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4. MÃOS À OBRA

7.2. CRIANDO CARTÕES ORGÂNICOS

Nesse encontro, realizando no dia 09 de Maio de 2008, o grupo recebeu três novas integrantes (grupo-que-cresce): Dara, Rebeca e Odete, jovens participantes do grupo de auto-estima da manhã que, por incompatibilidade de horários, optaram por vir participar do grupo de arte-identidade à tarde. Nosso grupo de arte-identidade era aberto a qualquer jovem participante das atividades do MSMCBJ. Por essa característica, no 9º encontro estas três novas jovens compareceram pela primeira vez.

Contamos com 15 (quinze) participantes nesse dia. Lia veio conversar conosco para justificar suas faltas, que aconteceram devido ao problema de saúde da sua filha Sabrina, que estava com inflamação no ouvido. A personagem jovem-mãe não possibilitou que Lia participasse dos encontros anteriores para cuidar da filha doente.

Iniciamos o grupo apresentando as novas participantes e fazendo uma apresentação geral de todos os membros do grupo. Resgatamos o encontro anterior, desejando avançar na intimidade verbal, no entanto, sempre que o grupo estava numeroso42 era difícil aprofundar e até mesmo relatar o que havia sido vivido em termos de fatos e de sentimentos.

Com a presença de um número de participantes acima do corriqueiro, totalizando 15 (quinze), mostrou-se a personagem grupo-tímido, como reflexo da forma

42 Utilizamos essa expressão “grupo numeroso” para indicar um processo característico desse grupo que se comportava de forma mais reservada (grupo-tímido) quando o número de participantes excedia o número de 8 (oito).

calada como cada jovem ali se mostrou naquela tarde. “Os elementos do grupo funcionam e interagem como partes desse todo, dinamizados pela energia que os faz convergir num processo de complementação permanente, criando a realidade do grupo, sem que ele percam sua identidade” (RIBEIRO, 1994, p.62). No entanto, ainda que diante da timidez e do crescimento, a personagem grupo-que-se-entrega pode posteriormente emergir na vivência.

Ricardo e Rômulo trouxeram algumas de suas memórias: “trocamos os nossos

corações”, “lemos um texto”, “cantamos uma música” (RV9.P16.L821-822). Penélope

foi lembrada por sua bela voz ao cantar. Ricardo cantou novamente sua música (Trem das onze – Demônios da garoa), a pedido de Roberto, que o acompanhou. Lívia comentou “ainda bem que eu não vim, porque eu não sei cantar” (RV9.P16.L825).

Tomando como ponto de partida a afetividade vivida no encontro anterior, optamos por permanecer nesta linha de vivência, aprofundando o relacionamento mãe- filho nos participantes do grupo. A escolha também se deu em virtude da comemoração do dia das mães que seria no domingo seguinte. As perguntas geradoras do diálogo foram: “como é o relacionamento com sua mãe?”, “como cada um comemora o dia das mães?”, “qual a idade da mãe de cada um?”, “qual a mania que a mãe de cada um tem?”.

Roberto comentou que a relação com sua mãe era boa, mas que falava de paqueras somente com o pai. Ele citou uma série de episódios engraçados da convivência com a sua mãe. Para não centralizar a palavra, pedimos que ele “passasse a bola para alguém”, ou seja, convidasse outro participante do grupo a falar e assim sucessivamente. Com esse jogo de “passar a bola”, garantimos que a palavra circulasse e todos pudessem expressar-se, com a exceção de Caio, que permaneceu calado o encontro inteiro (participante-calado). O grupo, até então, sempre iniciou calado (grupo-calado), e foi importante a criação de alguma atividade de dinamização da discussão no início, uma vez que, depois que os participantes estavam aquecidos, era preciso cuidar para que cada um tivesse o direito de falar e ser ouvido (grupo-falante).

Nos discursos, cada jovem trouxe o ritual que a família vivia para comemorar o dia das mães. Suzane comentou que ela e os irmãos não deixavam a mãe fazer nada, e eles preparavam tudo: almoço, café da manhã e jantar. Dara comentou que o dia das mães não poderia ser somente no 2º domingo de maio. Afirmou que considerava sua mãe a melhor amiga (filha-amiga-da-mãe), confidenciando-lhe tudo o que vive e sente.

Rômulo trouxe que a sua relação com a sua mãe não é muito boa, pois ela trabalha muito e vive muito estressada: “ela é pai e mãe” (RV9.P16.L849). Comentou que quando ela chegava em casa a noite, os filhos procuravam dar-lhe atenção e cuidar um pouco dela, no entanto isso nem sempre era possível. Glória disse que se sentia muito distante da sua mãe (filha-distante-dos-pais) e que gostaria de se aproximar dela. Wilson comentou que foi sua mãe quem fez as pazes no seu último relacionamento. Ronaldo falou que na sua relação com a mãe, procurava estar atento ao que ela precisava para, se possível, atender o seu pedido (filho-que-cuida-mãe). Mostrou-se sensível e trouxe alguns episódios de sua mãe mostrando fotos de sua infância para ex- namoradas.

Lívia e Lia moravam desde pequenas com a avó e a consideravam sua mãe (filhas-distantes-da-mãe-biológica). A de Lia tinha 80 anos e, segundo a jovem, “ela é

muito engraçada, dança, mas se ela não gostar de algo é bem grossa”.

(RV9.P17.L858-859). Ela a chamava de mãe. Lívia tinha a avó-mãe de 65 anos, a chamava de “vó”, mas a considerava como mãe, pois tinha pouco contato com a biológica “ela aparece uma vez no ano” (RV9.P17.L861). Elas, que tinham mães de outra geração, comentaram que os limites foram dados com mais rigidez (hora de sair/voltar para casa, estilo de vestir). Lia disse que não precisava mais dar satisfação a sua avó-mãe e que cuidava dela e da irmã (ambas engravidaram na adolescência).

Ricardo disse que sua mãe tinha 32 anos e tinha mania da brigar, além de gostar muito de ir a festas. Sua mãe era a mais jovem do grupo, seguida pela de Odete, com 37 anos. Gilson e José permaneceram muito calados neste encontro, limitando-se somente a comentar como passariam o dia das mães.

Discutimos como era que cada um expressava o seu amor na sua relação com a mãe e, em consenso, o grupo afirmou ter dificuldades nessa área (grupo-que-não- expressa-o-amor-pela-mãe). Segundo Gusmão (2003), as interações que se estabelecem no grupo estão imersas num contexto social maior, e as ações e representações dos jovens não podem ser compreendidas como idiossincrasias pessoais, e sim como resultado de práticas que se produziram historicamente na convivência social. Assim, não devem ser isolados de sua gênese, das regras e funcionamento das várias instituições onde as interações acontecem e dos valores e crenças presentes em relações sociais mantidas entre sujeitos em interação. A partir dessas considerações, podemos ver a personagem grupo-que-não-expressa-o-amor-pela-mãe como um aspecto dessa

totalidade social em que os jovens estão mergulhados, revelados na idiossincrasia do grupo.

Não tivemos intervalo e fizemos uma visualização criativa numa Roda estelar, convidando cada um a imaginar-se num lugar agradável, preparando um presente e entregando para a sua mãe.

FIGURA 13: Roda estelar

Dara e Wilson abriram os olhos várias vezes durante o exercício. Pedimos, então, para que cada um expressasse o presente visualizado, criando um cartão com materiais orgânicos para presentear à mãe. O grupo permaneceu em silêncio, conectado com a vivência (grupo-que-se-entrega). Apesar de nenhum saber a técnica de confecção de cartões orgânicos, enfatizamos que aquele seria um momento de criação e de experimentação de algo novo, no qual o resultado do produto não seria tão importante quanto o processo de criação. Convidamos cada um a viver sua criatividade e expressar com o material orgânico algo com que gostaria de presentear a mãe.

FIGURA 14: Grupo produzindo cartões orgânicos

Ao final, em roda, convidamos cada jovem a apresentar seu cartão para o grupo a partir da seguinte consigna: “Eu sou____ e eu queria dar ____ para minha mãe”.

Dara: “eu quero dizer para minha mãe que a vida é cheia de

obstáculos e que podemos superar cada um deles, como nessas montanhas”.

Rebeca: “eu queria dar uma casa para minha mãe”. Odete: “eu quero dar uma flor para a minha mãe”. Rômulo: “eu quero estar sempre próximo da minha mãe”.

Caio: “eu quero dar uma flor para a minha mãe”. Ricardo: “eu quero dar uma flor para a minha mãe”. José: “eu quero dar uma flor para a minha mãe”.

Glória: “eu quero estar mais próxima da minha mãe” (filha-

distante-dos-pais).

Lia: “eu quero dar união pra minha mãe” (filha-distante-da-mãe-

biológica).

Suzane: “eu quero dar uma flor para a minha mãe”.

Roberto: “eu quero trocar minhas experiências com a minha mãe”. Wilson: “eu quero dar uma flor para a minha mãe”.

Gilson: “eu quero dar um lugar onde ela não tivesse preocupação, só

sossego”.

Lívia: “eu quero dar uma flor para a minha mãe”.

Ronaldo: “eu quero dar uma flor para a minha mãe”

(RV9.P17.L879-895)