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1. Modificações associadas ao processo de envelhecimento

2.1. Incapacidade, (in)dependência e autonomia: definição de conceitos

Estima-se, actualmente, que 80% das pessoas com 65 anos de idade ou mais padecem, pelo menos, de uma doença crónica e, para muitos, a presença de duas ou mais condições complicam o plano de cuidados (Benjamin & Cluff, 2001). Nalguns casos, como por exemplo na hipertensão, está provado que o tratamento médico é benéfico. Noutras situações, nomeadamente no acidente vascular cerebral, a capacidade funcional do indivíduo poderá ser melhorada através da reabilitação. Noutros casos ainda (artrites, por exemplo) as ajudas técnicas como as canadianas ou o andarilho, poderão ser de grande utilidade para a manutenção de um certo nível de independência no idoso. Quer se revista de carácter físico ou mental (ou de ambos), a doença crónica é uma das maiores causas de incapacidade, significando a perda de independência e, muitas vezes, da própria autonomia.

Autonomia, (in)dependência e incapacidade são conceitos distintos, mas que muitas vezes se confundem e são usados indiscriminadamente. Cabe então tecer algumas considerações acerca do que cada um destes conceitos pretende significar. Baltes e Sivelberg (1995) definem a autonomia como a capacidade do indivíduo em manter o seu poder de decisão, ao passo que dependência significa um estado em que a pessoa é incapaz de existir de maneira satisfatória sem a ajuda de outrem. Assim, a autonomia refere-se à capacidade de decisão, comando, faculdade de se governar a si próprio e de se reger por leis próprias. Evans (1984, citado por Paschoal, 2000) afirma que, para um idoso, a autonomia é mais útil que a independência como um objectivo global, pois é possível restabelecê-la, mesmo quando o indivíduo continua dependente. Por exemplo, um sujeito com fractura do colo do fémur, que ficou limitado a uma cadeira de rodas, poderá exercer plenamente a sua autonomia, apesar de não ser totalmente independente.

De uma forma geral, a dependência traduz-se na necessidade de apoio para a realização de actividades da vida diária, para se ajustar e relacionar com o meio. O Conselho da Europa (1998) define a dependência como “a necessidade de ajuda ou assistência importante para as actividades de vida diária” ou, mais concretamente, como “um estado em que se encontram as pessoas que por razões ligadas à perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, têm necessidade de assistência e/ou ajudas importantes a fim de realizar os actos correntes da vida diária e, de modo particular, os referentes ao cuidado pessoal”. Esta definição encerra a existência de três factores para se poder falar de dependência: a existência de uma limitação física, psíquica ou intelectual que compromete determinadas capacidades; a incapacidade para realizar por si as actividades de vida diária; a necessidade de assistência ou cuidados por parte de terceiros.

Esta perspectiva é coerente com a nova classificação de incapacidades da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2003), denominada Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e que propõe o seguinte esquema conceptual para interpretar as consequências das alterações da saúde:

 Défice na funcionalidade (substitui o termo “deficiência”, tal como se utilizava na anterior classificação): é a perda ou anomalia de uma estrutura ou de uma função anatómica, fisiológica ou psicológica.

 Restrição da actividade (substitui o termo “incapacidade”): restrição ou perda de capacidade para exercer actividades consideradas normais para o ser humano, em consequência de um défice no funcionamento.  Restrição da participação (substitui o termo “desvantagem”):

desfasamento entre as limitações surgidas, na sequência de um défice no funcionamento e/ou restrição da actividade, e os recursos a que o indivíduo tem acesso, ficando em desvantagem no que se refere a um papel social considerado normal.

Embora o conceito de dependência se sobreponha muitas vezes ao de incapacidade, eles não são sinónimos. Por exemplo, o indivíduo que sofre de uma diminuição da acuidade auditiva pode ser incapacitado mas, mesmo se sofrer uma limitação da função, não haverá necessariamente dependência.

A dependência pode então entender-se como o resultado de um processo que se inicia com o surgimento de um défice no funcionamento corporal em consequência de uma doença ou acidente. Este défice comporta uma limitação na actividade. Quando esta limitação não se pode compensar mediante a adaptação

do meio, provoca uma restrição na participação que se concretiza na dependência da ajuda de outras pessoas para realizar as actividades de vida diária.

A evidência empírica tem demonstrado uma estreita relação entre dependência e idade, pois a percentagem de indivíduos com limitações funcionais aumenta nos grupos populacionais mais idosos. Todavia, a dependência percorre toda a estrutura de idades da população, podendo ocorrer em qualquer momento da vida: pode estar presente desde o nascimento; desencadear-se como consequência de uma doença aguda ou acidente na infância, juventude ou vida adulta; ou, mais frequentemente, ir aparecendo à medida que as pessoas envelhecem, como consequência de doenças crónicas ou como reflexo de uma perda geral nas funções fisiológicas, atribuível ao processo global de senescência.

Paschoal (2000) chama a atenção para a presença da dependência ao longo de todo o curso de vida, não sendo um atributo da velhice. Por exemplo, a dependência pode aparecer em situações de crise (por exemplo, viuvez, divórcio, desemprego, guerra), pode ser um traço de personalidade de indivíduos que se considerem fracos e necessitados de ajuda, depende do contexto cultural e normativo e das expectativas sociais (por exemplo, os chineses têm receio de que não tenham filhos ou familiares para cuidarem deles na velhice, já os norte-americanos têm medo de ficar dependentes dos filhos quando envelhecerem).

O conceito de dependência encerra em si mesmo três noções fundamentais (Lezaun & Salanova, 2001): a multidimensionalidade, a multicausalidade e a multifuncionalidade. A multidimensionalidade evoca que a dependência engloba múltiplos domínios: mental, físico, económico, social, assim como a sua combinação. A noção de multicausalidade revela que a dependência não é sinónimo de velhice: nem todos os idosos são dependentes e há muitos dependentes que não são idosos. A nível funcional, e tendo em conta a concepção intrinsecamente negativa que a dependência apresenta nas sociedades ocidentais, esta não tem que assumir apenas uma única função nem o carácter de irreversibilidade com que muitas vezes é perspectivado. A dependência pode revestir-se de uma função adaptativa ou fazer parte do processo de adaptação (por exemplo, a criança, ao longo do seu desenvolvimento, atravessa estádios de dependência).

2.2.1. Dependência: Questões metodológicas

Uma das questões fundamentais é perceber como é que um indivíduo é considerado dependente. Uma pessoa dependente será aquela que durante um

prolongado período de tempo necessita da ajuda de outra pessoa para realizar determinadas actividades do quotidiano. A dependência tem sido avaliada pelo método de avaliação funcional, bastante conhecido e aplicado na prática geriátrica. A funcionalidade tem sido definida como a capacidade de um indivíduo se adaptar aos problemas e exigências do quotidiano e é avaliada com base na capacidade e autonomia de execução das actividades de vida diária (AVD) (Botelho, 2000; Caldas, 2003) que, por sua vez, se subdividem em: a) actividades básicas da vida diária

(incluem cuidados com a higiene pessoal, vestir, alimentar-se, mobilidade); b)

actividades instrumentais da vida diária, indicativas da capacidade para levar uma vida independente no seio da comunidade, como realizar as tarefas domésticas, fazer compras, utilizar os meios de transporte, administrar os medicamentos, gerir os rendimentos; c) actividades avançadas da vida diária, caracterizadas por acções mais complexas e, em grande parte, ligadas à automotivação, como o trabalho, actividades de lazer, exercício físico e contactos sociais. Saliente-se que estas últimas não fazem parte da avaliação funcional multidimensional.

Assim, desde os trabalhos pioneiros de Katz et al. (1963, citado por Marín & CasasNovas, 2001) e de Lawton & Brody (1969, citado por Marín & CasasNovas, 2001), no momento de determinar se uma pessoa é ou não dependente considera-se se ela necessita de ajuda para realizar dois grupos distintos de actividades: as actividades básicas de vida diária (AVD) e as actividades instrumentais de vida diária (AIVD).

Outra dimensão a necessitar de operacionalização centra-se em saber quão dependente é um indivíduo. Conhecer o grau de incapacidade funcional dos sujeitos dependentes é fundamental, pois ajuda a determinar os cuidados necessários. Em termos metodológicos, o grau de dependência tem sido avaliado através de escalas de capacidade funcional. A partir dos trabalhos pioneiros de Katz et al. (1963) e Lawton e Brody (1969) desenvolveram-se diversas metodologias cujo objectivo é conseguir um índice que permita medir (em unidades) o diferente grau de dependência que existe entre os indivíduos com limitações funcionais. De acordo com Marín e Casasnovas (2001), as distintas escalas existentes não só procuram obter uma “medida” da dependência, como proporcionam um conjunto limitado de categorias, obtidas a partir do índice elaborado, que ajudam a classificar os indivíduos dependentes. Segundo Ruigómez e Alonso (1996, citado por Marín & Casasnovas, 2001), grande parte destas escalas foram concebidas para que a avaliação funcional seja de utilidade no âmbito clínico (por exemplo, para avaliar a evolução dos pacientes).

De um modo geral, a dependência tem sido classificada em três níveis: ligeira,

supervisão ou vigilância, já que possui alguma autonomia e consegue realizar determinadas actividades da vida diária. O idoso com dependência moderada necessita não só de supervisão como também de apoio de terceiros para o desempenho de algumas actividades específicas. Finalmente, o idoso com dependência severa necessita de ajuda permanente no seu quotidiano, quer isto dizer que não tem capacidade para executar um determinado conjunto de tarefas elementares: por norma, trata-se de pessoas acamadas ou com graves restrições da mobilidade e que, muitas vezes, possuem outras incapacidades associadas, como por exemplo, dificuldades a nível do controlo esfíncteriano.