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4. MÃOS À OBRA

5.2. PINTANDO OS SENTIMENTOS

No encontro seguinte, realizado em 14 de Março de 2008, os participantes demoraram a chegar (grupo-atrasado). Havíamos combinado para as 14h30min, mas iniciamos às 14h45min com os 12 (doze) participantes presentes, diferentemente do encontro anterior em que participaram 8 (oito) jovens a mais. Perguntamos se eles tinham notícias de quem havia faltado, e a resposta foi “não”.

Iniciamos o diálogo sentados em roda e no chão, conversando sobre os comentários acontecidos durante a semana acerca do nosso encontro na semana anterior (o que acharam? quem gostou? quem não?). O grupo concluiu que aqueles que não estavam presentes não haviam gostado, ou seja, houve uma diminuição de quase a metade o número de participantes. Infelizmente quem não havia gostado não se fez

presente para transformar aquele espaço em algo diferente, que contemplasse os desejos de todo, afinal esse era um e nossos objetivos.

José chamou-nos a atenção: foi o primeiro a chegar (participante-pontual) e ficou sentado no batente da palhoça. Durante o diálogo, estava presente e atento a cada palavra nossa e dos colegas, e seu corpo fazia o desenho de uma tangente na roda, de modo que suas pernas ficaram para fora e seu corpo todo se virava para a lateral do grupo. Havia 3 (três) pessoas novas no grupo (Pedro, Roberto e Anderson) e repetimos a apresentação individual, dizendo o nome e o que cada um não gostava.

Roberto pela primeira vez participou do grupo. Sua presença deu uma nova alegria a partir de personagem: jovem-moleque, o que fez quebrar em muitos momentos o silêncio no grupo. Percebíamos, portanto, um risco de se depositar nele o papel de ser sempre quem se expressa e fala por quem está calado. Suas brincadeiras afetaram todos durante o diálogo e durante a hora da vivência.

Naquele encontro ficou evidente um fato que já nos incomodava desde o início da criação do grupo: a presença obrigatória de todos os jovens. A lista de freqüência foi utilizada por nós como instrumento de acompanhamento da regularidade e de familiarização dos nomes dos participantes (vide apêndice 2). No entanto, quando a lista saía das nossas mãos e era entregue à coordenação dos cursos de informática, ela se transformava em um instrumento de garantia ou não do certificado de conclusão do curso de informática. Percebíamos o intuito da instituição em garantir uma formação integral (humana e técnica) para os jovens, mas avaliávamos também que havia uma limitação em “obrigar” a participação no grupo de arte-identidade. Se o certificado envolvia as duas dimensões da formação, como pedagogicamente poderíamos construir esse significado com os jovens? E se não fosse obrigatória a participação no grupo de arte-identidade, será que eles viriam? O nosso desafio foi construir juntamente com eles um sentido para estarem naquele grupo, com um sentido para sua vida, pois, diferentemente de outros grupos de crescimento pessoal, aqueles jovens não estavam ali por nenhuma demanda psicológica, o que facilitava e ao mesmo tempo dificultava nossa atuação.

O diálogo foi superficial nesse encontro, apesar de haver muitos cochichos a cada indagação nossa. Pâmela se referiu ao exercício de dar e receber, dizendo que este a havia marcado, mas soube expressar o porquê. Ela chegou cedo, ficou sentada no lado do bebedouro, esperando que suas amigas chegassem. Fomos para a roda e ela permaneceu lá. Quando indagada sobre o que não gostava na apresentação inicial,

comentou que gostava de tudo, nada lhe desagravada, numa postura de “tanto faz” (que personagem seria aquela que estava ali se revelando? No questionário de sondagem inicial do grupo, ela colocou a seguinte frase “não tenho tudo que amo, mas amo tudo

que tenho”, Q1.R1).

Durante o diálogo, problematizamos o conceito de auto-estima e Anderson questionou “como iríamos trabalhar a auto-estima” (RV2.P4.L164). Apresentamos nossa proposta, discutimos o nosso olhar sobre a identidade e fizemos um rápido círculo de cultura com as frases por eles respondidas no questionário diante da indagação “que é auto-estima?”. Foram levadas as seguintes frases geradoras sem identificação:

“É um grupo de psicólogos que ajuda uma pessoa com vários problemas a compartilhar com outras pessoas e receber opiniões diferentes para conseguir vencer um dia e se sentir vitorioso para que para tudo se tenha uma solução e que nenhum problema há de nos destruir” (Q1.R4).

“Pra mim, auto-estima é estar sempre alegre, feliz com a vida e consigo mesma, porque pra fazer alguém feliz tem que estar feliz com a gente e com o nosso espírito” (Q4.R4).

“Eu acho que auto-estima é uma roda de amigos em que tem dança, conversas para que as pessoas não fiquem tristes, pois auto-estima é para as pessoas ficarem alegres” (Q2.R4).

“É a gente se sentir bem, estar feliz, satisfeita consigo mesma” (Q6.R4).

“Eu acho que é um grupo que se reúne para conversar uns com os outros e saber mais sobre a importância na vida deles” (Q11.R4). “É onde várias pessoas se juntam, fazem um grupo e tem várias brincadeiras” (Q9.R4).

“É estar sempre alegre, de bem com a vida e com os outros” (Q3.R4).

“Eu não sei o que é auto-estima, mas eu gostaria de saber” (Q8.R4). “É um grupo de pessoas reunidas que fazem várias atividades, como por exemplo: dança, conversas com o grupo. Hoje em dias as pessoas só trabalham e não tem seu tempo próprio e a auto-estima é isso, dá o seu tempo lhe ajudando a relaxar desse mundo cheio de violência, drogas e tudo de ruim” (Q5.R4).

“Para mim, auto-estima é abrir uma porta que se fecha e abrir superações. Conseguir sempre acreditar que sou capaz de obter meus sonhos” (Q7.R4).

Roberto e Anderson se posicionaram bastante nesse momento, refletindo sobre os conceitos e definições acima citados (participante-problematizador). Tião reafirmou o seu desejo, expresso também no questionário, de que no grupo houvesse mais interação.

Iniciamos a vivência, utilizando como tema gerador a construção da nossa identidade a partir das relações interpessoais. Propomos um caminhar rítmico em par (Boi da Lua – Papete), buscando cada participante entrar no ritmo do outro. Ao longo da

música trocamos os pares. Foi difícil a escolha inicial dos pares. As meninas fizeram logo pares entre si e os meninos ficaram sós, sem formarem pares (grupo-dividido-por- gênero). Propomos, então, uma reorganização dos pares, de modo que as duplas fossem compostas por um participante de cada gênero. Ninguém queria ficar com o Carlos nem ele buscou ninguém. Joyce iniciou com ele. As trocas entre os pares foram bem difíceis, a cada consigna os pares se desfaziam e demoravam um pouco para se refazerem.

Gostaríamos que ressaltar aqui as palavras de Lane (1984, p. 79) que afirma que “O grupo coeso, estruturado, é um grupo ideal, acabado, como se os indivíduos envolvidos estacionassem e os processos de interação pudessem se tornar circulares”. Tschiedel (1998), em consonância, afirma que tal pensamento produz demandas que omitem o aparecimento do novo, a existência de fluxos.

Sabendo disso, optamos por trabalhar a vinculação, a confiança e a entrega, convidando o grupo para o exercício caminhar confiando (The girl from Ipanema – Stan Getz & João Gilberto) e Fernanda ficou um pouco tonta, conduzida por Joyce que caminhava em círculos. Incluímos uma nova consigna, convidando todos os pares a se movimentarem em direções alternadas para que quem estivesse de olhos fechados não se sentisse tonto.

O exercício seguinte foi o segmentar de braços (Bilitis – Zamfir). Roberto, Anderson e Tião se permitiram fazer o exercício (participantes-abertos). Alguns ficavam abrindo os olhos, outros fizeram somente uma vez, ou nenhuma mesmo. Ao final, pedimos para todos abrirem os braços e abraçarem a si mesmos. Quando abriram os olhos, havia uma folha de papel aos pés de cada um e potes com tinta, água e pincel no centro da palhoça

A consigna foi pintar os sentimentos presentes naquele instante com cores e poucas formas. Glória, Lia, Pâmela, Roberto e Joyce se agruparam para dividir a tinta e a companhia, os demais ficaram a sós.

FIGURA 1: Pintura com tinta guache numa folha de papel A4

Para encerrar esse momento, fizemos um desfile onde cada participante caminhou atravessando um túnel segurando sua pintura na altura do peito (Dante’s prayer – Loreena Mckennitt). Glória e Pedro chamaram-nos a atenção, pois ela passou quase correndo (jovem-mais-tímida) e ele com o desenho cobrindo o rosto. O tempo de duração do túnel foi pequeno, a música sequer chegou à metade. Percebemos o grupo- com-medo-de-se-expor. Todos foram rápidos. Ribeiro evidencia que:

Um grupo, no seu início, é apenas uma totalidade geográfica, carente de sentido especificamente terapêutico. Qualquer intervenção mais séria, profunda, nessa fase, carecerá de eficácia terapêutica. Será um gesto, uma técnica, mas provavelmente, não será um gesto transformador. Essa é eminentemente uma fase de escuta, de observação, de mapeamento (RIBEIRO, 1994 p.65).

Vários dias depois, pensamos e discutimos que naquele momento poderíamos ter repetido a passagem pelo túnel, dando as consignas do que havíamos sentido falta, pois, ao final dele, nós facilitadoras nos olhamos, sentindo que algo precisaria ser feito, mas no momento não soubemos o que e a oportunidade passou. Finalizamos o grupo com uma roda de celebração (Todo cambia – Mercedes Sosa).