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4. MÃOS À OBRA

5.4. TERRA PARA A MÃO CARÍCIA

No 4º encontro, realizado no dia 05 de Abril de 2008, compareceram 10 (dez) jovens. Não sabíamos o que estava acontecendo com os participantes, mas a cada encontro ia ficando mais difícil formar uma matriz grupal por causa das faltas alternadas entre eles.

Dos participantes do encontro passado, só compareceram Roberto, Lia, José e Wilson. Além das faltas, em cada encontro sempre surgiam novos participantes o que caracterizava um desafio para o fortalecimento dos vínculos e das interações no grupo. Nesta data, mais dois novos jovens se fizeram presentes, Willian e Caio.

Desejávamos resgatar o encontro anterior a fim de aprofundar o que já conhecíamos um do outro a partir de uma dinâmica de escrever num papel fixado nas costas de cada participante aquilo que cada um conhece dele, mas o grupo nos parecia, a cada encontro iniciar do zero, sempre com novos rostos ou com participantes esporádicos.

Lembramos como foi forte no encontro anterior o discurso deles versando sobre o “não ter nada para fazer” e a dificuldade de romper a inércia, levando a que alguns muitas vezes optassem por estar em casa dormindo ou “fazendo nada” do que estar ali ou em qualquer outra atividade. Por conta disso, indagávamos sobre o melhor momento para realizar o 1º círculo de cultura, pois, para isso, seria interessante que o grupo estivesse minimamente vinculado e com uma matriz. Quando seria esse instante diante daquele processo grupal?

Nesse período estava chovendo bastante no Bom Jardim, o que deixava as ruas muito alagadas. E não somente as ruas: após uma chuva, parte da Casa de Aprendizagem do MSMCBJ também ficou, além do fato de a palhoça ter sido

reformada nesse período por causa das goteiras. Então, diante das condições climáticas, perguntávamo-nos qual o impacto das chuvas na casa de cada jovem? Ficavam alagadas? Tinham goteiras? Eles dormiam bem? Ficavam desabrigados? Qual o impacto da chuva na disposição para sair de casa? Questionamentos que tínhamos antes de iniciarmos as atividades com o grupo.

A cada encontro se evidenciava para nós, facilitadoras, como o método dialógico-vivencial era complexo e o planejamento se fazia no instante da facilitação de acordo com os elementos que o grupo nos evidenciava. Ao iniciarmos o grupo, percebemos que não seria possível utilizar a estratégia que estávamos pensando de resgatar o encontro anterior, descartando a possibilidade de realizar a dinâmica citada alhures. Optamos, então, pela ludicidade e entregamos as canetinhas que cada um iria utilizar para escrever as características do outro numa folha de papel anexada nas costas para brincarmos de “Escravos de Jó”.

Neste encontro, resgatamos esta brincadeira, buscando no grupo a construção de um mesmo ritmo a partir de um objetivo em comum: cantar a canção de 3 (três) diferentes formas, sentado no chão e em círculo, passando a caneta que cada participante tinha na mão para o colega sentado ao seu lado direito num mesmo ritmo. Esse momento foi muito descontraído, e o grupo todo ficou bastante envolvido. O interessante foi que, cada vez que não conseguíamos atingir o objetivo da brincadeira, alguém do grupo propunha alguma solução para modificar o contexto e assim alcançarmos nosso objetivo. Emergiram sugestões como: trocar de lugar (José, Lia); observar o ritmo de quem está do lado (Roberto); observar o ritmo do grupo; motivar o grupo com palavras de que teríamos sucesso (José); ir mais lento; caso desse algum erro, o grupo esperaria que fosse desfeito; enfim, uma boa discussão aconteceu durante o jogo. Quando conseguimos concluir o objetivo proposto inicialmente, celebramos todos juntos, rindo e batendo palmas. Discutimos sobre o que tínhamos vivido ali e foi perceptível que, após aquele momento, outro nível de vinculação estava sendo conquistado no grupo (grupo-mais-vinculado).

Segundo Lane (1984), o grupo só existe enquanto tal quando, ao se produzir algo, transformam-se as relações entre os sujeitos. A produção seria a própria ação grupal, que se dá pela participação de todos, seja em torno de uma tarefa, seja visando um objetivo comum. Seria processo de produção se organizar, assumir papéis, realizar tarefas, em outras palavras, seria se produzir como grupo.

Optamos, na vivência, por enfatizar o ritmo e o elemento terra, como possibilidade de enfocar a linha da vitalidade e ainda o fortalecimento dos vínculos entre os jovens. Iniciamos com um caminhar rítmico em par “Te ver – Skank”. Alguns disseram “- De novo!” (RV4.P9.L440), pois já havíamos sugerido exercícios de caminhar nos encontros anteriores, então fomos demonstrar diferentes jeitos de caminhar, incluindo o mais integrado.

Fomos, ao longo da música, pontuando algumas possibilidades para ampliar a variação de movimentos e a integração grupal e corporal: entrar no ritmo da música, olhar para os companheiros do grupo, ocupar os espaços vazios do salão, utilizar o sinergismo, alinhar a coluna, e o grupo foi integrando esses elementos na vivência. Ao final, perguntamos se havia sido diferente e muitos responderam que sim.

De fato, foi visivelmente diferente como eles caminharam nesse encontro do que no 1º e no 2º, dispersos e mecânicos. Ir mostrando algumas possibilidades para o grupo, a partir da nossa leitura do movimento dos participantes após a consigna, abriu novas descobertas de movimento em cada um. Percebemos Roberto e Willian com um caminhar sinérgico e potente, elementos que faltam em Glória, Lia e Pâmela. Nielma e Caio olhavam timidamente para os outros membros do grupo.

O exercício seguinte foi o caminhar rápido (Fame – Hot Lunch Jam). O grupo todo se envolveu e lançou muita vitalidade. Pâmela, Lia e José, em alguns momentos, expressaram cansaço através do desejo de sentar-se nas cadeiras, reduzindo o movimento corporal e caminhando em direção a elas (participantes-com-pouca- vitalidade). Nós os convidamos a entrar no exercício buscando a auto-regulação, caminhando mais devagar, de modo que eles se permitiram.

A dança de auto-regulação, que foi o exercício seguinte, exigiu um pouco mais de vitalidade dos jovens. Após a demonstração do exercício, eles se entreolharam, sorriram, baixaram a cabeça. Glória e Lia riram muito, e Dilma olhava para o chão. Colocamos a música, progressivamente cada um foi tirando os pés do chão, mais e mais e, de repente, todos pareciam voar do chão, pulavam, como se descobrissem quem era possível ir além, conhecer outras possibilidades de movimentos. Progressivamente, quando foram cansando, foram diminuindo o movimento, respirando, caminhando lentamente, no ritmo da música.

Sugerimos que entrassem em contato com a terra, deitando-se no chão, fechando os olhos, sentindo a pulsação do corpo, do coração e descansando, num exercício de respiração deitado (Cio da Terra – Milton Nascimento). Percebemos que o

grupo acolheu o convite de deitar no chão e se entregaram... Wilson intercalou algumas aberturas de olhos.

Acordamos progressivamente o grupo, pedindo que fossem movendo algumas partes do corpo, dando as mãos, espreguiçando-se juntos e dividindo o grupo em 2 (dois) subgrupos de 5 (cinco) pessoas. Em um grupo ficou: Alexandre, Lia, Glória, Wilson e Caio (grupo 1). No outro, Roberto, Nielma, Willian, Pâmela e José (grupo 2).

Nesse encontro, portanto, utilizamos a argila, pois:

Quando as pessoas se juntam para uma criação coletiva, estão se doando umas às outras, ao próprio universo. [...] Na criação coletiva não tem parte, ou seja, ninguém individualmente está preso a um determinado ponto. Nesse processo de indiferenciação cada um se perde no outro e no material de trabalho, vivendo um consentimento mútuo, ou melhor, uma cumplicidade universal que não pertence a eles próprios (GÓIS, 2005b, p. 55).

De fato, também apostávamos nas considerações de Menezes e Aguiar (1993,

apud GÓIS, 1993, p.125) quando afirmaram que “a argila é um detonador das emoções

e da verdade interna de cada ser que se deixa sensibilizar”. A arte era o nosso instrumento por excelência naquele grupo e estávamos utilizando-a a fim de potencializar a vinculação afetiva entre os participantes.

A consigna foi que cada grupo construísse uma obra de arte coletiva com água e argila, potencializando a capacidade de criação coletiva e possibilitando que cada jovem pudesse vivenciar a oportunidade de transcender a dimensão de vinculação consigo.

Os grupos iniciaram a vivência realizando trabalhos individuais. Nielma e Pâmela demoraram um pouco para sentirem-se a vontade para entrar em contato com a argila. Fomos pontuando que era um momento de criação coletiva e o processo do grupo 1 foi interessantíssimo! Eles começaram fazendo obras individuais, colocando o restante da argila no centro do grupo. Cada um foi pegando um pedaço, moldando, criando intimidade com a terra. Aos poucos, o restante da argila que ficou ao centro, foi utilizado como base para unir todas as obras individuais em uma só obra. Cada membro foi escolhendo um local para colocar a sua e foi firmando-a na base. Ficou uma obra bastante complexa e ao final do encontro, após o lanche, eles se reuniram ao redor dela para atribuir-lhe um sentido comum, atentos em cada detalhe.

FIGURA 6 : Grupo 2 realizando escultura coletiva com argila

FIGURA 5 : Grupo 1 realizando escultura coletiva com argila

O processo do grupo 2 foi um pouco mais demorado. Como Nielma, Caio e Pâmela estavam criando uma relação de intimidade com a argila, elas pegaram pedaços pequenos e foram brincando individualmente, enquanto Roberto e José tentavam criar algo juntos. Pontuamos que a criação seria coletiva e o processo do grupo não mudou. Roberto e José fizeram uma forma de um rosto com toda a argila e, aos poucos, Pâmela, Caio e Nielma foram se envolvendo, dando os últimos acabamentos. Ao final, fizemos uma roda das transformações, com os dois grupos divididos, dançando ao redor da criação. Aos poucos fomos convidando, um a um, a trocar de lugar com alguém do outro grupo para conhecer a obra do outro... Quando a música terminou, estavam os grupos invertidos.

Foi o momento de convidarmos para o exercício encontros de mãos e conexão com o olhar (Todo Cambia – Mercedes Sosa), finalizando com uma roda de ativação progressiva, quando a música foi progressivamente aumentando. Ao final, dançamos um samba cadenciado (Devagar, devagarinho – Martinho da Vila), em roda, só e em pares. Caio dançou de forma espontânea, expressando gostar desse estilo musical.

FIGURA 7: Obra em argila criado pelo Grupo 1

FIGURA 8: Obra em argila criado pelo Grupo 2

Tivemos o lanche e nesse momento sempre aconteciam conversas informais. Foi assim que ficamos sabendo que Willian fazia graffiti. Convidamo-nos para co- facilitar juntamente com a gente o encontro seguinte, apresentando o graffiti como uma forma de expressão artística. Escrevemos com ele uma lista de material necessário para a oficina. Ele nos ajudou a guardar o material utilizado pelo grupo àquela tarde, fomos na casa dele pegar um texto falando sobre a origem do graffiti e decidimos nos encontrar na sexta-feira seguinte às 14h para combinarmos alguns detalhes da facilitação. Caio participou deste momento e se propôs trazer uma revista. Pâmela também participou dessa conversa e ficou de levar um texto para lermos no próximo encontro.

Com esse convite, queríamos, aos poucos, descobrir personagens “artistas” no grupo, afirmando essa faceta da identidade e convidando-os para serem co-facilitadores, fazendo-os se apropriar cada vez mais do grupo, como um espaço de co-construção e crescimento.

A cada encontro, os jovens iam mais e mais “se mostrando”, se vinculando e construindo a identidade daquele grupo. Estávamos construindo com eles essa possibilidade de vínculo, de entrega e de abertura, acreditando que esses elementos seriam deflagradores de mudanças positivas em cada um. E a história do grupo continuava, enriquecida de novos detalhes que serão apresentados a seguir.