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Cata Preta: a história de uma lavra.

No documento queleningridlopes (páginas 108-123)

Panorama geral da mineração no século XVIII: depósitos auríferos, fatores produtivos e relações com o mercado de bens rurais.

1.6 Cata Preta: a história de uma lavra.

Nascido na Itália, formado em medicina e filosofia pela Universidade de Pádua, Domingos Vandelli mudou-se para Portugal por volta de 1764, onde foi convidado pelo ministro Dom José I, Marquês de Pombal, a lecionar no Real Colégio dos Nobres.212 Em 1772 tornou-se professor da disciplina de História Natural e Química da Universidade de Coimbra. Um dos mais entusiastas da criação da Academia Real das Ciências de Lisboa e membro de várias academias de ciências, Vandelli foi uma personalidade importante no quadro intelectual do processo reformista ilustrado em Portugal. Seus alunos eram incentivados a percorrerem o reino e as colônias em viagens

212 Informações biográficas obtidas através do site do Centro Virtual Camões, mantido pelo Instituto

filosóficas como meio ―de treinamento e para enriquecer o museu universitário com os produtos recolhidos‖.213

Entre muitas obras acadêmicas, Domingos Vandelli escreveu (provavelmente no último quartel do setecentos) a ―Memória sobre as minas de ouro no Brasil‖ na qual abordava, de modo muito científico, a caracterização das áreas de ocorrência aurífera, o potencial da riqueza do ouro e sua qualidade, os modos de exploração das terras minerais, entre outros elementos partícipes da mineração em Minas Gerais. Com vistas a esclarecer como se dava a mineração em Minas Gerais e como se poderia melhorar a exploração das suas riquezas, Vandelli tomou a descrição (―relação e figura‖) que seu Discípulo Doutor Joaquim Veloso (substituto da cadeira de História natural) havia feito sobre a lavra da Cata Preta, a qual possui uma história antiga e de contínua exploração aurífera.214

Tendo como base intelectual para suas expedições científicas as ―Instruções de Viagens‖ feitas sob a supervisão de Domingos Vandelli, o Frei Joaquim Veloso de Miranda foi um dos primeiros naturalistas/viajantes que percorreram o Brasil entre 1802 e 1822 em viagem científica ―em busca de produtos naturais‖ que enriquecessem a coleção de museus e coleções em Portugal. No ano de 1779 veio ao Brasil, rumo ao Rio de Janeiro de onde posteriormente partiu para Minas Gerais. Somente em 1787 iniciou ―suas expedições‖ científicas pelo território mineiro cumprindo ―a função de recolher, descrever e remeter todos os objetos de história natural para o Real Museu da Ajuda, em Portugal.215 Não era a primeira vez que Joaquim Veloso percorria Minas Gerais, na verdade, ele havia nascido em território mineiro, mais precisamente na freguesia do Inficionado. O Frei Joaquim era descendente de uma das principais famílias de Mariana a quem pertencera a lavra da Cata Preta durante todo o século XVIII.

Localizada na freguesia do Inficionado, na proximidade da serra do Caraça, as ricas terras minerais da Cata Preta abarcavam, à época da descrição feita pelo Doutor Joaquim Velloso e tomada para reflexão por Vandelli, a extensão de um quarto de légua onde se ocupavam 200 escravos na atividade mineradora. Domingos Vandelli afirma que no início da exploração desta área o ouro era encontrado à ―superfície da terra‖ e rendia grandes jornais do trabalho dos escravos, mas, de acordo com o autor, no

213 SILVA, Clarete Paranhos da. ―Garimpando Memórias: as ciências mineralógicas e geológicas no

Brasil na transição do século XVIII para o XIX.‖ Unicamp/Pós-Graduação em ensino e História de ciências da terra, 2004, p. 27.

214 VANDELLI, Domingos. Op. Cit., 1898, p. 266-278.

215 PATACA, Ermelinda Moutinho; PINHEIRO, Rachel. ―Instruções de viagem para a investigação

decurso dos tempos foi necessário aprofundar a terra, e perder muito tempo no desmonte da terra inútil, de que se compõem os altos montes, que estão eminentes a mesma lavra, ou buraco, aonde se tira a formação.216

A formação aurífera da lavra da Cata Preta acompanhava a serra do Caraça para Norte e para Sul ―em distância considerável‖ e ―conforme os montes‖ que lhe eram ―sobranceiros‖. O Barão Eschwege nos descreve com mais acuidade a ocorrência do ouro:

A matriz da formação aurífera, nesta lavra, é constituída de uma massa negra, friável e untuosa, betuminosa e argilo-talcosa, cujas camadas mergulham quase verticalmente e se dirigem para a primeira hora, estendendo-se paralelamente à alta serra.217

A ―massa negra‖, ferrífera, onde se encontrava a formação aurífera era um caso ―muito interessante‖ para Eschwege, isto porque não eram representativos ―de modo algum de depósito aluvionar mais recente‖, pareciam, de fato, ―ser da mesma idade da formação [aurífera] primitiva‖.218 Em outras palavras, a ocorrência do ouro se dava em meio a uma jazida de minério de ferro em área de vale ―abaixo do nível das águas correntes vizinhas‖219, onde havia tanto a presença de ouro de depósito secundário quanto a presença de uma matriz de veio aurífero em rocha. Eschwege aponta que o método de exploração adotado em áreas de depósito em vale era o da cata, adotado

principalmente quando a massa rochosa, que se tem de desmontar, é friável. Escava-se, para este fim, um poço circular, tanto mais largo na superfície quanto mais profundo for, de modo a ter sempre a forma de funil e apresentar uma espécie de banquetas. Os negros, transportando o material de desmonte em carumbés, sobem um caminho em espiral.220

O elemento de destaque e que oferece base para toda a exploração do método da cata é a construção das bancadas (ou banquetas) que permitem que o poço, ou cava, se aprofunde na medida em que a abertura superior da cava for também aumentada. O que antes fora uma área de terreno montanhoso ao final do século XVIII já se apresentava como um buraco- cujo ponto mais profundo, segundo Vandelli, media de altura da

216 VANDELLI, Domingos. Op. Cit.1898, p. 272.

217 ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig Von. Op. Cit. Tomo II, 1944, p. 18. 218 Ibidem, p. 18.

219 Ibidem, p. 322. 220 Loc. Cit.

superfície até o ponto mais baixo 100 palmos-, fator sintomático de que nesta área a contínua retirada das camadas de solo e rochas na busca pelo ouro deixou uma marca indelével na paisagem da lavra.

A Figura 1 é a imagem de uma mina a céu aberto explorada por meio de bancadas em seu estado atual, localizada na área, ou próxima221, de onde se situava a lavra da Cata Preta. A imagem serve apenas para ilustrar a representação topográfica de vale de onde se davam as ocorrências de ouro e apresentar uma visão panorâmica de uma mina escavada pelo método atual de lavras de bancada222, tipo de exploração com esquema muito próximo ao da ―cata‖. Devem ser guardadas, evidentemente, as proporções, pois a mina representada pela imagem sofreu a interferência de técnicas e introdução de maquinário pesado para a exploração do minério de ferro.

221 Existem outras áreas de minas próximas a da imagem e não temos como afirmar qual o local exato da

Cata Preta. Seguimos as descrições dos memorialistas que a situam entre o rio de Piracicaba e o córrego do Brumado, próxima a serra do Caraça e situada na freguesia do Inficionado. Sendo assim, optamos por focar na mina de bancada exposta na imagem por ser a que melhor encaixa nas descrições. Reafirmamos que a imagem é meramente ilustrativa e não visa determinar o local exato da Cata Preta.

222 O método da cata é muito parecido com o que nos dias atuais se denomina como ―Lavra por

bancadas‖, a qual é realizada ―quando a jazida possui dimensões verticais e horizontais consideráveis, obrigando a retirada do minério por meio de bancadas, bancos ou degraus‖. FERREIRA, Leonardo Assis. ―Escavação e exploração de minas a céu aberto‖. Trabalho Final de Curso (Graduação em Engenharia Civil) Juiz de Fora: UFJF, 2013, p. 44.

Figura 1 - Imagem de uma mina a céu aberto com exploração por ―lavra de bancada‖,

situada no limite do distrito de Santa Rita Durão, antigo arraial do Inficionado, da cidade de Mariana, aos pés da serra do Caraça.

A exploração aurífera da Cata Preta contava com o recurso hidráulico proveniente do rio Piracicaba e do córrego do Brumado223, sendo ao longo do século XVIII explorada por vários mineradores, comumente, em regime de sociedade. Um dos primeiros e mais antigos dos seus proprietários foi o Sargento-Mor Paulo Rodrigues Durão, cuja posse de parte da Cata Preta permaneceu em sua família até, ao menos, o início da última década do século XVIII.

A denominação ―Cata Preta‖ vem da terra escura, enegrecida pela presença do minério de ferro, em meio a qual havia a ocorrência de ouro em maior conta na lavra. Era comum que um novo descoberto aurífero recebesse o nome do seu descobridor, mas características topográficas ou geológicas também eram tomadas para a designação de uma área específica de mineração. No decorrer da exploração mineral a alcunha ―cata preta‖ prevaleceu e fazia todo o sentido pela particularidade da formação em que se registrava o minério aurífero apresentar o tom enegrecido. Contudo, é possível que antes de ser conhecida como ―Cata Preta‖ a lavra possa ter sido denominada pelo nome do seu descobridor, o que nos leva a crer que o ―Morro de Paulo Rodrigues Durão‖ tenha sido a primeira designação recebida pela lavra de ouro. No ano de 1719 o Governador Dom Pedro de Almeida Portugal, Conde de Assumar, vendeu por meio de seu procurador, o Sargento-Mor Antônio Ferreira Pinto, alguns serviços minerais que tinha ao ―presente nas lavras do Morro do Capitão Paulo Rodrigues Durão‖.224 O comprador dos serviços era o Sargento-Mor Antônio Corrêa Sardinha pessoa de quem Paulo Rodrigues já tinha conhecimento e trato anterior por lhe haver comprado um engenho. Esse conhecimento e interação mútua podem ter influenciado e mesmo favorecido a aquisição dos serviços minerais na lavra de Paulo Rodrigues Durão.225 É preciso considerar que o que estava em negociação eram ―serviços‖ dentro da lavra e não uma parte desta. A posse de serviços, parcelas ou apenas águas dentro de uma lavra não é o mesmo que a posse de parte da lavra ou das terras minerais a serem exploradas.

Todas as negociações no mercado de Mariana que relacionaram a lavra da Cata Preta ou o local assim denominado de modo mais amplo- os arredores onde a lavra se situava, nos quais algumas moradias foram construídas-, dentro do período que abrange nosso estudo, envolveram ou fizeram referência a Paulo Rodrigues Durão. De todo

223 FILHO, Flávio Affonso Ferreira & FONSECA, Marco Antônio. ―Partição da deformação em regimes

contracionais com obstáculos no antepaís: exemplo do sistema de falhas Água Quente, Borda leste do Quadrilátero Ferrífero, MG‖. In: Revista Brasileira de Geociências, 31(3): set/2001, Figura 6, p. 274.

224 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Nota 9, datado de 24/02/1719. 225 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Nota 4, datado de 22/03/1715.

modo, independentemente de quem a descobriu, o fato é que a Cata Preta teve outros indivíduos interessados em sua exploração, porém o Sargento-Mor Paulo Rodrigues Durão sempre esteve ligado por meio de sociedade ou dependências relativas às aquisições de partes da lavra aos demais exploradores, como veremos. Era comum que uma grande área de exploração fosse ―partilhada‖ por diversos mineradores em regime de sociedade, posse de praças (parcelas da área explorada) ou alguns serviços minerais específicos trabalhados dentro dela. A imagem de uma grande área explorada por um único mineiro não condiz com a realidade que observamos em boa parte das negociações de unidades minerais, tanto nas de bens extrativos quanto nas de propriedades rurais mistas.

Em 1722, mais exatamente no dia 22 de fevereiro, Paulo Rodrigues Durão vendeu metade da Cata Preta ao Capitão-Mor Manoel Jorge Coelho e a Francisco Moreira Carneiro pelo valor de uma arroba de ouro, confessando o recebimento de 2.127 oitavas de ouro e o restante para ser pago em um ano e sete meses. Constava da venda, que não incluía escravos,

um serviço de água e umas lavras que se chamava a Cata Preta com terra desmontada com pinta descoberta à vista e dois regos de água postos em cima da dita lavra com quatro casas em cima da dita lavra umas de telha e três de palha.226

A informação de pinta de ouro à vista não foi observada em nenhuma outra escritura de bens extrativos ou propriedades rurais mistas, sendo um indicativo importante de que o serviço de mineração estava em plena, e boa, produtividade aurífera. Para a partilha das terras minerais, as partes interessadas no negócio definiram o veio de água e duas pedras grandes como pontos de referência para a divisão das partes que caberiam ao vendedor e aos compradores. Outros pontos de extração do minério aurífero faziam divisa com a Cata Preta como é o caso da Cata do Matadouro, também pertencente ao Sargento-Mor Paulo Rodrigues Durão, assim é possível que ao redor outros mineradores também trabalhassem a terra mineral e se referissem à área como cata preta. Todavia, o documento é muito claro ao informar que a ―lavra‖ chamada Cata Preta era de pertencimento de Paulo Rodrigues Durão.

A lavra da Cata Preta contava com o redirecionamento da água do córrego do Brumado ou do Rio Piracicaba para o serviço de mineração. A água era desviada do leito fluvial e canalizada até dois tanques próximos à lavra, os quais serviam para dar

maior vazão ao volume da água dos dois regos que atendiam os serviços da lavra. Lembrando que a construção de tanques era o recurso dos mineradores quando queriam dar maior vazão ao volume das águas. A água era acumulada no tanque durante a noite, horário que não se faria uso da mesma, e durante o dia a água represada era liberada juntamente com o fluxo que continuava a vir pelo canal, fazendo-se uso mais eficiente do recurso hídrico.227

Paulo Rodrigues Durão declarava que dos regos que recebiam a água dos dois tanques vendia somente a metade da água que corria ―pelos ditos dois regos‖, pois o restante queria ―levar para outra parte‖, provavelmente para iniciar um novo serviço em outro ponto da parte que lhe ficava pertencendo da Cata Preta. Em virtude disso, Paulo Durão se obrigava a ―de noite deixar cair no tanque a (água) que vem do Brumado para daí se repartir‖ durante o dia na forma combinada. Pelo que conseguimos compreender, cada um dos tanques recebia água de uma canalização diferente, é possível que o outro tanque recebesse a água do Rio Piracicaba. A descrição do documento é vaga, mas pelo que é possível perceber das suas informações a água seria represada no tanque apenas eventualmente, logo, o rego teria uma ligação com a canalização do córrego do Brumado e com o tanque. A preocupação com a utilização da água também perpassava o caminho do pós-uso, pois Paulo Rodrigues Durão também se obrigava a fazer um sangradouro para o despejo (rejeito do minério) que vinha de outra cata sua chamada Matadouro.228

No mesmo dia em que efetuaram a compra o Capitão-Mor Manoel Jorge Coelho e Francisco Moreira Carneiro ajustaram entre si uma sociedade em que estipulavam as condições pelas quais se daria a exploração das terras minerais da parte da Cata Preta que adquiriam.229 A cada um dos sócios cabia a metade da metade da lavra comprada (1/4 do total da Cata), bem como a obrigatoriedade de entrar cada sócio com 30 escravos para o serviço e acrescentar-lhe mais escravos se assim se mostrasse conveniente e a contento de ambos.

O texto da escritura de sociedade deixa claro que ambos deveriam se empenhar para trabalhar em conjunto na lavra, sem a menor possibilidade de dividirem a área explorada tocando cada sócio sua parte do bem de modo isolado, pois a ―dita lavra não (tinha) capacidade para isso‖ em vista do que andariam ―sempre unidos‖. Isso remete a

227 REIS, Flávia Maria da Mata. Op. Cit., 2007, p. 115. 228 Controlava a vazão da água.

diferentes interpretações: a) a lavra não demonstrava capacidade de produção em diferentes pontos dentro do seu limite, por isso o serviço se concentraria num único espaço; b) era um espaço relativamente pequeno para ser dividido; c) ou era uma área que não permitia demasiadas canalizações do rego de água disponível, que já recebia apenas a metade da água disponível (conforme vimos pela declaração do vendedor, Paulo Rodrigues Durão). As duas primeiras interpretações se sustentam muito pouco, pois a inserção de 60 escravos (com possibilidade de aumento deste número) indica que a área de exploração não deveria ser restrita tampouco de baixo potencial produtivo- mesmo porque o trabalho de mineração contava com uma prospecção prévia do potencial produtivo de ouro. Por ser essencial para a atividade mineradora, o recurso hidráulico moderado e controlado a que estava sujeita a lavra era um fator que pesaria nas decisões de como e onde se concentraria o serviço de mineração. Também se deve considerar, que o trabalho de exploração do ouro na lavra deveria ser bem organizado para que não prejudicasse o trabalho como um todo, na amplitude geral do espaço minerado e no decorrer do tempo da exploração. Isso porque utilizando a água para o serviço de desmonte e na separação do ouro dos demais detritos, acrescendo-se o fator climático das chuvas, os mineiros deveriam sempre estar atentos ao processo de infiltração e acúmulo de água no serviço, que por causa das consecutivas retiradas de camadas do material estéril e da formação aurífera resultava numa estrutura que pouco a pouco se aprofundava gerando mais espaço para o acúmulo de água tornando difícil ou impraticável a continuação da mineração. Lidar com este problema era um exercício fundamental- e ainda o é na atividade mineradora dos dias atuais- principalmente num período em que o ―Rosário‖ era o único recurso de retirada de água acumulada no serviço.

Pouco menos de seis meses após a compra e formação da sociedade de mineração, Francisco Moreira Carneiro vendeu o 1/4 que lhe cabia da lavra da Cata Preta a Antônio do Rego Pereira e a Duarte Pereira Ramos. À época em que compraram a lavra ao Sargento-Mor Paulo Rodrigues Durão os sócios só podiam contar com a metade da água que, canalizada do córrego do Brumado, chegava até um tanque e dali era disponibilizada conforme ajuste descrito anteriormente. Após quase seis meses verificamos a especial atenção que os sócios deram ao provimento de água para o funcionamento da cata. Os sócios fizeram a canalização da água por meio de três regos que abasteciam o ―serviço de água‖ que haviam ―metido‖ na lavra. Como a água que vinha da canalização feita do Brumado até a Cata Preta era dividida com Paulo

Rodrigues Durão, a solução para dispor de mais recurso hídrico foi pagar aluguel ―num terço de água‖ de outro minerador.230

Cabe a pergunta: por que ao invés de fazer esses ajustes, acertos com terceiros, simplesmente não se construía outro canal? De certo que muitos construíam seus canais mesmo com a possibilidade de comprar água a outro minerador, mas isso deveria ser bem mais corriqueiro quando o serviço de mineração se encontrava mais próximo de um veio d‘água. Mas tais canalizações podiam chegar às centenas de metros do veio dos rios e córregos até o local da lavra, o que demandava não somente tempo na abertura dos canais como também requeria dispêndio de dinheiro em materiais e principalmente com os escravos que, não estando focados na produção aurífera e sim numa atividade técnica, exigiriam a manutenção da sua sobrevivência de qualquer maneira. A abertura dos canais exigia um bom conhecimento ou prévio estudo do terreno por onde o rego canalizado passaria, afinal, no trajeto que a água faria pelos canais enfrentaria níveis e desníveis topográficos. Outro problema seria a existência de um ou mais canais já postos por outros mineradores ao longo do trajeto escolhido. Ora, diante de tudo isso, encontrando-se a Cata Preta em distância considerável do sistema fluvial e na possibilidade de se captar água de terceiros, o caminho natural para o minerador eram os ajustes com outros mineradores ―proprietários‖ de água.

No documento queleningridlopes (páginas 108-123)