcia no relacionamento com eles, ‗dar golpes‘, encontrar na megalópole eletrotecnicizada e informatizada a ‗arte‘ dos caçadores ou dos rurícolas antigos (CERTEAU, 1994, p. 52).

Certeau busca chamar atenção, sobretudo, para as ―artes do fazer‖ e as ―táticas de resistência‖ que modificam objetos em função de uma apropriação ―indébita‖. Mais do que resistência, talvez fosse mais coerente discorrer sobre invenções e apropriações feitas num

processo de mediação, que envolve o artefato e seus usos - sendo tais usos dependentes das condições que envolvem o cotidiano do usuário. A partir da descoberta rotineira das inúmeras possibilidades não ―programadas‖ pela ordem social que, na maioria das vezes, se impõe de forma violenta, Canclini também intuirá que essas relações são hierarquizadas, o que não implica conceber um sujeito passivo ou resignado. Essa postura, inclusive, parece-me implicar o poder como potência de si dos indivíduos.

Fundamentalmente, estamos falando de reflexões que alertam para os processos de codificação e decodificação das mensagens.

Quando indivíduos codificam ou decodificam mensagens, eles empregam não somente habilidades e competências requeridas pelo meio técnico, mas também várias formas de conhecimento e suposições de fundo que fazem parte dos recursos culturais que eles trazem para apoiar o processo de intercâmbio simbólico. Estes conhecimento e pressuposições dão forma às mensagens, à maneira como eles as entendem, se relacionam com elas e as integram em suas vidas. O processo de compreensão é sempre uma ação recíproca entre as mensagens codificadas e os intérpretes situados, e estes sempre trazem uma grande quantidade de recursos culturais de apoio a este processo (THOMPSON, 2009, p.30).

Stuart Hall (2003) também analisa esse processo. Para tanto, ao entender a comunicação como uma realização de sentidos, ele avalia como se atingiria o entendimento. Segundo Hall, a recepção não é nem aberta nem transparente e, desta forma, a cadeia comunicativa não opera de forma unilinear. A mensagem é passível de leituras diversas, e, neste sentido, não existiria um significado fixo e único, muito embora a mensagem sugira determinadas apreensões e tenha intencionalidades. O ato de ouvir uma música, por exemplo, pressupõe o confronto entre os discursos oferecidos por ela e a multiplicidade de discursos e representações provenientes de outras esferas da vida cotidiana. Para Hall, o processo de produção de sentidos é informado pelas estruturas e mecanismos internos do conteúdo, que, diga-se de passagem, favorecem certas captações e bloqueiam outras, mas também guarda estreita relação com as origens culturais e repertórios do receptor. Este, por sua vez, constitui um universo cultural complexo que é desejado não apenas pelos veículos de comunicação de massa, como pelas diferentes agências de socialização às quais está exposto no cotidiano. A representação de algo estaria, portanto, intimamente relacionada à forma de experienciação e de atuação do mundo social.

Deveríamos, neste sentido, descartar a suposição de que a recepção seja um processo sem desajustes entre os polos – muitas vezes reiterados – de emissão e recepção. Avaliando os frankfurtianos, Thompson duvida que algo possa ser resgatado dos escritos mais antigos da

Escola de Frankfurt, visto que ―a indústria cultural‖ era muito negativa e se baseava em conceitos questionáveis sobre as sociedades modernas e suas tendências de desenvolvimento. Descarto o radicalismo proposto por Thompson, mas avalio como pertinente a ideia de que, em alguma medida, a influência desta tradição provocou entraves que, na literatura recente, tem sido reavaliada. Entendo, no entanto, que pensar a música produzida na periferia a partir destes polos não é algo tão profícuo e lembra a cisão apontada e criticada por Hennion, isto é, produção e recepção (ou mesmo objeto artístico e sujeito estético). Para Hennion,

las investigaciones siempre están marcadas por estas oposiciones (..), el desequilíbrio sigue siendo total entre la abundancia de trabajos dedicados a los gustos y las normas de juicio, y los raros elementos de análisis propuestos sobre los creadores. La superacion de este estado pasará por la clarificación necesária de la intervención de los mediadores en el análisis: simples agentes de las causas del sociólogo, ló devuelven a las lecturas directas; productores ativos del arte y del público que se intercomunicam, permiten finalmente escapar a la dualidad estéril del estetismo e el sociologismo(HENNION, 2003, p. 91).

Neste sentido, é interessante observar como as tendências nos estudos de cultura vão se modificando. No fragmento intitulado Artistas, intermediários e público, Canclini (2013) denuncia a ―escassez de estudos empíricos na América Latina destinados a conhecer como artistas procuram seus receptores e clientes, como operam os intermediários e como respondem os públicos (CANCLINI, 2013, p. 99). Reconheço que o estudo que proponho fora conduzido na esteira rolante de outras empreitadas da sociologia da cultura e, assim como elas, percebo a importância de se pensar as estratégias de produção e difusão da música nesses novos contextos de uso da internet.

Dito de outra forma, caminhamos também para a pesquisa do consumo cultural, isto é, da recepção entendida como parte do processo. Como diz o próprio Canclini, ―para não limitar a questão do consumo cultural ao registro empirista dos gostos e opiniões do público, é preciso analisá-la em relação a um problema central da modernidade: o da hegemonia‖ (CANCLINI, 2013, p. 140). Nesse sentido, muitas das questões levantadas por Canclini estão em sintonia com a minha pergunta de pesquisa, isto é, como se dão os processos de legitimação de práticas culturais em contextos periféricos-urbanos (Kuduro e Cumbia Villera) dentro da intricada relação que envolve o globalismo da apropriação musical, os processos de identificação locais, a negativização dos aspectos culturais dos agentes e a ambivalência do desejo ou recusa de integração

As questões de Canclini, no entanto, abordam outros aspectos transversais ao problema de pesquisa aqui construído. Dentre eles, o autor de Culturas híbridas se questiona

sobre a capacidade de manutenção da coerência e unidade (ou consenso) sem o uso de poder. Novamente, ele reconhece que esta tarefa é árdua diante da falta de pesquisas empíricas no âmbito latino-americano. Diz ele: ―Nem as instituições nem a mídia costumam averiguar quais os padrões de percepção e compreensão a partir dos quais seus públicos se relacionam com os bens culturais; menos ainda, que efeitos geram em sua conduta cotidiana e em sua prática política‖ (CANCLINI, 2013, p. 140). É precisamente sob essa matriz de percepção que este estudo se dedica, assim como as implicações dessa relação na produção de discursos periféricos. Reconhecemos, pois, que estudar manifestações artísticas demandam um ―olhar periférico‖, isto é, observar além das obras – ―condições textuais, extratextuais, estéticas e sociais, em que a interação entre os membros do campo gera e renova o sentido‖ (CANCLINI, 2013, p. 151).

Concordo, portanto, que existe uma conduta tensa e assimétrica no campo artístico, ou seja, entre artistas, intermediários, públicos e instâncias de consagração. Essa tensão pode ser observada, por exemplo, na própria legitimação dessas ―comunidades hermenêuticas‖ que define o que está dentro e fora. Nas palavras de Canclini, ―em lugar de ver o consumo como o eco dócil do que a política cultural ou alguma manipulação perversa quer fazer com o público, é preciso analisar como sua própria dinâmica conflitiva acompanha e reproduz as oscilações do poder‖ (CANCLINI, 2013, p. 153). Apesar de reconhecermos essa forma de contestação fundamentada pelos Estudos Culturais, isto é, de compreensão das lógicas capitalistas operadas em contextos nacionais, gostaríamos de extrapolar esse universo, embora não deixemos de anunciá-la como um aspecto teórico-metodológico pertinente. Não obstante, assim como Marcon e Tomás (2012), estamos inclinados a compreender esses estilos de vida

como uma forma de auto-exposição pessoal, pela qual se procura marcar algum tipo