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Capítulo 2 – Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos

1. Cuidar, cuidador informal e cuidador familiar

1.5. Características do receptor de cuidados

Convém salientar que a maioria das pessoas idosas goza de uma saúde que lhes permite viver de forma independente e empreender múltiplas tarefas e actividades sem necessitar de ajuda. Todavia, as que padecem de doenças crónicas tornam-se vulneráveis à dependência, necessitando de alguém que lhes preste ajuda para

poderem viver condignamente.

Uma pessoa é dependente quando sofre de uma perda mais ou menos importante a nível da sua autonomia funcional e necessita de ajuda de outras pessoas para desempenhar as tarefas do quotidiano. Geralmente, a dependência tem uma multiplicidade de causas e varia com as pessoas. De entre os factores que podem estar subjacentes a uma situação de dependência destacam-se factores físicos, psicológicos e contextuais.

O envelhecimento e deterioração de alguns sistemas funcionais e estruturais do organismo (respiratório, cardiovascular, etc) – envelhecimento biológico – provoca a diminuição da força física, mobilidade, equilíbrio e resistência, que pode desencadear diminuição da capacidade para realizar actividades básicas e instrumentais da vida diária. Este declínio biológico do organismo acontece em todas as pessoas – processo de senescência – mas trata-se de um processo diferencial, já que as pessoas envelhecem de modo diferente e a ritmos diferentes. A ocorrência de certas doenças crónicas durante a velhice, tais como a artrite, osteoporose e fracturas suscitadas por quedas ou outros acidentes, contribuem de forma significativa para a incapacidade e dependência física. Também a diminuição da acuidade sensorial (principalmente, visual e auditiva) concorre em larga escala para a dependência da pessoa idosa, pois dificulta a interacção com o meio.

Em termos psicológicos, como já se referiu, as mudanças cognitivas associadas a uma demência, tal como a doença de Alzheimer, repercutem-se severamente sobre a autonomia, limitando a actividade intelectual e afectando a capacidade de decisão, memorização e recordação, comunicação e execução de actividades quotidianas. Outras doenças do foro psicológico, como a depressão, favorecem a dependência em

idades avançadas, uma vez que contribuem para o isolamento social e declínio cognitivo e funcional.

Os factores contextuais referem-se tanto ao ambiente físico onde vive a pessoa idosa, como às atitudes e comportamentos de quem os rodeia, podendo ou não favorecer a sua autonomia e independência (UAM/IMSERSO, 2002). Um ambiente físico estimulante, com suficientes ajudas técnicas, que conjugue autonomia e segurança, contribui para a autonomia e independência da pessoa idosa no empreendimento das tarefas do quotidiano. O ambiente social pode prevenir ou favorecer a dependência: por vezes, com o intuito de ajudar o idoso, o cuidador (principal ou secundário) faz coisas por ele. Esta circunstância, aparentemente positiva ou favorável, pode ser prejudicial quando se trata de tarefas que o idoso consegue executar, ainda que de uma forma parcial. Por exemplo, o idoso consegue vestir-se sozinho, mas lentamente e com dificuldade, então o cuidador ajuda-o para evitar mais dificuldades e/ou demoras. A frequência desta atitude fará com que a pessoa acabe mesmo por perder a sua capacidade na execução deste tipo de tarefa. Por vezes, acontece que quando o idoso se mostra independente para alguma actividade, o cuidador repreende-o ou critica-o por isso, por exemplo: o cuidador está a executar outra tarefa e o idoso levanta-se, sem ajuda, para mudar de assento; e o cuidador recrimina-o por não ter sido chamado a ajudá-lo.

Quando os cuidadores têm a expectativa de que os seus familiares de idade avançada não têm capacidade de realizar alguma tarefa ou de melhorar em algo, é possível que acabem por prestar mais ajuda do que a necessária. Assim, priva-se a pessoa de praticar comportamentos ou actividades para as quais ainda está capacitada e favorece-se a instauração progressiva da dependência.

O perfil das pessoas que recebem cuidados de um familiar está bem delineado nos estudos empreendidos por Chappell e Litkenhaus (1995) relativamente à população canadense e pela NAC/AARP (1997) reportando-se aos norte-americanos. Apesar de não contemplarem a realidade europeia, permitem adivinhar as características dos actuais e potenciais receptores de cuidados informais.

Assim, a pessoa que recebe cuidados tende a ser, normalmente, do sexo feminino, casada ou viúva e com filhos (Chappell & Litkenhaus, 1995; NAC/AARP, 1997). Apesar das

mulheres terem uma esperança de vida mais longa que os homens1, não significa que

1 O facto das mulheres viverem mais tempo que os homens deve-se, em parte, a razões de cariz biológico. Isto é, as mulheres parecem ser mais resilientes, particularmente durante a infância. Na vida adulta também, pelo menos até à entrada na menopausa, já que as hormonas protegem-nas de doenças cardíacas, por exemplo.

tenham uma vida acompanhada de total ausência de incapacidade. A longevidade feminina torna-as mais susceptíveis às doenças crónicas, tais como, osteoporose, diabetes, hipertensão, incontinência e artrite. Já os homens são mais susceptíveis de sofrer de doenças crónicas como as doenças cardíacas ou os acidentes vasculares cerebrais. Todavia, à medida que as mulheres envelhecem, também estas doenças se tornam nas principais causas de morte e incapacidade no sexo feminino. A visão generalizada de que as doenças cardíacas constituem “pertença exclusiva” do sexo masculino obscureceu o reconhecimento do seu significado junto da população feminina (WHO, 1999).

A média de idades das pessoas a necessitar de cuidados variam entre os 67.7 e os 77 anos (Chappell & Litkenhaus; 1995; NAC/AARP, 1997). Quanto ao grau de parentesco, tendem a ser familiares próximos do cuidador (cônjuge, pai/mãe, sogro(a)), a situação mais comum é a de uma esposa cuidar do seu marido ou de uma filha cuidar da sua mãe (Chappell & Litkenhaus, 1995).

Na origem da prestação de cuidados reside uma multiplicidade de problemas de saúde, e não apenas um problema em particular. Assim, a maioria dos pacientes sofrem de uma variedade de problemas de saúde (artrite ou reumatismo, doenças cardiovasculares, problemas digestivos, perda da acuidade auditiva, hipertensão,

doença de Alzheimer ou outra demência2, diabetes, cancro) e a sua situação é de

natureza crónica.

As actividades de vida diária, onde é mais comum os receptores de cuidados requerem assistência referem-se às tarefas domésticas, transporte e compras (Chappell e Litkenhaus, 1995; NAC/AARP, 1997; NCEA, 2002).

Mas as diferenças entre o sexo masculino e o feminino têm também uma explicação de natureza social. Historicamente, a divisão social do trabalho com base no género tem colocado os homens em situação de maior risco, à medida que a industrialização se desenvolve. Consequentemente, a mortalidade devida a causas ocupacionais sempre foi mais predominante no sexo masculino do que no sexo feminino. Por outro lado, quando se tem em conta os estilos de vida, verifica-se que os homens correm também mais riscos, já que têm tendência a fumar e a beber mais (WHO, 1999).

2 No estudo empreendido pela NAC/AARP (1997), cerca de 22.4% dos cuidadores que constituíram a amostra referiram que prestavam cuidados a uma pessoa com a doença de Alzheimer ou outra demência.