• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I Repertórios clássicos e novos acordes dissonantes

1.9 Música, capitalismo e tecnologia: a apropriação tecnológica e autonomia dos agentes

No intuito de continuar a discussão de maneira fluida, faz-se necessário frisar que não discuto o fenômeno da música de periferia como epifenômeno das mudanças estruturais do capitalismo, mas procuro evidenciar tão somente esse contexto mais amplo onde se dão as práticas e agências que investigo. Após ter discutido aspectos teórico-metodológicos relacionados aos processos de identificação e valoração da música, tornou-se urgente adensar as questões relativas às mudanças organizacionais das sociedades, bem como ressaltar os aspectos tecnológicos envolvidos. Neste sentido, compreendo que a tecnologia não é algo que se desenvolve apartada ou dissociada dos contextos sociais, mas deve ser pensada também como uma demanda social e que é apropriada de diversas formas26.

É razoável a afirmação - mesmo que seja generalista - de que o capitalismo torna-se cada vez mais organizado através da dispersão, da mobilidade geográfica e das respostas flexíveis nos processos de trabalho e nos mercados de consumo (tudo isso acompanhado por intensa inovação tecnológica, de produtos e mesmo institucional). Entretanto, como percebe Manuel Castells, não podemos reduzir o fenômeno ao surgimento de novas tecnologias, mas sim poderar que o capitalismo se reestrutura por meio de um processo gerido agora por fluxos incessantes. Isso, por sua vez, tem permitido uma maior flexibilidade, já que passa pela dinâmica complexa de redes, sobretudo com o aparecimento e expansão da internet. Segundo Castells,

A nossa sociedade está construída em torno de fluxos: fluxos de capital, fluxos de informação, fluxos de tecnologia, fluxos de interação organizacional, fluxos de imagens, sons e símbolos. Fluxos não representam apenas um elemento da organização social: é a expressão dos processos que dominam nossa vida econômica, política e simbólica (CASTELLS, 2000, p. 43).

Vale lembra ainda que a ―crise do Estado-Nação‖ - devido aos movimentos da economia, da política e da cultura – é decorrente do borramento das fronteiras ou do que chamamos genericamente de globalização. A emergência da Comunicação Mediada por Computadores e a sofisticação da microinformática acendeu mudanças significativas nas esferas de produção e distribuição do conhecimento. Esse período, lido muitas vezes como

26 As discussões apontadas aqui estão problematizadas de maneira mais ampla e cuidadosa na minha dissertação de mestrado. (CAIO, 2010). Neste tópico, portanto, faço uso de muitas das reflexões daquele momento no intuito que construir uma coerência argumentativa. Trata-se de um bloco analítico que me ajuda na edificação e solidificação dos pilares da tese.

pós-industrial, estabelece uma reordenação das sociedades e provoca rupturas importantes como, por exemplo, a mudança de um tipo de economia baseada na oferta de produtos para aquela de serviços que tem ainda, como característica fundamental, o ritmo acelerado dos avanços tecnológicos conjuminado à informatização.

Segundo Herschmann, o uso de computadores conectados em rede mundial é decisivo no ajuntamento das atividades imateriais de comunicação, além de ser um momento estratégico da produção e agregação de valor a produtos e serviços (HERSCHMANN, 2007). A revolução tecnológica da informação e tudo o que ela inaugura no campo da comunicação imediata - compressão espaço-tempo - também se torna fundamental para o entendimento da experiência de produção e consumo musical do começo dos anos 2000. Como lembra Iazzetta, devemos somar isso a uma questão prática, ou seja, é preciso observar que o alastramento do uso de computadores pessoais ―permitiu a músicos sem conhecimentos técnicos avançados, e a usuários em geral, o acesso a processos de geração e manipulação sonora complexos que antes só podiam ser alcançados em estúdios relativamente sofisticados e caros‖ (IAZZETTA, 2009, p. 155). O ―computador apoiado sobre as coxas‖ (IAZZETTA, 2009) decompôs o processo de produção musical e, sendo móvel, esse ―estúdio‖ poderia ser levado na bagagem para qualquer lugar como ―ferramenta de composição, gerador sonoro, instrumento musical, arquivo de músicas e aparelho de som‖ (IAZZETTA, 2009, p. 194).

Não obstante, o que teremos com a produção de músicas nas periferias é algo ainda mais radical do ponto de vista da descentralização, distribuição e afronta às lógicas do

copyright. Esta forma de conceber a criação, assim como seu registro e circulação, também

tem aludido uma nova ética de fundamentos mais colaborativos. Segundo Silveira,

O capitalismo industrial havia consolidado um processo expansionista em que praticamente tudo se tornava mercadoria. A tentativa de mercantilização intensa da vida, dos territórios, de todos os espaços físicos, apresentou-se também fortemente no ciberespaço, no contexto das redes. Todavia, a lógica das redes e a sua cultura de uso foi retomando os processos cotidianos não mercantis e permitindo emergir outras relações intersubjetivas (SILVEIRA, 2007, p. 28).

Ao problematizar o ―Futuro da Música‖, Silveira (2009) toca numa questão de grande pertinência para a construção do meu argumento e percepção mais ampla do fenômeno por ora investigado. Fazendo uso das reflexões de Smiers, o autor lembra que ―existiriam três níveis na defesa do copyright e na guerra que seus defensores desempenham contra a chamada pirataria: ‗a informação, o monitoramento e as sanções‘‖ (SMIERS apud SILVEIRA, 2009, p. 40). Não obstante, Silveira intenta destacar o nível doutrinário e

propagandista desses discursos que não dão conta das outras relações intersubjetivas contemporâneas emergentes. Esses discursos seriam orientados, sobterudo, por razões instrumentais, haja vista a penalização comportamental por parte daqueles que não consideram as dinâmicas próprias e mudança na experiência musical. Como bem observa Silveira,

a indústria da intermediação não pretende simplesmente informar os riscos da cópia e das obras derivadas sem autorização dos titulares do copyright, nem somente difundir sua contabilidade de perdas – completamente exagerada, como Lawrence Lessig demonstrou no livro Cultura livre (Lessig, 2005:130-)212). A indústria da intermediação sabe que precisará mudar hábitos arraigados na população, pois, no ambiente das redes digitais, esses modos padronizados de pensar, sentir ou agir, adquiridos e tornados, em grande parte, inconscientes e automáticos, puderam se manifestar claramente e com força crescente, principalmente o ato de emprestar, de trocar e de compartilhar (SILVEIRA, 2009, p. 41).

Interessante notar o vasto material produzido com esse fim, isto é, criminalizar o sujeito que compartilha conteúdos e, dessa forma, tenta-se justificar e atribuir a noção de imoralidade e ilegalidade da prática com especial atenção ao público jovem. Segundo Silveira:

A MPAA e a RIAA pretendem, com seus vídeos, cartilhas e palestras propagandísticas, realizar uma reeducação moral da sociedade. De certo modo, além de ameaçar criminalmente os cidadãos, as associações da indústria da intermediação buscam alertar que as atuais práticas cotidianas violariam a Moralität. Seus publicitários são chamados a demonstrar os erros em copiar e compartilhar a partir do esclarecimento da consciência moral coletiva objetivada em atos até então corriqueiros (...) Os ataques morais da RIAA e da MPAA visam atingir os praticantes da cibercultura, da ética de compartilhamento dos hackers. O núcleo da nova moralidade é claro: copiar um arquivo digital é crime! (SILVEIRA, 2009, p. 42).

O problema que Silveira nos coloca é bastante perturbador: ―Como, repentinamente, milhões de pessoas no mundo tornaram­se criminosas e imorais?‖ (SILVEIRA, 2009, p. 43). A resposta que o autor oferece é também insyigante e reforça o percurso que buscamos trilhar ao longo do trajeto desta pesquisa. Diz ele:

Obviamente, a indústria do copyright desconsidera a mudança histórica (...) As características inerentes à digitalização são desconsideradas, a liberação dos conteúdos de seus suportes materiais é vista como um malefício, a interatividade e a participação direta dos cidadãos na criação, remixagem e distribuição de conteúdos nas redes informacionais são atacadas como excessos, devendo ser criminalizadas. A indústria de intermediação sabe que é preciso reeducar moralmente a sociedade e demonstrar aos mais jovens que emprestar é um equívoco, que a solidariedade é perigosa, que a fonte da criatividade está na propriedade e que idéias têm a mesma natureza das coisas. A indústria da intermediação tenta fazer de seus interesses

econômicos uma lei objetiva implacável, resultado óbvio da razão humana e dos princípios de justiça. Desse modo, experimenta apresentar para o indivíduo em formação a necessidade de sentir-se culpado por atos atualmente corriqueiros, tais como baixar uma música em seu computador (SILVEIRA, 2009, p. 43).

Em concordância com Silveira e Yúdice, percebemos que surge outro problema ético que, por sua vez, está relacionado com a precariedade de recursos e a falta de atenção por parte das empresas de entretenimento, sobretudo as transnacionais, no que se refere a promoção do acesso à cultura. (YÚDICE, 2007). Segundo Freitag

a moralidade lida com critérios do julgamento segundo os quais a própria ação ou a dos outros é analisada, criticada ou julgada; essa análise criteriosa da ação pressupõe um sujeito consciente, uma consciência moral, capaz de julgar o certo e o errado, o bem e o mal, o justo e o injusto (FREITAG, 1992, p.12).

Essa advertência da legitimidade do controle dos bens culturais elaborada discursivamente pela prática do compartilhamento vem tentando ser diminuída pelas indústrias culturais. A questão fundamental é que as práticas estão sendo compreendidas por aqueles que a realizam justas. Segundo Silveira, ―o objetivo da indústria de copyright é inverter essa moralidade e tornar o justo injusto‖ (SILVEIRA, 2009, p. 45).

Neste sentido, é necessário indicar que as criações musicais possuem vários formatos de registro, materializadas em suportes ou não (vinil, DVDs, CDs, entre outros). Essa flexibilização ou desmaterialização vem crescendo devido às novas expressões de produção e consumo, não se tratando somente de um ―mero redesenho da economia industrial, através da terceirização, gestão de qualidade e/ou implementação de uma gestão cada vez mais on-line de estoques, é, na verdade, um deslocamento da própria função produtiva para as atividades imateriais ou ‗trabalho imaterial‘‖ (HERSCHMANN, 2010, p. 45).

Como tentei mapear em Caio (2010):

Essa nova experiência de consumo cultural ―imaterial‖ é trabalhada no artigo de Sterne (2003) intitulado ―O Mp3 como artefato cultural‖. O autor, entre outras coisas, examina o projeto desse formato nas perspectivas industriais e psico- acústicas para avaliar sua relevância quanto à facilidade de troca e novas dimensões de audição nesse processo. Na leitura de Sterne, os Mp3s contêm dentro deles uma filosofia inteira da audição e uma praxeologia da escuta. Como uma filosofia da audição, o Mp3 emprega as limitações dessa audição. A praxeologia do Mp3 antecipa as propriedades da escuta, enfatizando as distrações no uso, em benefício da troca. O Mp3, neste sentido, cristaliza relações sociais e fora projetado para a lógica do compartilhamento. O computador conectado à rede mudou nossa percepção para além das fronteiras geográficas e dos interesses exclusivamente comerciais. Essa forma de consumo, compartilhada, permitiu a audição de registros de diversas partes do cenário artístico mundial, do passado e do presente. (CAIO, 2010, p. 99-100).

Essas trajetórias que assinalamos e ponderaremos durante boa parte desta investigação só foram críveis devido à apropriação de novas tecnologias de informação e comunicação aos processos produtivos da música, bem como pela formação de contexturas sociais que não se limitam a um espaço físico, estático, territorial. Para Kumar,

é o caráter global da informação, ‗o espaço de fluxos‘ que liga pessoas e lugares através do mundo por meio da internet e da comunicação eletrônica, que lhe confere um poder decisivo. ‗O espaço de fluxos, a rede global, complementa e em certa medida substitui ‗o espaço dos lugares‘, as localidades que constituíam a principal fonte de nossas experiências e identidades (KUMAR, 2006, p. 35).

Devido às novas formas de arranjos no mundo do trabalho e adiantamento dos recursos tecnológicos frente à globalização, as identidades e as experiências são mexidas e deslocadas – processo que poderíamos chamar de ―informacionalização da experiência‖. Essa hodierna forma de experimentar e criar arte e cultura promove outra sorte de relações que não estão em consonância como o modelo tradicional de propriedade privada, visto que é caracterizada por intercruzamentos, distinções e influências diversas. A cibercultura (LÉVY, 2000) também está ―autorizando‖ processos de cooperação e de troca por meio das qualidades da tecnologia digital dinamizada em rede. Em Caio (2010), percebi que esse conjunto de processos tecnológicos, midiáticos e sociais tem senão estimulado, possibilitado a heterogeneidade cultural, já que uma das principais características dessa conjuntura é o compartilhamento da cultura sem suportes, o que estimula procedimentos colaborativos. A rede se caracteriza, portanto, como um dispositivo aberto construído pelas interações.

Estamos passando por um processo de flexibilização, da lógica industrial mais tradicional para uma cultura do compartilhamento (CAIO, 2010). Como meio, a internet confunde a forma tradicional massiva de divulgação cultural e corrompe a verticalidade no trânsito da cultura que discutimos acima (emissor-receptor). Trata-se de um processo que envolve a troca, a colaboração (inclusive propiciando novas formas de sociabilidade), onde a apropriação das tecnologias digitais é fundamental.

Os primeiros usuários de redes de computadores, como adverte Castell, criaram comunidades virtuais que se tornaram fontes de valores e, neste sentido, moldaram o comportamento e dispositivos na web. A cultura comunitária virtual, portanto, acrescenta uma dimensão social ao substrato tecnológico, fazendo da internet um ambiente de integração social, grupal e simbólica. (CASTELLS, 2000).

Para Smiers (2003), o entendimento dessas ―formas específicas de comunicação‖ nos lança por toda sorte de elementos complexos que fazem parte dos rearranjos da sociedade. A mediação tecnológico-digital na internet agitou essas alterações na experiência da música, assim como as formas alternativas de consumo dessa arte, por meio da nova eletrônica, produziram reordenações nos padrões de produção, difusão e ―postura de escuta‖ (CASTRO, 2004). A comunicação direta artista-público (ou obra-público) também se fez possível. Segundo Silveira,

(...) as redes informacionais assumiram importância central em nossa sociedade. Não se trata de uma moda passageira, elas são essenciais ao capital. Elas não serão abandonadas; sua superação, caso ocorra, terá lugar em um horizonte histórico distante. Quando a produção simbólica da humanidade passa a ser digitalizada e transferida pelas redes, e estas são as mesmas redes que o capital utiliza em seu processo de reprodução, temos um cenário extremamente conflituoso e socialmente ambíguo. As redes são estratégicas para o capital, mas não somente para ele (SILVEIRA, 2007, p. 23-24).

Para situar ainda com mais clareza que estamos dentro de um contexto também estrutural e de modificações do próprio capitalismo, gostaria de retomar o argumento do artigo ―Quanto custa o gratuito: problematizações sobre os novos modos de negócio na

música”, do Michel Nicolau Neto (2008). O autor formula algumas questões relacionadas

com o que discutimos até aqui, uma vez que a grande plataforma de compartilhamento desses gêneros periféricos é o YouTube. No texto, Nicolau toca fundamentalmente nas modificações sofridas pelas indústrias fonográficas e tecnológicas nos anos recentes, mais exatamente no final da década de 1990 – período que, não por casualidade, coincide com a emergência dos fenômenos aqui investigados –, e que se intensificaram com a virada do milênio. A centralidade do seu argumento, no entanto, é de que a relação harmoniosa calcada nos interesses convergentes dessas indústrias é abalada e se torna conflituosa, muito embora ainda possamos identificar o que o autor chama de zonas solidárias. O problema maior identificado nessa forma gratuita e legal por Nicolau é que

no momento em que a indústria da música desonera o consumidor, ela se insere em um novo cenário de grandes investimentos, essencialmente capitalista, de busca por lucros e vantagens comerciais, no qual novos e velhos atores atuam em disputa. Contudo, ao proceder tal desoneração, o aspecto capitalista do processo é mascarado em prol de uma imagem de acesso livre e diverso (mesmo infinito) à oferta cultural. A pergunta que nos colocamos é: quais as conseqüências disso sobre o acesso à cultura? (NICOLAU, 2008, p. 144).

Sem dúvida, a pergunta é pertinente. No entanto, o fato de Nicolau não se preocupar com os atores que refazem e redefinem alguns destes parâmetros e direcionar sua investigação para o processo que envolve práticas gratuitas, e sobretudo ―legais‖, não teríamos como visualizar os agenciamentos que nos fazem escapar de compreensão menos passiva do fenômeno. Contudo, é precisamente a clareza de Nicolau que permite não resvalar na imagem do senso comum, que qualificaria essas plataformas como livres, desinteressadas e democráticas. Com essa ponderação, atentamos e podemos ajuizar as novas formas de regulação e controle, altamente estruturadas e racionais. É necessário trazer essas visões para não ruirmos em terminações demasiadamente simplistas dessas complexas variações.

A partir dessas outras lógicas de produção contemporâneas operadas nas periferias, destacamos, fundamentalmente, a construção de uma alternativa que pressiona as lógicas do copyright. A partir das práticas, os kuduristas e cumbieros perceberam que:

Para la mayoría de los artistas, el copyright27 no genera unos ingresos substanciales; para muchíssimos de ellos, esos ingresos son casi nulos. Por tanto, entedemos que el copyright no supone um incentivo econômico para la creación28 y la representación , como a menudo se há dicho para justificar-lo (SMIERS; SCHIJNDEL, 2008, p. 21).

Como é reforçado pleos autores, essa lógica muitas vezes favorece poucos artistas famosos, ou seja, não daria conta de amparar um conjunto mais dilatado de criadores e intérpretes. Desta forma, seriam mais um instrumento de espoliação fundamentado em retóricas controversas ou falácias. A conclusão a que se chegamos em concordância com Smiers e Schijndjel é que ―sugerir que poseer unos derechos de copyright es la motivación

definitiva que conduce a los artistas a realizar su trabajo, y que nos veríamos privados de buenos espectáculos, canciones, películas o libros si esse derecho no existiera, supone distorsionar la verdad‖ (SMIERS; SCHIJNDEL, 2008, p.45).

Diante disso, faz-se necessário problematizar de maneira mais acautelada as práticas culturais que oferecem estas contraposições até aqui somente sugeridas numa configuração mais abstrata e generalista. O fato de ter sido discutido um conjunto de teorias nesse primeiro momento não implica uma compartimentalização excessiva ou conformação de capítulos estanque. Alerto, desde já, que outras serão mobilizadas na medida em que se tornem necessárias ao longo do desenvolvimento do argumento.

27Copyright é definido por esses autores como um dos direitos de propriedade intelectual, uma vez que concede ao proprietário o direito exclusivo e monopolista sobre uma obra de criatividade artística.

28

Os autores ainda lembram que muito do que é arrecadado com esses direitos são transferidos a países estrangeiros.

CAPÍTULOII

“S

EMPRE A SUBIR

”:

PROCESSOS IDENTITÁRIOS NO

K

UDURO ANGOLANO

Ao propor esta reflexão em torno dos fenômenos musicais massivos que emergem nas periferias urbanas, o meu olhar e ouvir foram atraídos, no primeiro momento, pelo conjunto de práticas sociais, musicais e discursivas que estavam em sintonia ou que guardavam semelhanças entre elas. Neste caso, poderia destacar alguns pontos desde já: emprego largo de tecnologias digitais, apropriação tecnológica, informalidade29, pirataria, grande abrangência, apresentação do espaço social periférico, sentimento de pertença, poder de mudança social (e percepção dela) com implicações estéticas e culturais – não raramente acompanhadas de elaborações discursivas em torno dos acontecimentos musicais.

Deste modo, diversas temporalidades e espacialidades podem ser observadas nos fenômenos musicais periféricos, o que implica, muitas vezes, em estratégias de criação e divulgação similares, como também a formação de circuitos autônomos (em certa medida) e integrados (por outro lado) que são de relevância sociológica. Encontramos isso em muitos lugares do mundo: Champeta e Anarcopunk (Colômbia); Lambadão, Funk e Tecnobrega (Mato Grosso, Rio de Janeiro e Pará, no Brasil, respectivamente); Kuduro e Kwaito (Angola e África do Sul); Cumbia Villera (Argentina); Regatón (Porto Rico); Coupé Décalé (Senegal), entre outros.

O meu interesse pelo Kuduro, especificamente, surgiu em 2011. Naquele ano comecei a fazer uma pesquisa exploratória no intuito de reunir subsídios que me aproximassem desse fenômeno que emergiu ainda nos anos de 1990 em Luanda, capital angolana. Desse primeiro movimento de pesquisa exploratório resultou o artigo escrito em co-autoria com Santana (2011) Santana, intitulado O Kuduro é de Angola: espectro da cultura, inovação e

29

Neste sentido, a lógica da produção musical (no seu sentido mais amplo) é transfigurada por formas astutas que redefinem os parâmetros de produção cultural. Falar de uma democratização da cultura seria algo precipitado, mas avaliar essa mudança como propiciadora de maior acessibilidade é algo factível. Essa dinâmica é percebida num âmbito internacional. Vários movimentos (ou seria melhor movimentações) têm incorporado as potencialidades tecnológicas, convertendo-as em instrumento de autonomia.

descentramento30, que fora apresentado no XI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais (XI CONLAB) naquele mesmo ano, em Salvador-Bahia/Brasil.

Nesta ocasião, fizemos contato com a coordenadora da associação cultural luandense Chá de Caxinde31, Agnela Wilper, que apresentou as intenções e parte programação da 1ª KIC (Kuduro Internacional Conference), que aconteceria no ano subsequente, em maio de 2012 na cidade de Luanda. O evento contou com especialistas, produtores e investigadores de vários países que se interessavam pelo patrimônio angolano para a África e o mundo – esse foi o mote aglutinador da Conferência. Além do tema, o evento tinha o slogan ―Conhecer para valorizar‖. Diante daquilo que investigo, isso se torna dado de pesquisa, haja vista as