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Características dos serviços minerais em áreas de aluvião.

No documento queleningridlopes (páginas 57-79)

Panorama geral da mineração no século XVIII: depósitos auríferos, fatores produtivos e relações com o mercado de bens rurais.

1.3 Características dos serviços minerais em áreas de aluvião.

Tendo a obra ―Plutos Brasiliensis‖, de autoria do Barão Eschwege, como principal referência, Flávia Maria da Mata Reis dedicou parte do seu estudo à análise descritiva e detalhada dos métodos e técnicas aplicados pelos mineradores setecentistas à extração do ouro de aluvião- nos sedimentos depositados nos rios, suas margens e fraldas (flancos) das montanhas- e nos morros auríferos de Minas Gerais.91 A autora também perscruta pormenorizadamente os instrumentos utilizados pelos mineradores (―ferramentas, maquinários e demais apetrechos‖) na prática da extração do ouro de aluvião e dos morros através de uma amostragem de inventários e testamentos deixados por mineradores das Comarcas de Rio das Velhas e de Vila Rica- regiões delimitadas em sua pesquisa. A autora distingue os métodos e técnicas extrativos, principalmente, ―de acordo com o local onde o ouro encontrava-se assentado‖.92 De tal modo, distingue-os entre as áreas de ―mineração de cascalho‖, que abrangiam os rios, tabuleiros (margens daqueles) e grupiaras (encostas dos morros), e as de ―mineração de morro‖, onde se utilizavam os métodos extrativos do talho aberto, das catas e galerias.

A faiscação é definida por Flávia Reis como um dos métodos mais simples de extração do ouro nos leitos e margens dos rios, na qual se fazia uso das bateias.93 Eschwege descreve o método da faiscação por meio das bateias94 observando faiscadores empenhados na dita atividade no início do século XIX, que após recolherem com a bateia o cascalho do rio levavam-no:

a superfície das águas e [imprimindo-lhe] um movimento circular para a direita, com ligeira inclinação para o lado, de modo que, afluindo novamente a água, a terra é arrastada. O ouro, que se concentra na parte afunilada da bateia, isto é, no fundo, é lavado com pouca água e guardado na bolsa de couro, presa à cintura do faiscador.95

91 REIS, Flávia Maria da Mata. Op. Cit., 2007, p. 81-129. 92 Ibidem, p. 98-99.

93 Ibidem. p. 99. Eschwege credita, principalmente, aos escravos a introdução das bateias de madeira, que se

apresentavam como um instrumento redondo e ―pouco fundo, de dois a três palmos de diâmetro‖, com o qual se separava o ouro do material estéril do cascalho aurífero. ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig Von. Op. Cit. Tomo I, 1944, p. 306.

94 A bateia foi o primeiro instrumento utilizado na apuração do diamante em Minas Gerais. Cf. ―História da Vila

do Príncipe e o modo de lavrar os diamantes e extrair o cascalho‖. In: FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.) Códice Costa Matoso. Vol. I. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. p. 849.

O método da faiscação, praticado pelos primeiros mineradores ―na fase inicial das explorações, imediata e simultânea aos descobrimentos‖, era realizado especialmente por aqueles que buscavam a extração fácil e rápida do ouro dos leitos dos rios. Com a diminuição deste tipo de cascalho aurífero de mais ―fácil‖ extração, e com a complexificação da atividade extrativa pela exigência de maior emprego de tempo e trabalho na mineração de aluvião, apenas os escravos de mineradores com poucos recursos e ―forros e brancos pobres à procura de algum ganho para seu sustento‖ se empenhariam na faiscação.96 No entanto, não encontramos um quadro social tão rígido em relação à faiscação.97

Em 1722, período já afastado do início das explorações, nos deparamos com o Sargento-Mor Antônio Corrêa Sardinha vendendo um engenho com 100 escravos e alguns serviços de mineração, entre os quais se achavam ―dois serviços de água mais para com eles poder descobrir alguma faisqueira‖.98 Em 1730, um pouco mais distante das primeiras pesquisas auríferas, o Sargento-Mor Luís Tenório de Molina vendeu ao Capitão Antônio Teles de Albuquerque uma roça ―com sua faisqueira e um serviço de água metida‖.99 Três anos mais tarde, o Sargento-Mor Gregório Pereira Lima vendeu a João Gonçalves Fraga um sítio no arraial de Bento Rodrigues com ―seu serviço mineral e várias faisqueiras‖, além de 65 escravos.100

Além da condição social evidenciada pelas patentes que carregavam, pela grande quantidade de escravos vinculados à negociação, no primeiro e no terceiro caso, tais indivíduos tinham toda a capacidade de investimento para se dedicarem à exploração do ouro em serviços que exigissem maior investimento do minerador. O Sargento-Mor Luís Tenório de Molina não era homem de poucos investimentos: ele era um dos indivíduos interessado no comércio do gado em Minas Gerais.101 Contudo, reconhecemos que são poucas as faisqueiras negociadas entre os bens extrativos e as propriedades rurais mistas do mercado de Mariana, o que, por conseguinte, reflete a menor recorrência dos indivíduos com algum poder de investimento neste tipo de extração aurífera. Deve-se considerar, ainda, que indivíduos como os mencionados poderiam se aplicar em paralelo à mineração mais complexa que exigia mais investimento, como também considerar que as próprias faisqueiras mencionadas vinham

96 REIS, Flávia Maria da Mata. Op. Cit., 2007, p. 100.

97 A autora assume tal posicionamento em virtude de tratar o trabalho de Eschwege sem a crítica necessária ao

período do qual ele fala, às suas intenções que buscavam enfatizar a caracterização da atividade mineradora como nocivas à maximização da produtividade- que só seria possível com a entrada das áreas de mineração das Companhias mineradoras o que de fato se dará não muito tempo depois.

98 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Notas 19, datado de 05/09/1722. Grifo nosso. 99 AHCSM, 2o Ofício, Livro de Notas 3, datado de 21/12/1730.

100 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Notas 40, datado de 12/05/1733. Grifo nosso. 101 Este assunto será tratado no segundo capítulo.

acompanhadas de alguma atividade de beneficiamento das terras minerais- pelos ―serviços‖ realizados nas mesmas-, o que indica que faziam parte do complexo extrativo da lavra. Contudo, apesar das ponderações fica exposto que mineradores com grandes cabedais não desprezavam a ―simples‖ faisqueira de todo.

De qualquer modo, em 1701 os mineradores já se ―desacorçoavam‖ do grande trabalho que lhes era exigido na mineração do ribeirão do Carmo, marcada pela dificuldade em lavrar as terras minerais do seu leito por estar o mesmo muito ―caudaloso em águas e de rápida corrente‖. Habituados a minerar nos córregos pequenos que lhes facilitavam a atividade extrativa, muitos mineradores abandonaram suas datas minerais em busca de outros ribeirões já trabalhados ou por se descobrir, ou ainda procuravam na extensão do ribeirão do Carmo área mais espraiada que lhes permitisse a extração ―fácil‖ ao modo habitual.102

Para explorar mais a fundo e na maior extensão possível o substrato dos leitos dos rios, córregos e afins, os mineradores desviavam o seu curso natural. O método do desvio do leito do rio era feito após uma prospecção do potencial produtivo de ouro da extensão que o minerador planejava desviar, após o que

dava-se início ao serviço de desvio com a construção de uma barragem com paliçada, pedras, terra ou sacos de areia e de um canal em uma das margens, para o qual a água era então redirecionada. Tal método permitia que maiores extensões do rio fossem remexidas e não apenas pequenas áreas.103

Foi pelo ―represamento e o desvio das águas‖ que se descobriu o ―ouro nas margens‖ dos rios, chamados comumente pelos mineiros de tabuleiros.104

Por volta de 1707, segundo o relato de Bento Fernandes Furtado, os mineiros passaram a ―desmontar‖ as camadas do solo dos tabuleiros. A extração do ouro de aluvião, então, se expandiu dos leitos dos córregos, rios e ribeirões em direção às margens dos rios e, posteriormente, para as encostas dos morros por entre os quais o sistema fluvial abrira caminho.105 Considerados pelos próprios contemporâneos como áreas de mais fácil exploração que o leito do rio, devido o trabalho de desvio do curso natural que este exigia, e

102 ―Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas do ouro pertencentes a estas Minas Gerais,

pessoas mais assinaladas nestes empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios.‖. In: FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.) Códice Costa Matoso. Vol. I. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. p. 180-181.

103 REIS, Flávia Maria da Mata. Op. Cit., 2007, p. 101.

104 ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig Von Op. Cit. Tomo I, 1944, p. 306.

105 A escavação destas áreas superiores aos leitos dos rios teve inspiração, ainda de acordo com Bento Fernandes,

no ―natural efeito‖ de desmonte destas terras na época das chuvas. ―Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas do ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinaladas nestes empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios.‖. In: FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.) Códice Costa Matoso. Vol. I. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. p. 191.

por estar ―defendido [protegido] de cristalinas correntes das soberbas e caudalosas águas‖106, os tabuleiros nem por isso eram depósitos aluvionais que exigissem menor trabalho e complexidade. A questão é que nestas áreas a mineração era facilitada por não se ter que lidar com a interferência negativa da força das águas, que em certas vias fluviais de grande porte e rápido fluxo tornava altamente dificultoso o trabalho de desvio, senão impraticável.

Se os desvios dos cursos dos leitos dos rios, córregos, ribeirões, etc., eram complexos e lidavam com o fator negativo da interferência das águas na lide mineradora, conforme a mineração avançou por sobre os tabuleiros e grupiaras não houve redução na complexidade da atividade, ela apenas mudou de foco: a água passou a ser uma ―aliada‖ da mineração. Como bem aponta Flávia Reis, ao contrário da mineração nos leitos dos rios aonde ―a água era vista como ‗inimiga dos trabalhos‘‖, na mineração em tabuleiros ―a força hidráulica‖ era usada nestes ―para arrastar as camadas estéreis que encobriam o cascalho aurífero depositado‖.107 O

contemporâneo Bento Fernandes Furtado descreveu o modo como o desmonte (escavação) dos sedimentos que se encontravam acima do nível dos rios poderia ser feito através da canalização da água em nível

superior aos tabuleiros altos, [método] aprendido do natural efeito que fazem as águas no tempo das invernadas das chuvas, e cavando as terras descobriam cascalhos nos lugares mais baixos e neles, em parte, ouro, à reflexão que fizeram nesta obra natural das águas, de lugares superiores conduzindo-as por olivel [nível] a outros para, artificiosamente, ajudados de alavancas e instrumentos de cavadeiras de ferro, ajudar as águas a desfazerem a terra para ser conduzida por ela até dar nos rios de maior potência que as conduza até os maiores e até o mar, deixando descoberto cascalho sem impedimento.108

Este tipo de escavação é conhecida na literatura como método de ―canais paralelos‖ 109, mas nas escrituras de compras e vendas de bens extrativos e propriedades rurais mistas não são fáceis de serem identificados. Os ―serviços de águas‖, ―águas metidas‖ ou ―águas tiradas‖ são os mais fortes indicadores do trabalho feito nas águas na construção de canais para a exploração nos tabuleiros e de dutos para elevação das águas para os trabalhos nas

106 ―Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas do ouro pertencentes a estas Minas Gerais,

pessoas mais assinaladas nestes empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios.‖. In: FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.) Códice Costa Matoso. Vol. I. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. p. 181.

107 REIS, Flávia Maria da Mata. Op. Cit., 2007, p. 108.

108 ―Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas do ouro pertencentes a estas Minas Gerais,

pessoas mais assinaladas nestes empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios.‖. In: FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.) Códice Costa Matoso. Vol. I. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. p. 191.

grupiaras. Ainda mais difícil é perceber o trabalho das catas110 feitas pelos escravos com o auxílio de alavancas e cavadeiras, instrumentos que serviam para o deslocamento das camadas de solo até que se chegasse à formação aurífera.111

O serviço de desmonte do solo feito por meio da força hidráulica proporcionada pela canalização das águas para as margens e tabuleiros dos rios também era denominado pelos mineradores por talho aberto, como no ―serviço de minerar de talho aberto no córrego de São Bento‖ vendido por Domingos de Carvalho Moreira, que funcionava ―com água em cima‖112, no ―serviço de talho aberto de minerar‖ no córrego do Fundão (freguesia da Piranga) ―com sua roda de minerar‖ em terras e águas que Domingos Rodrigues da Cunha comprou a seu irmão Manoel Rodrigues Benade em 1750.113 O método do talho aberto é identificado por Flávia da Mata Reis na mineração dos morros, o qual era executado pela força das águas para ali canalizadas, por meio das quais se abria ―uma brecha na formação desde o seu cume até a base, formando de fato um corte perpendicular na rocha‖.114 A idéia da canalização das águas é a mesma que a usada nas grupiaras e aluvião, porém, exigia um serviço maior na condução da água para os morros pelos mineradores que, de acordo com Reis, a conduziam ―por regos escavados no terreno ou por bicames suspensos em altíssimos jiraus‖.115

Identificar as diferenças entre as áreas exploradas a partir dos métodos, dos termos empregados à época e revisados posteriormente, dos tipos de benfeitorias como as que visavam conduzir as águas à lavra requer observar que nem tudo é ―preto no branco‖, como vemos no caso do ―talho aberto‖: os mineradores reconheciam a sua prática exploratória pelo que ela representava e pelos serviços que faziam para pô-la em ação. Assim, o talho aberto era a maneira de se deslocar grandes proporções de material estéril tanto nas rochas dos morros quanto dos tabuleiros e grupiaras com o auxílio hidráulico, do mesmo modo que à sua observação contemporânea o desvio de um rio era compreendido por vezes simplesmente como serviço de/no veio de água.

As águas metidas são recorrentes nas negociações de unidades minerais em aluvião (28,6% do total) e demonstram o uso que se fazia do recurso hidráulico para a mineração.

110 Escavações ―em forma de funil‖ nos tabuleiros. Flávia Reis aponta que tal método apresentava algumas

inconveniências, como a grande ―quantidade de material estéril‖ a ser retirada antes que o serviço chegasse à camada contendo o cascalho aurífero. Ibidem. p. 106-109.

111 Entende-se por formação aurífera a ―terra mais rica de ouro, composta de areia e cristais maiores, ou

menores‖. VANDELLI, Domingos. ―Memória sobre as minas do ouro do Brazil‖. In: Annaes da Biblioteca

Nacional do Rio de Janeiro. Volume XX. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1898. p. 272. A denominação

―formação‖ era usada em todos os depósitos auríferos, tanto nos de aluvião quanto nos de rocha matriz.

112 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Notas 45, datado de 07/01/1736. 113 HACSM, 1o Ofício, Livro de Notas 70, datado de 15/10/1750 114 REIS, Flávia Maria da Mata. Op. Cit., 2007, p. 120.

Encontram-se no mais das vezes associadas às terras minerais, afinal ―meter‖ a água sobre a terra mineral tinha por objetivo auxiliar na exploração destas, como informa uma negociação de várias propriedades rurais com serviços de mineração e ―com águas metidas para o exercício de minerar‖.116 ―Meter a água‖ é o mesmo que conduzir a água até o local que se deseja trabalhar. Antônio Martins Passos e Paulo Rodrigues Durão conduziram (―meteram‖) as águas até as terras minerais e com o auxílio delas lavravam o desmonte da ―cata matadouro‖.117 Já o uso da água para o desmonte pode ser percebido através da venda de ―60 datas de terras minerais no rio chamado Ribeirão‖, situadas na freguesia de São José da Barra Longa, que João Francisco Pimenta e sua esposa Antônia Ventura fizeram a Antônio da Costa Santos e Manoel da Costa Azevedo. Parte delas já se achava lavrada e outras partes ainda ―por lavrar‖ com o auxílio dos ―dois regos de águas metidas‖ que se achavam nas terras minerais. Das terras já lavradas faziam parte ―tabuleiros e grupiaras‖ que se encontravam ―já descobertos‖, ou seja, com o desmonte de todo o material estéril já realizado.118

Os depósitos de aluvião nos leitos dos rios, nos tabuleiros e nas grupiaras podiam ser trabalhados isoladamente, quando o minerador se concentrava numa dessas áreas específicas das posses das datas que lhe pertenciam, ou exploradas ao mesmo tempo, o que era mais comum entre os tabuleiros e as grupiaras possivelmente para se aproveitar de uma única vez o serviço de água feito para dar expedição aos desmontes. É o que se apreende dos serviços minerais vendidos por João Francisco Pimenta e sua esposa. Algumas negociações destacam tanto veios dos rios quanto tabuleiros e grupiaras como as terras minerais pertencentes a uma mesma venda e estabelecidos numa mesma área, o que é compreensível tendo em vista que o minerador deveria aproveitar todas as áreas de exploração abrangidas por suas cartas de datas. Isso é observado nas ―66 praças de terras minerais no veio de água e tabuleiros com regos de águas metidos‖ vendidos por João Dantas de Araújo a Francisco Xavier de Barros Alvim juntamente com um sítio, roças e 8 escravos em 1770.119 Entretanto, por vezes a descrição do bem mineral negociado parece indicar que a exploração era realizada em mais de uma delas ao mesmo tempo, como na negociação de um sítio que tinha ―várias terras minerais [em

116 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Notas 89, datado de 22/05/1770.

117 Mesmo porque o termo ―cata‖, algumas vezes, aparece empregado em diferentes locais de extração para

indicar o local onde se estava tirando cascalho aurífero. Tomemos como exemplo o caso de um serviço de mineração num sítio na freguesia do Inficionado onde havia ―uma roda de minerar no veio de água‖ com uma ―cata aberta tirando cascalho‖, nem mesmo parecia se tratar de área de tabuleiro, pois ―veio de água‖ pode ser compreendido como o leito de rio (córrego, rego, ribeirão, etc.). De todo modo merece ser registrado que o termo ―cata‖ foi pouquíssimo utilizado nos registros de compras e vendas analisadas e em quase metade das vezes esteve ligado à área do Inficionado. AHCSM, 1o Ofício, Livro de Nota 56, datado de 31/07/1741. Grifo nosso. 118 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Notas 72, datado de 21/12/1752.

vertente] no veio de água como em taboleiros como serviços de águas metidas e lavra aberta‖, em que estas lavras parecem dizer respeito tanto ao veio quanto aos tabuleiros.120

Não temos como garantir que a exploração estivesse sendo realizada ao mesmo tempo em mais de um depósito quando estes estavam próximos uns dos outros, e eram identificados nas negociações enquanto as terras minerais pertencentes à área explorada (ou, a ser explorada). Contudo, os mineradores poderiam investir em mais de um serviço em diferentes pontos de um mesmo rio ou em uma mesma freguesia ao mesmo tempo, o que era facultado sobremaneira pelas posses de parcelas de terras minerais em serviços de terceiros ou através das sociedades, as quais permitiam que o mesmo minerador se dedicasse a diferentes depósitos de aluvião.

As diferentes áreas exploradas no rio São Francisco, na altura da freguesia de Catas Altas, pelo Alferes Pedro Gomes de Abreu expõe claramente esse quadro. Em abril de 1742 o dito Alferes vendeu um sítio, duas roças, moradas de casas no arraial de Catas Altas, benfeitorias das propriedades rurais, miudezas, 46 escravos e diversos serviços de mineração no Rio São Francisco e no de Santa Bárbara a João Gonçalves Lima e a Francisco de Sá Quinteiro. Dos bens minerais, a maior parte dos serviços estava situada na extensão do rio São Francisco. No Sítio vendido, nas águas do rio São Francisco que o margeavam, havia um ―serviço de água metida e lavra aberta com terras minerais pelo veio de água, o qual lhe pertencia por inteiro121, e da mesma maneira era proprietário no mesmo rio de ―10 datas de terras minerais com serviço nelas feito de água‖. As tais datas minerais eram constituídas ―pelo tabuleiro da roça de Antônio da Silva de Araújo‖.122

No documento queleningridlopes (páginas 57-79)