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Mineralização do ouro nas rochas matrizes e deposição aluvional: depósito primário e secundário.

No documento queleningridlopes (páginas 46-51)

Panorama geral da mineração no século XVIII: depósitos auríferos, fatores produtivos e relações com o mercado de bens rurais.

1.1 Mineralização do ouro nas rochas matrizes e deposição aluvional: depósito primário e secundário.

Atualmente, as áreas de conhecimento diretamente ligadas ao estudo da formação, estrutura e composição da crosta terrestre – Geologia - e das atividades de prospecção e extração dos recursos minerais - Engenharia de Minas - demonstram que a ocorrência do ouro, com maior ou menor potencial produtivo, está presente em diversas regiões do Brasil

apresentando diferentes tipos de associações minerais.62 Em Minas Gerais, é no Quadrilátero Ferrífero (estrutura geomorfológica complexa composta por diversos grupos de formações rochosas) que se dão as principais ocorrências de ouro desta macro-região do país.

A formação estrutural do Quadrilátero Ferrífero possui uma história geológica complexa a qual não é nosso objetivo perscrutar.63 Mas cabe aqui abordar, sucintamente, algumas características mineralógicas dos depósitos auríferos do termo de Mariana. Segundo Marcel Auguste Dardenne e Carlos Schobbenhaus, a ―série de minas de ouro‖ encontradas entre Ouro Preto e Mariana - entre elas, as minas de Passagem, Mata Cavalo, Morro de Santana e Antônio Pereira - integra uma mega-estrutura rochosa denominada ―anticlinal Mariana‖, de grande importância para a conformação do minério aurífero na região. O processo de mineralização do ouro se deu nos veios de quartzo das formações rochosas. Analisando os componentes minerais presentes na mineralização da mina de Passagem, Paul Ferrand observa que a jazida é formada por ―um filão de quartzo e pirita aurífera, composto essencialmente de quartzo branco leitoso, de turmalina e pirita arsenical64, com menores quantidades de pirita comum de ferro e pirita magnética‖.65 A estrutura rochosa do Anticlinal

62 Como exemplo deste panorama de estudos, ver: DARDENNE, Marcel Auguste & SCHOBBENHAUS,

Carlos. ―Depósitos minerais no tempo geológico e épocas metalogenéticas.‖ Geologia, tectônica e recursos

minerais do Brasil: texto, mapas e SIG. Brasília, CPRM, 2003; SILVA, Carlos Humberto da et. Al.

―Caracterização estrutural dos veios de quartzo auríferos da região de Cuiabá (MT)‖. In: Revista Brasileira de Geociências, 32(4): p. 407-418, Dez, 2002; CRUZ, Emílio Lenine Carvalho Catunda da & KUYUMJIAN, Raul Minas. ―Mineralizações auríferas filoneanas do terreno Granito-Greenstone do Tocantins.‖ In: Revista Brasileira de Geociências, 29(3): p. 291-298, Jun, 1999. Para um balanço resumido da produção de ouro no Brasil, desde a descoberta do ouro em Minas Gerais até o ano 2000, ver PORTO, Claudio Gerheim et. Al. ―Panorama da exploração e produção do ouro no Brasil‖. Estudo disponibilizado pelo Centro de Tecnologia Mineral, órgão Federativo: http://www.cetem.gov.br/publicacao/extracao_de_ouro/capitulo_01.pdf (Acessado em 01/02/2014).

63 Para detalhamento do processo de formação estrutural da ―Província Mineral do Quadrilátero Ferrífero‖, ver

DARDENNE, Marcel Auguste & SCHOBBENHAUS, Carlos. Op. Cit., 2003, p. 399-404.

64 A ocorrência do ouro no Quadrilátero Ferrífero se deu nas associações minerais das rochas de quartzo com

carbonatos com Arsenopirita (sulfetos de arsênio), Pirita (Sulfeto de ferro) e Calcopirita (sulfeto de cobre), sendo a presença da Arsenopirita o principal sulfeto- o mesmo ocorre na mina de Antônio Pereira. Em contato com a superfície terrestre a arsenopirita pode sofrer reação química e liberar arsênio no meio. Os resultados de um estudo sobre a distribuição e taxa de ocorrência do arsênio na bacia do Ribeirão do Carmo apontam para ―concentrações alarmantes‖ deste metal, de elevada toxidade, na água e nos sedimentos dos rios da região. Segundo os autores ―o sistema aluvial do ribeirão do Carmo é uma potente área de contaminação antiga e recente, pois os rejeitos‖ da mineração desde a exploração dos primeiros mineradores no início do setecentos até as atividades extrativas das minas de Ouro Preto e Mariana ―eram lançados diretamente‖ no ribeirão do Carmo (como também em seu afluente, o rio Gualaxo do Norte). Nos distritos de Bandeirantes e Monsenhor Horta (respectivamente, São Sebastião e São Caetano, em sua primeira denominação) a degradação resultada pela exploração do ouro e a consecutiva deposição do arsênio em suas planícies foi destacada no estudo. Cf. NALINI JR., Hermínio Arias. et. al. ―Análise estratigráfica e distribuição do arsênio em depósitos sedimentares quaternários da porção sudeste do Quadrilátero Ferrífero, bacia do Ribeirão do Carmo, MG.‖ In: Revista da

Escola de Minas. Ouro Preto, 63(4): 703-714, Out/Dez, 2010.

65 FERRAND, Paul. O ouro em Minas Gerais. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais.

Mariana apresenta-se ―fraturada e bastante erodida‖.66 Este processo constante e intensivo de erosão67 é característico do relevo para todo o Quadrilátero Ferrífero.68

Para este processo de erosão, antigo e intenso, contribuíram as ações dos sistemas pluviais (chuvas) e fluviais (rios), tanto como agentes erosivos das rochas como também enquanto principais responsáveis pelo transporte dos sedimentos rochosos e sua realocação para longe dos depósitos primários (rochas matrizes). O transporte e deposição sedimentar para locais diversos foram realizados pelo sistema fluvial, principalmente. O sedimento ao qual nos referimos é composto por fragmentos da rocha matriz gerados no processo da sua erosão e decomposição. Tais fragmentos possuem tamanhos variáveis69 e sobre esse aspecto a ação constante da erosão nas fraturas das rochas não é a única responsável, mas também o processo de transporte dos mesmos fragmentos pelas águas, que modifica tanto sua aparência (arredondada ou angulosa) quanto sua dimensão- pelo atrito que ocasionam uns aos outros reduzindo sua dimensão. Seixos, cascalhos, areias e mesmo a argila são fragmentos da rocha matriz e que, portanto, apresentam a composição da formação dos minérios nela presentes70.

Na sequência dos processos descritos acima, os fragmentos das estruturas rochosas- nas quais se encontram encaixados os veios de quartzo mineralizados na rocha matriz- foram transportados ao longo do tempo pela ação das chuvas e, mais especialmente, pelos rios que entrecortam Mariana. Argilas, areias, seixos ou cascalho, sedimentos fragmentados das formações rochosas contendo os minérios presentes nos depósitos primários (rocha matriz) de onde se desprenderam pela ação da erosão, carregados pela força da água foram sendo depositados nos leitos dos rios, nas suas margens como também nas encostas de morros. O local final da deposição variou de acordo com força e volume dos rios ao longo dos séculos.

66 JÚNIOR, Hermínio Arias Nalini; ROSIÈRE, Carlos Alberto & ENDO, Issamu. ―Sobre a geologia estrutural

do anticlinal de Mariana, região sudeste do Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais. Uma Revisão.‖ In: Revista

Escola de Minas, Ouro Preto, 45 (1 e 2), jan/jul, 1992, p. 18.

67 A erosão somada ao transporte dos sedimentos e sua deposição em novo lugar é conhecida por Intemperismo.

Em outras palavras, o Intemperismo é o ―conjunto de processos de natureza física e/ou química que atuam sobre as rochas produzindo sua quebra, decomposição ou ambas‖ ao longo do tempo. Podemos destacar para o Quadrilátero Ferrífero a ação dos sistemas pluviais e fluviais nesse processo erosivo. ―Glossário geológico‖. IBGE, Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais. Rio de Janeiro: IBGE, 1999, p. 111.

68 Pela análise dos veios de quartzo, dos quartzitos e dos sedimentos fluviais coletados em diferentes pontos do

Quadrilátero Ferrífero, chegou-se a conclusão de que a taxa média de erosão das rochas se deu a razão de 7m por milhão de anos. Cf. VARAJÃO, César Augusto Chicarino, et. al. ―Estudo da evolução da Paisagem do Quadrilátero Ferrífero (Minas Gerais, Brasil) por meio da mensuração das taxas de erosão (10Be) e da

Pedogênese.‖ In: Revista Brasileira Ciência e Solo, vol. 33, n. 5, Viçosa, Set/Out, 2009.

69 Os sedimentos gerados pela fragmentação das rochas matrizes são classificadas segundo a ordem de tamanho

que possuem. São considerados cascalhos os grânulos, seixos, blocos (ou calhaus) e matacões (medindo, em ordem crescente de granulometria entre 2,0 e 256mm); argilas, areias e siltes são as menores partículas e possuem diversas gradações de tamanho (desde 0,004mm até 2,00mm). Dimensões granulométricas baseadas segundo a Escala de Wentworth.

Tal processo deu origem no espaço abarcado pelo termo de Mariana aos depósitos secundários71 dos fragmentos das rochas matrizes, entre os quais se encontrava o minério aurífero. Por conterem os sedimentos rochosos advindos da ação do sistema fluvial, estas jazidas secundárias também são conhecidas como depósitos aluvionais ou de aluvião.72

Destarte, quando os primeiros exploradores chegaram à região, posteriormente conhecida como Minas Gerais, foi o ouro de aluvião que primeiramente encontraram e extraíram dos leitos dos rios, suas margens e escarpas dos montes circundantes. Como o ouro se apresentava nos conglomerados de cascalho, a noção de ―cascalho aurífero‖ desde cedo foi apreendida pelos mineradores e por eles utilizada na identificação das áreas onde havia (ou potencialmente poderia haver) a ocorrência do ouro. A exploração nos morros auríferos (diretamente na rocha matriz) não demorou muito a acontecer, como veremos, porém em caráter rudimentar e de acordo com a tecnologia disponível para esse tipo de extração no século XVIII.73 A mineração, portanto, era praticada por toda a extensão do território sob jurisdição da vila/cidade de Mariana: nos morros auríferos situados na proximidade dos núcleos urbanos da sede do termo e freguesias; nos córregos, cachoeiras e riachos das freguesias, arraiais e inúmeras paragens que ―pipocavam‖, fruto do povoamento que se estendia na medida em que também se estendia a mineração pelo termo de Mariana. Paralelamente, áreas de plantio se estabeleceram tanto nas proximidades dos núcleos urbanos quanto nas suas imediações, adentrando pelas freguesias e rincões mais afastados do território de Mariana.

O Barão Eschwege, no início do século XIX, identificou diferentes jazidas primárias em Minas Gerais, discernindo as especificidades das diferentes naturezas dos tipos das rochas - até então pouco conhecidas - onde o ouro se encontrava mineralizado. Do mesmo modo, caracterizou a ocorrência do ouro nas jazidas secundárias. Em suas palavras:

71 O ouro aluvional chega a ser encontrado há cem quilômetros de distância dos limites do Quadrilátero

Ferrífero, bem ao longe dos depósitos primários onde foi mineralizado. ROESER, Hubert Matthias Peter & ROESER, Patrícia Angelika. ―O Quadrilátero Ferrífero - MG, Brasil: Aspectos sobre sua história, seus recursos minerais e problemas ambientais relacionados.‖ In: GEONOMOS, 18(1): 33-37, 2010, p. 35.

72 De acordo com a definição do Glossário Geológico do IBGE o verbete aluvião significa: ―Designação

genérica para englobar depósitos detríticos recentes, de natureza fluvial, lacustre, marinho, glacial ou gravitacional constituídos por cascalhos, areias, siltes e argilas, transportados por corrente, sobre planícies de inundação e no sopé de montes e escarpas.‖ “Glossário geológico”. IBGE, Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais. Rio de Janeiro: IBGE, 1999, p.17 (Verbete, Aluvião).

73 Somente a partir da segunda metade do século XIX a exploração dos minérios das minas subterrâneas de

Mariana, sendo a primeira a mina de Passagem, seria realizada com a introdução de maquinários, tecnologias e organização científica da exploração pelas Companhias mineradoras inglesas, quando se tornou possível o acesso direto à rocha matriz e aos depósitos auríferos primários em maior escala. Sobre a mineração aurífera inglesa na Mina da Passagem na cidade de Mariana ver: SOUZA, Rafael de Freitas e. Trabalho e cotidiano na

mineração aurífera inglesa em Minas Gerais: A Mina da Passagem de Mariana (1863-1927). Tese (Doutorado

Chego agora à ocorrência do ouro em suas jazidas secundárias, onde se apresenta, ora em rochas compactas (os conglomeratos), ora nas montanhas, disseminado em grãos soltos sobre a rocha e coberta de húmus, ora em ambos os flancos dos vales, ao pé das montanhas, acompanhado de seixos e atingindo alturas consideráveis (grupiaras), ora, enfim, no leito dos rios (no cascalho virgem).74

A Tapanhoacanga (ou canga, nomenclatura dada pelos mineradores) foi por ele definida como a ocorrência de ouro aluvional observada ―frequentemente nas mais altas montanhas, nas encostas inferiores e nos morros arredondados‖ cobrindo-os como ―uma crosta‖, que consistia de seixos que variavam entre o tamanho de uma ervilha (os mais comuns) ―até oito polegadas de diâmetro‖.75 Estes são os conglomerados de rochas com presença de grãos de ouro, que depositados imediatamente nas redondezas dos depósitos primários, sofreram pouca intervenção do intemperismo na sua deposição.

Nas ―areias auríferas dos vales de rios e ribeirões‖, nas margens destes (também conhecidos por tabuleiros) e ―nas encostas das montanhas‖ (escarpas ou fraldas destas, também denominadas como grupiaras), encontrava-se uma ―camada aluvionar de seixos facetados de quartzo e de formações primitivas‖ (de deposição antiga), que poderia chegar até 100 palmos (22 metros) de altura ―acima do nível das águas‖. Recoberto por camadas de solo orgânico e argila repousava o depósito de ouro de tais áreas ―junto dos seixos em quantidade considerável, freqüentemente‖. Eschwege considera o depósito de ouro das grupiaras como resultado de áreas onde antes predominavam vias fluviais ficando acima destas com a diminuição no nível das águas - este processo deve ser pensado em termos de milhares de anos, ao longo da evolução geomorfológica da região.76

Por fim, nos deparamos com a ocorrência de depósito aluvional encontrada pelos primeiros exploradores das Minas Gerais, formada pelo ―cascalho virgem e areias auríferas dos leitos dos rios e ribeirões‖. Estas são as jazidas secundárias originadas do processo (já tratado) de deposição dos sedimentos decompostos das rochas matrizes rolados das montanhas até os leitos dos rios. Enquanto a força da corrente aqüífera carregou consigo as partículas mais leves (areias e argilas), o cascalho de maior densidade e o ouro, por serem mais pesados, se depositaram no estrato mais profundo dos leitos dos rios, conforme se reduzia a ação da correnteza - ou aqueles encontravam obstáculos que os retinham. Segundo

74 ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig Von. Pluto Brasiliensis. Tomo I. Trad. Domício de Figueiredo Murta. São

Paulo: Companhia Editora Nacional, Série Brasiliana Vol. 257, 1944, p. 290. (Obra em dois Tomos disponíveis em formato digital e acessíveis no site da Brasiliana Eletrônica: http://www.brasiliana.com.br/brasiliana/colecao/autores).

75 ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig Von. Op. Cit. Tomo I, 1944, p. 290. 76 Ibidem. p. 293-294.

Eschwege a alcunha de ―cascalho virgem‖ fora dada a tais depósitos de ouro por se encontrarem ―intactos‖ e serem ―primitivos‖ por não terem sido ―revolvidos e novamente depositados‖ a exemplo dos ―cascalhos novos ou cascalhos bravos‖, que provinham de deposição mais recente e que ainda poderiam sofrer a ação do deslocamento no leito dos rios.77

Tendo em mente tudo o que foi dito até aqui, caracterizamos o tipo de ocorrência do ouro das unidades minerais negociadas nas compras e vendas de bens extrativos e propriedades rurais mistas (com unidades minerais) como de rocha matriz (depósito primário) ou de aluvião (depósito secundário), não fazendo distinção para fins de análises gerais deste último se eram nos leitos dos rios, nas suas margens, ou encostas das montanhas. Por rochas matrizes consideramos as unidades minerais situadas em morros auríferos, por isso, essa designação também será utilizada para nos referirmos à ―rocha matriz‖. Conscientes da limitação do nosso conhecimento acerca das características apresentadas in loco pelas áreas de explorações auríferas, por vezes nos limitamos a considerar algumas delas como ―imprecisas‖. Tal limitação nos é posta pela própria ciência histórica, pelos dados com os quais trabalhamos, que nem sempre fornecem informações suficientes para a caracterização do tipo de depósito aurífero, como também pela natureza muito ampla da formação dos solos da região em análise, o que, de veras, não nos cabe e não é nosso objetivo analisar a fundo78. Assim, numa área de vale onde num primeiro momento se realizou a exploração de aluvião poderia, pouco tempo depois, ter sido explorado o ouro de veio de quartzo na rocha. Este é o caso da lavra da Cata Preta que analisaremos detidamente mais adiante. A diferenciação entre os tipos de depósito são fundamentais para as discussões que faremos e, portanto, balizam as análises que se seguem.

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