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1. Modificações associadas ao processo de envelhecimento

1.1. O envelhecimento biológico

1.1.1. Noção de envelhecimento biológico

O processo de envelhecimento biológico refere-se às transformações físicas que reduzem a eficiência dos sistemas orgânicos e funcionais do organismo, traduzindo-se numa diminuição progressiva da capacidade de manutenção do equilíbrio homeostático que, em condições normais, não será suficiente para produzir distúrbios funcionais. Quando este declínio é muito significativo, ocorre uma importante redução da reserva funcional, colocando o idoso mais vulnerável ao surgimento de doenças crónicas (Netto & Ponte, 2000), que podem levar a alterações na capacidade funcional, ameaçando a sua autonomia e independência. Na sua definição de envelhecimento biológico, Birren e Zarit (1985, 9) sintetizam as ideias anteriores: “envelhecimento biológico, senescência, é o processo de mudança no organismo, que com o tempo diminui a probabilidade de sobrevivência e reduz a capacidade biológica de auto- regulação, reparação e adaptação às exigências ambientais”. A senescência não é sinónimo de doença, mas sim um processo normal de deterioração biológica geral que aumenta a vulnerabilidade do indivíduo à doença e à morte, já que se caracteriza pela redução da reserva fisiológica dos órgãos e sistemas, o que implica a diminuição da capacidade de adaptação do organismo face às alterações do meio ambiente.

O quadro 1.1 resume as principais características do processo de senescência.

Quadro 1.1 – Principais características do processo de senescência  Aumento da mortalidade, uma vez ultrapassada a fase de maturidade.  Modificações na composição química do organismo.

 Transformações progressivas que conduzem à deterioração morfológica e funcional.  Menor capacidade de resposta, a todos os níveis biológicos, perante as agressões e

exigências ambientais.

 Aumento da vulnerabilidade a doenças. Adaptado de Cruz (1996, citado por IMSERSO, 2002).

Saliente-se, ainda, a distinção entre envelhecimento primário (normal), que reflecte o limite intrínseco de longevidade celular, possivelmente pré-programado geneticamente, e envelhecimento secundário (patológico), que ocorre devido aos efeitos acumulados das agressões ambientais, traumatismos e doenças (Spar & La Rue, 2005). Assim, enquanto que o envelhecimento primário parece estar subjacente à longevidade máxima relativamente constante que se observa em quase todos os estudos de espécies de animais, o envelhecimento secundário explica muito da variabilidade entre seres de uma mesma espécie.

No entanto, a definição daquilo que pode considerar-se envelhecimento normal é particularmente complexa. Apesar de, no seio da comunidade científica, haver relativo consenso de que o envelhecimento não implica necessariamente deterioração ou doença, existem dificuldades para estabelecer limites entre envelhecimento normal e patológico. Na tentativa de clarificar esta dúvida, Montorio e Izal (1999) sugerem que se perspective a relação entre envelhecimento normal e patológico como um contínuo. Num extremo, o envelhecimento pode ser claramente separado da doença, já que existem determinadas transformações que jamais poderiam ser consideradas como patológicas, independentemente da sua extensão (por exemplo, as rugas). No extremo oposto, o normal e patológico sobrepõem-se, já que o normal acima de um certo limiar se considera patológico. Assim, por exemplo, um certo grau de descalcificação dos ossos na velhice não se considera doença até alcançar um determinado limite.

Para além do envelhecimento normal e patológico, foi proposto o conceito de “envelhecimento terciário” ou padrão de declínio terminal, caracterizado por mudanças súbitas em diversas capacidades cognitivas e funcionais, ou seja, uma deterioração dos níveis prévios de capacidade diferente das modificações normais associadas à idade (Birren & Schroots, 1996).

1.1.2. Principais modificações estruturais e funcionais

As modificações fisiológicas e anatómicas associadas ao processo de envelhecimento têm o seu início muitos anos antes do surgimento de sinais exteriores. Ou seja, o seu começo é relativamente precoce, por volta do final da segunda década de vida, perpetuando-se de forma pouco perceptível durante a terceira década. Será por volta dos quarenta anos que as primeiras alterações funcionais e/ou estruturais atribuídas ao envelhecimento se tornam mais evidentes, continuando até á morte, isto é, até que o

organismo deixe de conseguir adaptar-se (Berger & Mailloux-Poirier, 1995; Netto & Ponte, 2000).

Na dimensão fisiológica, o processo de senescência provoca o envelhecimento das estruturas e do aspecto geral do corpo humano, bem como o declínio das funções orgânicas. Os quadros 1.2 e 1.3 resumem as principais alterações estruturais e funcionais que fazem parte do processo de envelhecimento primário.

Quadro 1.2 – Alterações estruturais no envelhecimento primário

Alterações estruturais a) Células e tecidos

 Diminuição do número de células activas

 Aparecimento de lipofuscina e de estatina em diversas células

 Abrandamento do ritmo da multiplicação celular  Diminuição do número de glóbulos e perda de

eficácia

 Modificação dos tecidos gordos e subcutâneos  Atrofia e perda de elasticidade tecidular b) Composição global do corpo e peso corporal  Aumento do tecido gordo em relação ao tecido

magro

 Modificações no peso corporal e no peso dos órgãos

c) Músculos, ossos e articulações

 Diminuição de 25% a 30% da massa muscular  Diminuição da mobilidade de diversas articulações  Adelgaçar dos discos vertebrais o que provoca

uma redução de 1,2 cm a 5 cm na altura  Redução da dimensão da caixa toráxica

 Perdas de cálcio (osteoporose)

 Diminuição no funcionamento locomotor e problemas de equilíbrio

d) Pele e tecido subcutâneo

 Perda dos tecidos de suporte subcutâneos; secura e adelgaçar da pele; possibilidade de equimoses e queratoses; modificações vasculares e cutâneas múltiplas

 Atrofia e baixa de eficácia das glândulas sebáceas e sudoríparas

 Perda da elasticidade da pele  Persistência da prega cutânea  Aparecimento de rugas

 Acentuação das proeminências ósseas

 Descair da face, queixo e pálpebras, e alongamento dos lobos das orelhas

e) Tegumentos

 Pelos finos e raros, excepto na face

 Perda de cabelo, calvície ou cabelos brancos  Acizentar ou descolorir dos cabelos

 Espessamento das unhas (onicogrifose)

Quadro 1.3 – Alterações funcionais no envelhecimento primário Alterações funcionais

a) Sistema cardiovascular

 Degenerescência cálcica das válvulas  Diminuição de 18% do volume de água

 Diminuição de 40% do débito cardíaco

(capacidade máxima)

 Aumento da tensão arterial em repouso (sístole e diástole)

 Redistribuição do fluxo sanguíneo: o cérebro, artérias coronárias e músculos esqueléticos recebem um maior fluxo residual do que o fígado e rins.

 Perda de elasticidade dos vasos e acumulação de depósitos nas paredes

 Aumento da resistência dos vasos periféricos b) Sistema respiratório

 Perda de capacidade de expansão pulmonar  Diminuição da capacidade respiratória  Diminuição do consumo basal de oxigénio  Possibilidade de enfisema e bronquite senil  Atrofia e rigidez pulmonar

 Problemas de expectoração das secreções brônquias

c) Sistema renal e urinário

 Diminuição do número de nefrónios

 Diminuição da taxa de filtração blomerular, de filtração tubular e do fluxo sanguíneo renal  Possibilidade de incontinência

 Micções mais frequentes e menos abundantes d) Sistema gastrintestinal

 Modificação dos tecidos dentários, mais difícil ajustamento das próteses dentárias, perda de dentes, cáries, etc.

 Mais lenta cicatrização da mucosa oral  Atrofia das glândulas salivares

 Diminuição do sentido do paladar

 Atrofia da mucosa gástrica e da secreção dos sucos digestivos (lipase)

 Diminuição da secreção de ácido clorídrico, da pepsina e do suco pancreático

 Diminuição do tonus e da motilidade gátrica gerando uma diminuição do esvaziamento gástrico e peristaltismo

 Perturbações da absorção

 Diminução da secreção de enzimas hepáticas e da acção anti-tóxica do fígado

 Ligeira baixa da absorção intestinal

 Diminuição da motilidade do intestino grosso e retardar da evacuação

e) Sistema nervoso e sensorial

 Diminuição do número de unidades funcionais no cérebro

 Perda de massa cerebral

 Baixo consumo de oxigénio pelo cérebro e da perfusão cerebral

 Declínio gradual da condução nervosa e demora no tempo de reacção

 Diminuição da condução periférica e dos neurotransmissores

 Perda de eficácia dos proprioceptores

 Dificuldade no controlo da postura e no equilíbrio  Perda da motricidade fina

 Alteração do controlo do sistema autónomo  Diminuição da capacidade mnemónica a curto

prazo

 Elevação do limiar da percepção do sabor e odores

 Diminuição das sensações tácteis e das que se relacionam com a pressão e a temperatura  Diminuição auditiva (presbiacúsia), sobretudo para

os sons agudos

 Sensações auditivas anómalas (acufenos)

 Diminuição da adaptação à iluminação

insuficiente e à visão nocturna  Presbitia e presbiopia

 Redução da acuidade visual e da visão periférica  Possibilidade de cataratas senis e/ou glaucoma f) Sistema endócrino e metabólico

 Possibilidade de perturbação no metabolismo da glucose

 Abrandamento da utilização peiférica da tiroxina

 Alterações menores do funcionamento

corticosuprarenal

 Baixa do metabolismo basal  Diminuição da taxa de estrogénio g) Sistema reprodutor

 Atrofia dos órgãos genitais internos e externos  Modificação do ritmo de erecção e de

ejaculação

 Modificação da líbido no homem e na mulher  Cessação da actividade reprodutora na mulher

(menopausa) h) Sistema imunitário

 Lentidão da resposta imunitária a um antigénio  Imunodeficiência relativa

i) Ritmos biológicos e sono  Modificação das fases do sono  Períodos mais frequentes de sono ligeiro  Diferente repartição das horas de sono

Todas estas modificações ligadas ao processo de senescência vão levar, como se referiu, a uma perda progressiva da capacidade de adaptação do organismo, isto é, a uma diminuição da sua capacidade funcional, ligada ou não a uma doença. Assim, o processo de senescência coloca o indivíduo numa situação de maior vulnerabilidade à doença, nomeadamente, a problemas crónicos de saúde que os podem limitar na sua vida quotidiana.