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Características dos serviços minerais em áreas de rocha matriz.

No documento queleningridlopes (páginas 79-92)

Panorama geral da mineração no século XVIII: depósitos auríferos, fatores produtivos e relações com o mercado de bens rurais.

1.4 Características dos serviços minerais em áreas de rocha matriz.

―O mineiro só se satisfaz quando tem o filão aurífero diante dos olhos e, para satisfazer sua paixão, empregará de preferência todos os seus escravos no serviço de escoamento da água, que lhe custa dez vezes mais caro.‖ Essa crítica é feita por Eschwege ao observar atônito, nos anos iniciais do século XIX, o pouco empenho (ou pouco caso) dos mineiros ao não realizarem serviços de abertura de galerias de modo mais racional visando o máximo aproveitamento da exploração junto às formações rochosas.142

De ―irracional‖ pouco tinha a maneira de explorar o ouro na rocha matriz, afinal se tanto os mineradores com poucos recursos quanto aqueles possuidores de largos cabedais utilizavam os mesmos métodos de exploração é porque todos conseguiam atingir seu objetivo, alcançar o veio aurífero. Sob o olhar da maximização da produção esses mineradores não realizavam a produção de maneira muito ―sensata‖, sem buscar o máximo aproveitamento da

área explorada, mas dentro da lógica dos recursos técnicos e científicos disponíveis aos mineradores, como também através da lógica de observação do sucesso que outros tinham através dos mesmos meios, era o modo viável de minerar. Como nos ensina Witold Kula, em qualquer sistema econômico são realizados atos de opção econômica, e estes últimos nunca são determinados ―exclusivamente por razões de cálculo econômico‖, portanto nessa sociedade, e por variáveis que lhes são próprias, os meios e os métodos de mineração empregados eram cabíveis ao minerador setecentista de Mariana.143

Eschwege não via racionalidade no ato de um mineiro que preferia ―gastar quatrocentos mil réis com a compra de um escravo, a despender cem (mil réis) com a aquisição de maquinismos que poupariam o serviço de dez escravos‖. A indiferença dos mineiros para com o ―aperfeiçoamento de seus serviços‖, segundo o autor, era a causa do ―lastimável estado‖ em que se encontravam, por exemplo, ―os serviços de pulverização das rochas auríferas‖ no século XIX.144

Mas a racionalidade econômica não está pautada no aproveitamento ―perfeito‖ dos recursos, mas sim no uso dos recursos dentro da lógica que estrutura e organiza dada sociedade, pois ―os atos de opção econômica são sempre socialmente condicionados, tem caráter reiterativo, manifestam determinadas regularidades entre as quais existem determinadas relações‖.145 Assim, esses mineradores, vistos com tanta incredulidade pelo Barão Eschwege, eram produto da própria sociedade escravista onde a posse da mão de obra escrava representava uma importante distinção social.146 Logo, sua lógica na prática mineradora se orientava para a aquisição dos escravos e não de maquinário nem na implementação de tecnologias para a maximização da produção. Mas a perplexidade de Eschwege tinha fundamento dentro da sua própria cultura, tão distante da sociedade escravista que aqui encontrou, e do seu conhecimento científico e tecnológico- indisponível ao minerador habitante das Gerais.

Embora a capacidade produtiva da extração do ouro pelo minerador setecentista não contasse com uma racionalidade científica e tecnicista, sem a introdução de maquinários e

143 KULA, Witold. ―Teoria econômica do sistema feudal.‖ Lisboa: Presença, 1979, p. 161.

144 ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig Von. Op. Cit. Tomo I, 1944, p. 349. A pulverização, ou britagem da rocha,

para serem reduzidos à ―pó fino‖ e assim facilitar a apuração do ouro feita na sequência. Em termos atuais, essa redução dos conglomerados em que se encontra o ouro mineralizado é conhecida por ―cominuição‖.

145 KULA, Witold. Op. Cit. 1979, p. 161.

146 Como descrito por João Fragoso, esta era ―uma sociedade escravista e católica, onde a promoção social, para

seus moradores, independentemente do estrato social, era viver à custa do trabalho alheio (...) a alforria era uma dádiva, e o acesso à vida sustentada pelo trabalho alheio, algo almejado por todos, inclusive pelos escravos.‖ FRAGOSO, João. ―E as plantations viraram fumaça: nobreza principal da terra, Antigo Regime e escravidão mercantil.‖ História, vol. 34, n.2, 2015, p. 81.

métodos mais eficientes da exploração, especialmente, do ouro na sua ocorrência na rocha matriz, um século de mineração ―ao modo mais rústico‖ foram suficientes para a alteração da paisagem dos morros auríferos de Mariana.

Recentemente o geólogo Frederico Garcia Sobreira, analisando as alterações paisagísticas da serra de Ouro Preto motivadas pela ação direta do homem na exploração do ouro,147 identificou no distrito de Passagem de Mariana, na continuidade leste da mesma serra, uma área com cerca de 200 hectares de montanha com ―alteração total da morfologia local‖ resultada do extrativismo aurífero no desmonte da encosta. Tal alteração se verificou ―desde o topo até‖ a base onde ocorre a ―drenagem principal‖ para o Ribeirão do Carmo.148 Recorrendo ao uso de software moderno e utilizando dados obtidos a partir da existência ―de vários testemunhos topográficos149 dispersos pela área, Frederico Sobreira estimou que o volume do material escavado na exploração das rochas de Passagem de Mariana chegou a aproximadamente 5,9 milhões de metros cúbicos.150 Com esta informação temos uma idéia da intensidade da exploração do ouro na área denominada pelos mineradores no século XVIII por Morro da Passagem.

Ao contrário dos depósitos aluvionais em que, no mais das vezes, a retirada das camadas estéreis que recobriam os cascalhos auríferos se dava com alguma facilidade- embora, ainda assim, requeressem o dispêndio de tempo, trabalho e introdução de equipamentos auxiliares como as rodas e rosários-, a exploração das jazidas primárias nos morros auríferos exigia um esforço maior do minerador para o desmonte das camadas componentes das formações rochosas. Os morros de Mata Cavalos, Santana e de Passagem de Mariana (inseridos na área urbana de Mariana) sofreram processo de desmonte e escavação de minas continuamente ao longo de todo o século XVIII.

A exploração do ouro diretamente nas rochas matrizes através da ocupação dos morros auríferos se deu de início por indivíduos com pouco poder aquisitivo, livres pobres ou homens libertos e mesmo escravos executando a cata do ouro a jornais ou como faiscadores, os quais ficavam de fora da distribuição das datas minerais nos rios. Isso porque os morros auríferos eram considerados áreas realengas onde a mineração era livre para todos, o que tornou tais locais uma opção viável aos indivíduos que não dispunham de muitos recursos ou os possuíam com restrição. Quando da criação de Vila Rica ―o povo‖ ali concorreu ―requerendo

147 A ação do homem nas modificações do meio ambiente e natureza é conhecida como ―Antropia‖.

148 SOBREIRA, Frederico Garcia. ―Mineração do ouro no período colonial: alterações paisagísticas antrópicas

na serra de Ouro Preto, Minas Gerais.‖ Quaternary and Environmental Geosciences, (2014) 05(1), p. 62.

149 Parcelas do relevo original que não sofreram alteração antrópica. 150 SOBREIRA, Frederico Garcia. Op. Cit, 2014, p. 63.

ao governador Antônio de Albuquerque os morros da vizinhança da vila para faisqueira dos seus escravos‖ o que lhes foi concedido, determinando-se que nos morros não se ―dessem datas, nem houvesse repartições‖ e que a qualquer indivíduo ―que quisesse trabalhar neles‖ bastava adquirir ―seu domínio por posse, e desta seria senhor para a lavrar e vender‖.151

Enquanto muitos subiam os morros por falta de alternativa, devido sua pobreza e marginalização da distribuição das datas em rios grandes ou pequenos, outros mineradores com recursos e larga escravaria se dirigiam a eles tomando posse de parcelas dos morros, fazendo serviços para levar água onde era possível e cada vez mais disputando o espaço e, mais uma vez, marginalizando o pequeno e desprovido minerador.

Até a década de 1720 o espaço de mineração dos morros auríferos não foi repartido por meio do regime de distribuição das terras minerais por sorteio e condicionada à posse mínima de doze escravos, pois sendo os morros considerados por realengos bastava a simples tomada de posse para que o direito da lavra fosse preservado ao minerador. Tal situação começa a se alterar por volta de 1720 quando a regulamentação sobre a atividade mineradora nos morros passou a ser discutida e legislada pelas autoridades coloniais, as quais condicionaram o recurso hídrico como fator para divisão do espaço dos morros auríferos.152

Segundo Dejanira Resende, as partes mais baixas dos morros auríferos passaram a ser ocupadas pelo minerador que conduzia, represava e utilizava a água na extração do ouro, pois estes tinham condições de arcar com os gastos que os mesmos serviços acarretavam- o que era impraticável para os mineradores mais pobres. A autora demonstra que tal processo de divisão dos morros não foi simples, tampouco imperativo: gerou diversos conflitos entre os mineradores mais pobres que requisitavam seus ―direitos constituídos costumeiramente no cotidiano da exploração‖ e os que possuíam cabedais. Estes últimos intentavam reiteradamente retirar dos mais pobres as áreas de mineração livre dos morros auríferos e condicioná-las à repartição por sorteio das datas minerais.153

Apenas duas negociações de unidades minerais em rocha matriz foram realizadas por forros, destas, uma vinculava 11 cativos aos bens vendidos. Na contramão, os indivíduos com

151 ―Relação de algumas antiguidades das Minas.‖ In: FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS,

Maria Verônica (Coords.) Códice Costa Matoso. Vol. I. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. p.225.

152 A área do morro onde não era possível instalar serviços minerais com o uso da água continuava ―livre e

realenga‖ a toda e qualquer pessoa que ali quisesse minerar; já a parte do morro em que havia meios de se conduzir água para efeito da mineração não teria a mesma liberalidade, pois seria condicionada ao regime de distribuição de datas aos mineradores capazes de as explorarem- capacidade que significava posse de escravos e condição econômica favorável. Antes dessa normatização o principal instrumento legislador da exploração do ouro no século XVIII, o Regimento dos Superintendentes e Guardas-Mores de 1702, silenciava em relação aos morros auríferos. RESENDE, Dejanira Ferreira. Op. Cit., 2013.

reconhecimento social portadores de patentes militares, padres, licenciados e doutores estiveram presentes em 39% do total de negociações de bens extrativos com unidades minerais em morro aurífero, contra apenas 3,4% daquelas negociadas por forros. Essa diminuta participação de forros reafirma o processo de exclusão da arraia miúda apontado por Dejanira Resende.

Anteriormente (nos gráficos 8 e 9) vimos que a maior parte das compras e vendas envolvendo serviços minerais em morros auríferos (rocha matriz) envolviam também escravos. Somando todas as negociações de unidades minerais em rocha matriz, tanto dos bens extrativos quanto das propriedades rurais mistas, temos um total de 70 negociações das quais 59 envolviam escravos (84,3%). Dessas últimas, 41 (58,6%) incluíam 12 ou mais cativos na negociação, ou seja, para todos os efeitos, os indivíduos que participaram destas 41 negociações tinham o número mínimo de 12 escravos necessário para adquirir 30 braças de terras minerais- segundo o disposto no Regimento Mineral de 1702. Com isso, queremos apenas indicar que para muitos dos mineradores participantes desse mercado era totalmente viável a aquisição de datas minerais junto à repartição dos rios feita pelos Guardas-Mores. Entretanto, é difícil estimar se a quantidade de escravos negociada refletia a totalidade do plantel de um minerador, pois enquanto o vendedor poderia estar abrindo mão de certa quantidade dos seus escravos e não do todo, o comprador poderia estar apenas somando mais escravos a um plantel já preexistente. O mesmo pode ser pensado para as negociações que não incluíram escravos entre os bens: a ausência de cativos não significa que vendedor e/ou comprador não os possuíssem.

Com base apenas no que foi dito e admitindo que haja uma pequeníssima margem de indivíduos desprovidos de maiores recursos negociando unidades minerais em áreas de rocha matriz, podemos assumir que os mineradores que atuaram neste segmento do mercado eram aqueles que detinham recursos (escravos + poder aquisitivo) para encetar métodos de exploração nos morros auríferos com o auxílio de serviços de água, minerando de modo mais complexo e incisivamente o ouro da rocha matriz.

Como vimos, a água era indispensável à mineração, de modo que os mineradores empenhados na extração do ouro mineralizado nos veios de quartzo dos morros auríferos encontravam mais dificuldades que aqueles que se dedicavam à mineração nos rios e seus arredores para levarem o recurso hidráulico às suas lavras. O nível mais elevado em que se encontravam as explorações em rocha matriz fazia com que os trabalhos executados para se levar a água até as lavras, requisitassem engenhosidade e sistemas de canalizações que exigiam do minerador muitos dispêndios. Não obstante as dificuldades enfrentadas, os

mineradores faziam serviços com intuito de disponibilizar o recurso hídrico nos morros auríferos, como também se associavam ou adquiriam partes de serviços de água de terceiros.

Tanques, regos, águas metidas ou simplesmente serviços de água são elementos que denotam o provimento do recurso hídrico, necessário ao trabalho de mineração, nos morros auríferos. Tais elementos são perceptíveis nas negociações de unidades minerais em morros auríferos. Das 82 escrituras em que foram negociadas unidades minerais em morro aurífero 45,1% (37) incluíram algum tipo de serviço de disponibilização de água para a atividade extrativa (Tabela 2). Aqueles que não dispunham dos seus próprios serviços de água recorriam a acertos com outros mineradores, como veremos adiante.

Tabela 2

Posse de água nas compras e vendas de Unidades Minerais em Morro Aurífero (rocha matriz)154

Tipos de Bens Propriedades rurais mistas Bens extrativos Total de escrituras

Com Serviços de águas 19 18 37

Sem Serviços de águas 4 41 45

Fonte: AHCSM, 1o e 2o Ofícios, Livros de Notas, escrituras de compra e venda (1711-1779).

Os onze serviços minerais ―entre minas e buracos‖ no Morro de Santana que Antônio Rodrigues Farto vendeu a Manoel Rodrigues Pinheiro e Pascoal Pires da Costa contavam com o auxílio de ―um tanque vertente das águas do dito morro‖.155 Do mesmo modo, Tomé Dias Coelho comprou um serviço de lavras a Antônio Gomes Resende com ―rego, tanques‖ e águas metidas com as quais trabalhava na lavra com seu ―talho aberto‖ de onde extraía o material rochoso para apuração do ouro.156 Águas vertentes dos morros, tanques de armazenamento de água, regos que nada mais eram que canalizações de água tirada das vertentes e encaminhadas para onde se fazia a exploração do ouro, todos eram trabalhos ligados à condução ou armazenamento da água em morros auríferos.

Os tanques para armazenamento das águas dos regos, dos canais e das chuvas eram benfeitorias funcionais para a mineração comuns no Morro de Santana. Flávia da Mata Reis explica que tais reservatórios eram feitos quando havia necessidade de aumentar o ―volume das águas‖ utilizadas no desmonte das rochas pelo método do talho aberto. Assim, quando a água canalizada para o serviço mineral não era suficiente usava-se o expediente do

154 Nesta tabela foram inseridos os dados relativos às unidades minerais de morro aurífero que aparecem em

escrituras do tipo ―aluvião e morro‖, ou seja, que tem os dois tipos de depósitos e que só se verifica nas propriedades rurais mistas.

155 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Notas 29, datado de 19/09/1727. 156 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Notas 82, datado de 30/10/1760.

armazenamento noturno da mesma num tanque e durante o dia eram ―utilizadas nos serviços de desmonte‖.157

Os tanques aparecem comumente ligados aos serviços de mineração de buracos e minas de escadas e olivel tipos de exploração, aliás, muito característicos da paisagem extrativa do Morro de Santana. O armazenamento da água nos morros auríferos em tanques é compreensível pela dificuldade de se canalizar regos de água para estes locais.

Ainda que não utilizada diretamente no desmonte das rochas, uma vez que os buracos e minas se davam mais pela ação da força humana na escavação direta da rocha, a posse da água também era importante para apuração do ouro extraído da formação. O recurso hídrico era ainda mais necessário para mineradores que possuíam grandes quantidades de serviços como o Doutor José Barbosa da Cunha que vendeu ―90 e tantos‖ serviços no Morro de Santana, os quais constavam de ―buracos de sarilho e de olivel‖, onde também era dono de ―um tanque e cerca‖.158 Já o Alferes José Gonçalves de Morais ao vender ―66 serviços de buracos‖ no Morro de Santana não contava apenas com um e sim com ―vários tanques‖ para os serviços minerais.159

Pela sua importância, a água era motivo de inúmeros acertos entre os mineradores. Era comum a venda de metade ou qualquer outra parcela ―de uma água‖, como o fez o Guarda- Mor Antônio Rodrigues de Souza ao vender ―três partes de uma água‖ que nascia ―nas cabeceiras do Taquaral seu serviço por onde‖ passava a água até chegar às ―terras minerais que tinha e lhes pertenciam (no) Morro de Mata Cavalos‖, que também vendia.160 Dividida em quatro partes e tendo a posse de três delas, João da Cruz compartilhava o uso desta água- uma canalização qualquer que não é especificada- com outro indivíduo (não citado) o que remete a um acordo em torno do uso da mesma água. Pela dificuldade em encaminhar a água para as lavras dos morros auríferos e pelos gastos que se faziam nestes serviços era providencial a divisão das despesas feitas nas canalizações ou comprar parcela de uma água já encaminhada, ou ainda pagar um ―aluguel‖ pelo uso da água de terceiros do que se empenhar na construção de aquedutos ou regos abertos na terra por níveis que permitissem a afluência da água até a lavra.

As posses de parcelas de água, francamente perceptíveis na documentação, estavam ligadas às composições particulares entre o proprietário da água e o(s) outro(s) indivíduo(s) nela interessado(s). Como no caso dos irmãos Capitão João Botelho de Carvalho e Inácio

157 REIS, Flávia Maria da Mata. Op. Cit., 2007, p. 121.

158 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Notas 94, datado de 25/03/1775. 159 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Notas 69, datado de 16/02/1751. 160 AHCSM, 1o Ofício, Livro de Notas 28, datado de 17/07/1727.

Botelho de Sampaio que venderam a Miguel Corrêa de Souza e João Batista apenas a parte que lhes pertencia ―na água do rego‖, a qual era de propriedade de Domingos Moreira e Tomé Dias Coelho.161 Estes últimos haviam feito com os irmãos Botelho um termo sobre a divisão da tal água do rego no cartório da Ouvidoria de Vila Rica. Apesar de não termos acesso ao mesmo termo, o caso desses mineradores exemplifica as composições, comumente ―amigáveis‖, que faziam entre si para o uso da água encaminhada para os morros.

Os acertos envolvendo o uso de parte da água de terceiros mostram o quanto o uso indevido de uma ―água particular‖ era considerada ação grave, tanto que os termos da concessão do seu uso podiam ser registrados ―em papel‖ de modo a comprovar os acertos e mesmo servir de prova em possíveis contendas sobre seu uso. Dejanira Resende acredita que o fato do Governador ter atendido o pedido do ―povo‖ para que os morros de Vila Rica fossem de livre acesso a todos que quisessem minerar, ficando assim excluídos da repartição dos guardas-mores, teve por intuito dirimir confrontos entre a população local que poderiam ocorrer pela oposição à ―divisão de datas minerais a alguns particulares‖ em tais áreas, o que, ainda segundo Resende, provavelmente ainda não tinha sido feito ―até aquele momento‖ (1711). Até então, não havia a preocupação com ―disputas pela posse das águas‖, mas que passaria a ser o motor de muitas contendas entre os mineradores posteriormente.162

Como visto na Tabela 2, pouco mais de 45% das negociações de unidades minerais em morro aurífero incluíram algum tipo de serviço de disponibilização de água para a atividade mineradora. No entanto, esse percentual não indica que o uso da água era feito por menos da metade dos mineradores que negociaram terras minerais em morros, pois devemos considerar que há uma margem (indefinível) de mineradores que venderam os seus serviços de mineração mantendo, porém, a posse das águas que possuíam nos morros. Os compradores também podiam ter suas próprias águas, ou parcelas de águas, próximas aos serviços minerais que compravam.

Seja como for, os morros auríferos de Passagem, Santana e Mata Cavalos eram os de

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