• Nenhum resultado encontrado

UM ENCONTRO: BIODANÇA E PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

2. INICIANDO NOSSA TRAJETÓRIA TEÓRICA

2.3. UM ENCONTRO: BIODANÇA E PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

Na história da Psicologia Comunitária, houve um encontro com a Biodança que ocorreu com a realização de trabalhos junto com a comunidade Nossa Senhora das Graças do Pirambu, experiência marcante para o Núcleo de Psicologia Comunitária – Nucom e para a própria Psicologia Comunitária6. Nessa atuação, “além dos estudantes e profissionais de várias áreas, cujo ponto de convergência era a Biodança, passaram a participar do projeto outros estudantes, cuja afinidade era com a Psicologia e suas novas propostas sociais” (GÓIS, 2003, p.18).

A realização desses trabalhos no Pirambu influenciou positivamente numa maior sistematização teórica da Psicologia Comunitária, que se desenvolvia, na prática, com a influência marcante da Educação Popular (com expressiva contribuição da

6 Essa experiência foi cadastrada, em 1983, na Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Ceará, tendo como título “Projeto de Atendimento Psicossocial dos Moradores do Bairro Nossa Senhora das Graças do Pirambu”.

educadora Ruth Cavalcante) e da Biodança, além da Teoria Rogeriana, que trazia a compreensão das condições facilitadoras de crescimento pessoal (compreensão empática, autenticidade ou genuinidade e aceitação positiva incondicional).

É interessante perceber que a década de 80 foi um período de intensa organização do sistema Biodança e de aproximação desta com ações sociais, a exemplo da experiência no bairro do Pirambu (GÓIS, 2003). Podemos, então, situar e perceber que, nesse momento, se assinala historicamente a mútua influência entre a Biodança e a Psicologia Comunitária. Essa influência parte, como é comum na história de ambas, da prática e da vivência, e concretizou-se na atuação comunitária através de algumas especificidades, tais como:

• A introdução da expressão de sentimentos, percebendo a importância da mediação afetiva7, além da mediação simbólica e semiótica, como parte da atuação junto com classes populares;

• O resgate da dimensão corporal (exercícios de Biodança), além da dimensão do falar e do pensar-problematizar;

• O foco no positivo, no saudável, no potencial, sem desconsiderar o negativo e a queixa, enfoque das atuações tradicionais – aspecto comum às outras bases teórico-metodológicas da Psicologia Comunitária.

A sistematização teórica de ambas as disciplinas é bastante semelhante, apresentando-se como disciplinas transdisciplinares, em que

o pluralismo teórico, que é uma manifestação da complexidade, significa que cada marco ou tendência é único e portanto que nem todos são iguais. […] Mas é importante destacar que o relativismo do pluralismo teórico não significa que tudo vale. (MUNNÉ, 1993, p. 17).8

Enquanto a Psicologia Comunitária traz influências da Teoria Histórico- Cultural, da Pedagogia da Libertação, da Psicologia da Libertação, da Teoria Rogeriana e da Biodança, que coincidem nas concepções positiva de homem, na compreensão e

7 Lane (1995), por intermédio de autores como Wallon, Heller, Vigotski e Leontiev, concebe uma natureza mediacional das emoções na constituição do psiquismo humano, defendendo a idéia de que a consciência, a atividade e a afetividade são constituídas pela mediação, não só da linguagem e do pensamento, mas também das emoções: “Emoção, linguagem e pensamento são mediações que levam à ação, portanto, somos todas as atividades que desenvolvemos, somos a consciência que reflete o mundo e somos afetividade que ama e odeia este mundo, e com esta bagagem nos identificamos e somos identificados por aqueles que nos cercam” (LANE, 1995, p.62).

8 Tradução realizada por nós, cujo original é: “el pluralismo teórico, que es uma manifestación de la complejidad, significa que cada marco o tendencia es único y por lo tanto que no todos valen igual. (...) Pero es importante destacar que el relativismo del pluralismo teórico no significa que todo vale”.

práxis de transformação positiva da realidade e a importância dada aos processos de

grupo, de interação sujeito-sujeito e sujeito-realidade-sujeito, por exemplo, a Biodança se assenta em cinco bases que têm em comum um eixo pró-Vida, que são os saberes da Ciência, da Filosofia, da Arte, da Mística e do próprio facilitador (GÓIS, 2008a).

A Biodança e a Psicologia Comunitária possuem como eixo uma práxis de libertação e de vida, uma vez que buscam fomentar uma evolução cultural, que co- construa novas formas de se relacionar e de viver, pautadas na promoção da vida, no diálogo amoroso, na ação transformadora sobre a realidade para a construção conjunta de formas de viver mais integradas, justas, felizes, prazerosas e conectadas a si mesmo e à totalidade.

Ambas se relacionam com a transgressão de certos valores culturais atuais, como o individualismo, a instrumentalização dos corpos (prazer objetal, manipulação midiática), o consumismo e a superficialidade das relações. Apostam, ainda, na radicalização da vivência de estar vivo, na celebração individual e coletiva da vida, na sacralização de tudo o que tem vida ou ajuda a mantê-la; na inteireza das relações – profissionais, de par, comunitárias. Constroem e nutrem, então, a libertação de relações de opressão e o fortalecimento de relações amorosas.

Há que se cuidar da vida Há que se cuidar do mundo Tomar conta da amizade Alegria e muito sonho Espalhados no caminho

(Milton Nascimento)

A Biodança influenciou de forma direta o método da Psicologia Comunitária que inicialmente foi denominado análise e vivência da atividade comunitária (GÓIS, 1993) e, atualmente é chamado análise e vivência do modo de vida da comunidade (GÓIS, 2005c), tendo como estratégia principal o método dialógico-vivência, ou MDV. Nesse estudo delimitaremos a Psicologia Comunitária construída e desenvolvida pelo referido autor por percebermos a sua especificidade frente às demais formas de fazer Psicologia Comunitária, que está na presença da categoria vivência, advinda da influência da Biodança na sua base teórico-metodológica. Vejamos um pouco mais sobre este método.