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3. IDENTIDADE: NOSSO CAMINHO

3.1. CARACTERÍSTICAS DA IDENTIDADE

A primeira característica da identidade é presença. Ao vincularmos os termos presença e identidade, estamos conferindo ao conceito de identidade atributos que, se pinçados do dicionário Aurélio, traduzirão melhor a idéia que Rolando Toro quis exprimir:

“1. O estar uma pessoa em lugar determinado. 2. Comparecimento de alguém a determinado lugar. 3. Assiduidade, freqüência. 4. O estar alguma coisa em local determinado. 5. Vista, aspecto. 6. Aspecto físico. 7. Talhe, porte. 8. Personalidade, individualidade. 9. Fig. A participação de alguém ou alguma entidade num empreendimento.

10. Fig. Caráter vivo, influência, prestígio” (FERREIRA, 1988,

p.527).

Se fizermos um destaque aos itens 1, 2, 3, 6, 8, 9 e 10, perceberemos que presença é o estar, o comparecer ou o participar de alguém em determinado lugar, alguém este com um aspecto físico, com personalidade e individualidade que lhe conferem caráter vivo. O que queremos enfatizar é que para a presença de alguém se efetivar num determinado lugar é necessário que esse alguém exista, portanto, tenha um corpo. Portanto, se identidade é presença, conseqüentemente estamos afirmando que a

identidade é corporal, ou seja, a identidade se expressa e se revela no corpo como presença.

Nesse sentido, não podemos conferir à identidade apenas a dimensão psicológica e relacional, uma vez que ela vez é fundamentalmente biológica e corporal. Como nos afirma o criador da Biodança: “A vivência fundamental da identidade, surge como a expressão endógena de estar vivo. A comovedora e intensa sensação de estar vivo, surgida desta unidade orgânica, seria a experiência primordial da identidade14” (TORO, 1991, p.271). O sentimento de estar vivo, presente no corpo, faz-nos presente no mundo como uma presença viva numa corporeidade vivida.

Toro (1991) complementa seu pensamento afirmando que o sentimento de estarmos vivos, base da identidade, gera-nos as primeiras noções sobre o corpo, a partir das diferentes formas de nos sentirmos (o corpo como fonte de prazer ou de dor), e as primeiras noções de sermos diferentes (únicos, singulares). Assim, nossa interioridade não brota do entendimento e sim, a partir de uma corporeidade vivida, de um corpo em movimento que expressa nossa existência, um corpo que é a concretização do nosso ser. Como nos evidencia Merleau-Ponty (1993) quando nos fala da circularidade entre reflexividade e visibilidade: o mundo concreto reflete na minha constituição subjetiva, assim como minha subjetividade reflete na forma como eu vejo o mundo externo. Assim, como duas faces de uma mesma moeda: corporal-subjetivo e interno- externo caminham juntos na constituição da identidade. Através do corpo, apresentamo- nos como subjetividade e como corporeidade.

Mas não estamos sozinhos realizando esse movimento. Estamos conectados com os outros, com a natureza e com tudo o que vive e pulsa. Estamos inter- relacionados, inter-conectados, somos interdependentes. A partir do princípio biocêntrico “nada pode ser separado de outra coisa. Todas as coisas são parte de todas as coisas” (LEMOS, 2008, p. 58). Portanto, não podemos pensar igualmente a identidade de forma isolada, complementamos que, através do corpo, apresentamo-nos como inter-subjetividade e inter-corporeidade. Assim, “a identidade é a vida feita singularidade. Essa singularidade é inter-existente. Nela há tudo o mais. Nela, tudo está

14Tradução realizada por nós, cujo original é: “La vivencia fundamental de la Identidad, surge como la expresión endógena del estar vivo. La comovedora y intensa sensación de estar vivo, surgida de esa unidad orgánica, sería la experiencia primordial de la identidad”.

em nós” (GÓIS, 2008b, p.34). Ou ainda, nas palavras de Toro (1991, p. 281): “não existe identidade isolada. A identidade é a unidade vinculada com o Todo15”.

Góis (2008b) nos fala que a raiz da singularidade inter-existente na espécie se revela através do instinto. É ele quem possibilita que a harmonia inter-específica. Toro define o instinto como sendo “...uma conduta inata, hereditária, que não requer aprendizagem e que se desencadeia frente a estímulos específicos. Sua finalidade biológica é a adaptação ao meio, para a sobrevivência da espécie16” (TORO, 1991, p.220). Através dos instintos, a sabedoria da espécie ensina seus membros e assim a vida se faz na sabedoria pedagógica de cada espécie. No entanto, estamos mergulhados em uma cultura que, ainda segundo o autor, “obstrui, desorganiza e perverte os instintos, dando origem à patologia social e individual” (TORO, 1991, p.221). Nosso desafio, portanto, é construir uma forma de viver enraizada na base instintiva da vida, uma vez que “a vida instintiva é o fundo vital que nos anima a cada instante do nosso existir” (GÓIS, 2008b, p.34).

Esquecemos, pois, que somos animais e, muitas vezes, fazemos questão de junto a esse substantivo acrescentar o adjetivo “racional”. Há uma dimensão ainda mais profunda que difere o animal não-humano do animal humano, é que este último “tem a sensorialidade transmutada em sensibilidade” (GÓIS, 2002, p.57), ou seja, além de racionais, somos sensíveis e foi essa a via que nos permitiu mergulhar progressivamente no nosso mundo subjetivo.

A possibilidade por excelência para acessarmos o mundo sensível, o mundo instintivo, o mundo arcaico gerador de vida e saúde para nós, como referenciamos no tópico anterior, é a vivência. A vivência é o caminho à identidade.

Tudo que vejo está nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo comigo Que teria uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento

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Tradução realizada por nós, cujo original é: “no existe identidad aislada. La identidad es la unicidad vinculada com el Todo”.

16 Tradução realizada por nós, cujo original é: “o instinto é uma conduta inata, hereditária, que não requer aprendizagem e que se desencadea frente a estímulos específicos. Sua finalidade biológica é a adaptação ao meio, para a sobrevivência da espécie”.

Para a completa novidade do mundo... Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... O mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... Eu não tenho filosofia; tenho sentidos... Se falo na natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe porque ama, nem o que é amar... Amar é a primeira inocência, E toda a inocência é não pensar...

(Fernando Pessoa)

Nossa identidade, como expressão da vida feita singularidade, acompanha o movimento da vida, não sendo estática e sim, uma constante pulsação e metamorfose. Assim, identidade é pulsação.

Fomos cartesianamente educados para percebermos a realidade de forma dicotômica, dualista, fragmentada, polarizada. Com tudo o que estamos escrevendo até aqui, buscamos desconstruir esse paradigma possibilitando o ingresso progressivo em formas mais complexas de ler a realidade: a começar pelo conceito de identidade.

O termo identidade traz consigo a qualidade de idêntico, mas todo o nosso investimento em palavras até aqui segue no intuito de evidenciar exatamente o contrário: o movimento que a identidade carrega consigo, movimento de mudança, de transformação, de pulsação, de vida. Assim, identidade é um par sincrônico “...do tipo imanência-transcendência, harmonia-caos, sístole-diástole, grandiosidade-pequenez, yin-yang, universalidade-particularidade...” (GÓIS, 2002a, p.58).

Segundo a teoria da Biodança, não podemos falar no conceito de identidade sem nos referirmos a relação que este faz com o conceito de regressão, ambos faces de uma mesma moeda que é o animal humano. Por isso, podemos chamar esse movimento, além de pulsação, de continuum identidade-regressão (TORO, 2002).

A regressão é um retorno a origem. Segundo Toro (2002) há uma tendência em diferentes povos tanto de retornar ao primordial, como também integrar unidades cada vez maiores, fundindo-se com o cosmo.

Sem a capacidade para renovar-se, nenhum organismo poderia sobreviver. Este processo de renovação só é possível mediante atos

de regressão e progressão, uma espécie de ressonância permanente com o originário17 (TORO, 1991, p.290).

Sem a possibilidade de reparação biológica, qualquer ser vivo padece. Ou seja, a regressão não é algo distante de nós, precisamos somente nos abrir a esse portal de saúde. Quando Toro fala de progressão, ele está se referindo ao regresso, ao retorno regenerativo que está presente na própria regressão (o “ir” e o “vir”). Nesse sentido, trazemos conosco a possibilidade de realizar tal processo tanto em nível existencial como biológico – quando realizamos um corte na pele, recuperamos o tecido lesionado a partir da indiferenciação das células que voltam a se multiplicar.

Na pulsação identidade-regressão transitamos por duas dimensões que constituem o homem: a consciência intensificada de si e do mundo e o retorno ao primordial por meio do transe. A Biodança atua no sentido de fortalecer o continuum identidade-regressão a partir de danças e músicas específicas.

A partir dessas considerações Góis (2008b) trouxe-nos um quadro que sucintamente expressa o que foi exposto até então.

QUADRO 2: Pulsações da identidade

Fonte: Góis (2008b)

A Psicologia Ocidental tomou como objeto de estudo durante muito tempo a dimensão do “ser” através da introspecção, das teorias de personalidade, do estudo de papéis e dos personagens do sujeito, enfim, ocupando-se com o estudo do imanente relativo ao ser humano. Assim, a ciência justificada pelo empirismo tomou o “ser” como objeto de conhecimento. No entanto, a Psicologia Oriental resgatou a outra dimensão também presente no ser humano, o “não-ser”, o vivencial, o transcendente, quando sou onde não me penso (GÓIS, 2008b).

Através do estudo do “ser”, obtemos uma relação eu-isso com o sujeito, referenciando Buber (1982), enquanto no estudo do “não-ser” faz-se necessário um

17 Tradução realizada por nós, cujo original é: “Sin la capacidad para renovarse, ningún organismo podria sobrevivir. Este proceso de renovación sólo és posible mediante actos de regresión e progresión, una especie de resonancia permanente con lo originario”

Pulsação

mergulho na alteridade através da relação eu-tu. Diríamos, então que o “ser” está no campo da ciência como objeto de estudo e o “não-ser” no campo da arte como estética.

Tomar conhecimento íntimo de um homem significa então, principalmente, perceber sua totalidade enquanto pessoa determinada pelo espírito, perceber o centro dinâmico que imprime o perceptível signo de unicidade a toda sua manifestação, ação e atitude. Mas um tal conhecimento íntimo é impossível se o outro, enquanto outro, é para mim o objeto destacado da minha contemplação ou mesmo observação [eu-isso], pois a estas últimas esta totalidade e este centro não se dão a conhecer: o conhecimento íntimo só se torna possível quando me coloco de uma forma elementar em relação com o outro, portanto quando ele se torna presença para mim [eu-tu] (BUBER, 1982, p.147).

Encontrar o outro em sua totalidade, com olhos que vêem, ouvidos que ouvem, mãos que tocam, sorriso que sorri, na inteireza e espontaneidade de gestos, faz-se necessária uma abertura para vivenciar a relação eu-tu. É nela que emerge o amor e através dele percebemos que cada unidade é um todo e faz parte do todo; percebemos que cada unidade possui valor intrínseco, uma vez que o todo aparece quando as partes se vinculam. Assim, o amor, elemento de vínculo por excelência, gera nas partes qualidades emergentes, visto que o encontro amoroso surge no todo e derrama para outras partes. Adquirimos, pois, qualidades emergentes no encontro amoroso (LEMOS, 2008).

Já referenciamos alhures que a identidade é um fenômeno relacional, inter- humano, inter-corporal, inter-subjetivo, inter-existente, ou seja, ela emerge no encontro de pelo menos duas identidades. Com os elementos recém apresentados, ampliamos nosso conceito de identidade a passamos a chamá-la de identidade-amor. É o amor que possibilita vínculo, portanto, identificação de uma pessoa com outra.

O amor é algo que ultrapassa os limites dos sentimentos e das emoções, é a expressão maior do encontro, como propõe Buber (1977). Não pode ser encontrado como algo parcial de uma relação, e sim sendo a própria relação, só é possível mediante nossa presença no mundo (GÓIS, 2002a, p.61).

Para nos encontrarmos uns nos outros, precisamos experimentar uma educação baseada nos valores pró-vida, uma educação biocêntrica, através da qual iniciaremos uma caminhada pedagógica e progressiva rumo a uma nova aprendizagem do viver, que integre o visceral e o vivencial, além de cognitiva. Góis (2008b) sintetizou no quadro abaixo essa caminhada pedagógica.

QUADRO 3: Caminho a identidade-amor

Fonte: Góis (2008b)

Em síntese, abrigamos em nós a sabedoria da espécie através dos instintos e, através de uma caminhada pedagógica, amorosa, progressiva e vivencial, seguimos o fluxo evolutivo da vida feita singularidade até seu ponto máximo de expressão: a identidade-amor.

As almas são incomunicáveis. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

(Manuel Bandeira)

Por fim, afirmamos que identidade é metamorfose. Para explicitarmos essa última característica, recorreremos a Ciampa (2007) e suas contribuições à Psicologia Social aprofundando a discussão sobre identidade a partir do livro “A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio de Psicologia Social”. Apresentaremos, pois, as principais idéias trazidas pelo autor com as quais também trabalharemos em nosso estudo.

Compreender a identidade é antes de tudo compreender que esta é forjada nas relações sociais significativas que cada indivíduo estabelece na sociedade, uma vez que objetivamente a realidade se materializa nas relações sociais. Assim, é na dialética indivíduo e sociedade que se dá o fenômeno humano.

Então, ao estudar um ser humano, deve ficar claro que se está sempre estudando uma formação material determinada, qualquer que seja o corte feito na universalidade das relações recíprocas em que está inserido (o que autoriza, sem ilogicidade, por exemplo, falar tanto em identidade pessoal como em identidade(s) coletiva(s) no âmbito das ciências humanas) (CIAMPA, 2007, p.150-151).

Identidade-amor

Instinto

Quando nos referimos ao cenário social como sendo o âmbito por excelência de construção do sujeito, temos o cuidado de destacar que não se trata de um determinismo social ao qual o sujeito passivamente está inserido, e sim de uma interação ativa entre indivíduo-mundo-indivíduo na qual está presente a unidade da subjetividade e da objetividade. “Sem essa unidade, a subjetividade é um desejo que não se concretiza, e a objetividade é finalidade sem realização” (CIAMPA, 2007, p.145). Percebemos, então, que ao invés de determinado, o homem é um ser de múltiplas possibilidades atualizadas na realidade social. “Se o desenvolvimento da identidade dependesse apenas da subjetividade, ficaria menos difícil (embora não fácil), mas depende também da objetividade” (CIAMPA, 2007, p. 201).

Para compreendermos melhor essa unidade subjetividade-objetividade, recorreremos a Vygotsky quando este nos fala da lei da dupla formação das funções psicológicas superiores18: “todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social e depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológico) e depois, no interior da criança (intrapsicológico)” (VYGOTSKY, 1989, p.75). Ou seja, é na relação do indivíduo com outro indivíduo que se dá a construção da subjetividade, a partir da interiorização dos eventos no plano interpsíquico para o plano intrapsíquico.

O processo de interiorização não é uma absorção passiva dos acontecimentos, mas passa por uma transformação, a síntese, através da qual é atribuído um sentido pessoal ao conteúdo que possui um significado socialmente compartilhado. Assim,

A síntese de dois elementos não é a simples soma ou justaposição desses elementos, mas a emergência de algo novo, anteriormente inexistente. Esse componente novo não estava presente nos elementos iniciais: foi tornado possível pela interação entre esses elementos, num processo de transformação que gera novos fenômenos (OLIVEIRA, 1993, p.23).

É por isso que somos únicos, singulares, diferentes, no entanto, a mesma porção que nos diferencia do outro nos une e nos iguala a ele, uma vez que a origem da nossa constituição como sujeitos é a mesma: social. Assim, a identidade articula igualdade e diferença.

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Diferentemente dos animais que possuem somente as funções psicológicas primárias (atenção, memória, inteligência, por exemplo), o homem apresenta também as funções psicológicas superiores ou secundárias (MATTOS et al, 2003), originadas na ontogênese, constituídas pela interação social e mediadas por sistemas simbólicos construídos historicamente (imaginação produtiva, pensamento, linguagem, entre outros).

Como vimos, na interação indivíduo-sociedade, o outro exerce um papel significativo na construção da identidade, assim há uma tendência de interiorizarmos os predicados que o outro nos atribui como sendo nosso, assim, estes passam a fazer parte de nós, ocorrendo uma dialética “entre a identidade objetivamente atribuída e a identidade subjetivamente apropriada” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p.177).

Segundo Ciampa (2007), o processo de identificação passa por três momentos: pressuposição, posição e reposição. A construção da identidade é, portanto, compreendida como um processo de metamorfose que implica momentos de

pressuposição (nossa identidade vai se forjando antes do nascimento, pelo fato de

estarmos inseridos em um dado contexto familiar e social que nos predicam e nos referenciam pela expectativas que o(s) outro(s) constróem acerca de nós), posição (os predicados pressupostos vão sendo por nós internalizados e ganham sentido próprio a partir das relações sociais com as quais interagimos, constituindo nossa identidade) e

reposição (a aparente não mudança das características identitárias permite que sejamos

vistos como sempre idênticos).

A identificação ocorre, primeiramente, com a nomeação da criança junto a papéis sociais previamente estabelecidos por outros. Em sua continuidade, o que lhe foi atribuído passa por uma série de significações até o momento de reconhecimento internalizado por ela mesma. Ao tomar essa posição diante daquilo que lhe foi posto, o conteúdo compartilhado no plano interpsíquico se transpõe para o intrapsíquico, sofrendo re-significações e adquirindo assim um sentido singular para ser, então, re- posta.

No momento em que a identidade é posta, adota-se uma postura de personagens que representam uma história que nós mesmos criamos, fazendo-nos autores e personagens ao mesmo tempo (CIAMPA, 2007). É, portanto, entendida como uma totalidade que é, em si, uma unidade constituída por elementos contraditórios, múltiplos e mutáveis. Uma síntese de diferença e igualdade, pois à medida que o indivíduo se insere em grupos sociais diversos, ele vai-se igualando e se diferenciando. A identidade se configura como verbo, como atividade, de acordo com sua prática, seu agir, pois o fazer acaba por torna-se substantivo. “... a noção de uma personagem substancial, traduzível por proposições substantivas, oculta de fato a noção de uma personagem ativa, traduzível por proposições verbais. O indivíduo não mais é algo: ele é o que faz” (CIAMPA, 2007, p.135). Assim, a personagem emerge como atividade e relação.

O termo identidade, portanto, remete-se ao próprio processo de construção da identidade, não mais como produto ou como algo dado, mas se dando num contínuo processo de identificação. Combate-se, dessa maneira, aquilo que Ciampa denomina de “mesmice de mim”, ou seja, uma aparente noção de não reposição de nossa identidade de modo que ela se mostra como sendo estática. “... a personagem [...] torna-se algo com poder sobre o indivíduo, mantendo e reproduzindo sua identidade, mesmo que ele esteja envolvido em outra atividade” (CIAMPA, 2007, p.139).

Uma identidade, portanto, apresenta vários personagens, forma subjetivada dos papéis sociais realizados pelo indivíduo.

Em cada momento de minha existência, embora eu seja uma totalidade, manifesta-se uma parte de mim como desdobramento das múltiplas determinações a que estou sujeito. [...] nunca compareço frente aos outros apenas como portador de um único papel, mas como uma personagem [...] como totalidade... parcial. Dessa maneira, ao comparecer frente a alguém, eu me represento. Apresento-me como o representante de mim mesmo (CIAMPA, 2007, p.170)

Por cada identidade apresentar-se como parte, somos determinados pelo o que negamos, ou seja, negamos nossa totalidade na medida em que apresentamos uma parte de nós que revela o que estamos sendo naquele instante, naquela relação. “... isso confunde meu comparecimento frente a outrem (eu como representante de mim) com a expressão da totalidade do meu ser (de mim como representado)” (CIAMPA, 2007, p.173). Ou seja, somos representantes de nós mesmos.

As transformações contínuas que caracterizam a identidade são resultados das relações com os outros com os quais convivemos, sendo também condição essencial no estabelecimento dessas relações e na transformação do tecido social. Dessa forma, as identidades refletem a estrutura social da mesma forma que sobre ela reagem, mantendo ou modificando. A via por excelência para observar as transformações identitárias é o discurso do sujeito, assim, através dele, compreendemos como será o processo de produção da identidade.

Em síntese, abordaremos a identidade, nossa categoria de análise nesta pesquisa, a partir de duas dimensões:

a. Identidade como noção de si, revelada a partir da representação que cada um constrói de si no decorrer de sua história, expressa por papéis e personagens que se metamorfoseiam nas interações sociais. Essa dimensão traz o componente reflexivo da identidade por poder ser

revelado pela narração da história de vida do sujeito, mediada pela consciência.

b. Identidade como sentimento de si, deflagrada a partir do sentimento de estar vivo, revelando a identidade como presença e corporeidade vivida. Essa dimensão permite que a identidade emerja como totalidade que se