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1. Modificações associadas ao processo de envelhecimento

2.2. Envelhecimento e demência

2.2.4. Doença de Alzheimer e Demência Vascular

Como se afirmou anteriormente, a causa mais comum de demência irreversível é a doença de Alzheimer, que pode ser responsável por até 75% de todos os casos de demência (Hay, 2001). A outra causa principal é a demência vascular, provocada por problemas no sistema cardiovascular. Os restantes casos resultam de outras patologias, nomeadamente, SIDA, esclerose múltipla, doença de Huntington, doença de Wilson, doença de Pick, doença de Parkinson, doença de corpos difusos de Lewy, síndroma de Down, doença de Creutzfeldt-Jakob, síndroma de Gerstmann-Straussler- Scheinker, entre outras (APFADA, 1999; Hay, 2001; Instituto da Segurança Social, 2005).

Dada a importância que a doença de Alzheimer e a demência vascular assumem no contexto das causas da demência, far-se-á de seguida uma breve descrição acerca do conceito e principais características destas duas doenças.

Doença de Alzheimer

O incremento da longevidade nos países industrializados, converteu a doença de Alzheimer (DA) num dos principais problemas de saúde. Estima-se que existam entre 15 a 20 milhões de doentes de Alzheimer em todo o mundo (Pfizer, 2004). A sua prevalência aumenta rapidamente com a idade, a partir dos 60 anos, com racios de incidência que duplicam cada 5 anos até, pelo menos, aos 85 anos de idade (Navarro, 2002).

Trata-se de uma doença cerebral irreversível, que ocorre de forma gradual e produz a perda de memória, mudanças comportamentais e de personalidade, e deterioração do pensamento. Trata-se do protótipo de demência degenerativa cortical, isto é, clinicamente provoca uma demência que se acompanha de perturbações cognitivas como a linguagem, as praxias e as gnosias, sintomas estes que predominam ao longo de toda a evolução da doença.

O início da DA ocorre geralmente após os 65 anos de idade, embora a sua manifestação em idades anteriores não seja rara. No entanto, a doença não pode ser considerada como consequência inevitável do processo de envelhecimento, embora com o avançar da idade a sua incidência se intensifique consideravelmente (ISS, 2005).

A DA afecta cada pessoa de modo diferente. Os sintomas poderão ser melhor compreendidos no contexto de três etapas do seu desenvolvimento (ADI/WHO, 1994): etapa inicial, intermédia e tardia. Saliente-se que esta divisão serve como orientação

para perceber o progresso da doença, para ajudar os cuidadores a estarem atentos a potenciais problemas e para permitir o planeamento de futuras necessidades. Não obstante, cada pessoa viverá o progresso da doença de forma diferenciada e distinta.

A etapa inicial é, muitas vezes, incorrectamente interpretada por profissionais, familiares e amigos como algo normal no processo de envelhecimento. Dado que se trata de uma doença de carácter gradual, a identificação do momento exacto do seu início torna-se difícil. A pessoa pode ter dificuldades com a linguagem, apresentar significativa perda de memória (em particular, da memória recente), desorientar-se no tempo e no espaço, ter dificuldade em tomar decisões, carecer de iniciativa e motivação, manifestar sinais de depressão e agressividade, perder o interesse por actividades e divertimentos.

À medida que a doença avança, os problemas vão-se tornando mais evidentes e restritivos. Assim, na etapa intermédia, a pessoa pode tornar-se muito esquecida (especialmente acerca de episódios recentes e nomes das pessoas), incapaz de viver sozinha e de desempenhar as actividades de vida diária (instrumentais e básicas), tornar-se extremamente dependente, demonstrar acentuada dificuldade na fala, começar a deambular, a perder-se na própria casa e a ter alucinações.

A etapa tardia caracteriza-se pela total dependência e inactividade. Os problemas de memória são muito graves e a deterioração física é evidente. A pessoa pode ter dificuldades em se alimentar, não reconhecer familiares, amigos e objectos conhecidos, não entender e interpretar situações, ter dificuldades em caminhar, apresentar incontinência urinária e fecal, comportar-se de forma inapropriada em público, andar numa cadeira de rodas ou estar acamada.

Quanto ao diagnóstico da DA, os critérios mais utilizados são os estabelecidos pelo National Institute of Neurological and Communitive Disorders and Stroke e a Alzheimer’s Disease and Related Disorders Association (NINCDS-ADRDA). Estes critérios classificam a DA em três níveis de certeza diagnóstica: possível, provável e definitiva. O diagnóstico definitivo requer a presença de manifestações clínicas de DA provável e confirmação histológica através de biopsia ou necropsia (quadro 1.10).

Quadro 1.10 – Critérios de diagnóstico da Doença de Alzheimer (NINCDS-ADRDA) Doença de Alzheimer provável

1. Demência estabelecida por exame clínico, documentado por um teste tipo MMSE, Blessed e confirmado por testes neuropsicológicos

2. Défice em duas ou mais áreas cognitivas

3. Deterioração progressiva da memória e outras funções cognitivas 4. Sem alteração da consciência

5. Início entre os 40 e os 90 anos de idade, mais frequente depois dos 65.

6. Ausência de outras doenças sistémicas ou neurológicas que poderiam explicar os défices progressivos

O diagnóstico é apoiado por:

1. Deterioração de funções cognitivas específicas: afasia, apraxia, agnosia

2. Incapacidade para desenvolver as actividades de vida diária e alterações comportamentais

3. História familiar, particularmente se confirmada neurologicamente

4. Resultados de laboratório: exames de liquor (LCR) normal, EEG normal ou com alterações inespecíficas, TC com evidência de atrofia

Doença de Alzheimer possível

1. Síndroma de demência na ausência de outras doenças neurológicas, psiquiátricas ou sistémicas que podem causar uma demência, com variações no início ou no decurso 2. Na presença de outra doença sistémica ou neurológica potencialmente geradora de

demência, a qual não seja considerada como a causa da mesma Doença de Alzheimer definitiva

1. Cumprir os critérios de doença de Alzheimer provável 2. Evidência histopatológica obtida por biopsia ou necropsia. Adaptado de Gregorio (2001)

De acordo com Gregorio (2001), na definição clínica da DA deverão ser analisados vários elementos, nomeadamente: a DA provável é uma síndrome clínica com diversas etiologias, se cada mutação é considerada como uma causa distinta, então pode considerar-se que diferentes etiologias produzem um mesmo fenotipo clínico; a síndrome é definida em função de critérios de inclusão, mais que numa aproximação de exclusão; os critérios NINCDS-ADRDA apresentam uma grande heterogeneidade clínica em termos de idade de início, perfil de anomalias cognitivas, forma de progressão e manifestações comportamentais associadas; não se incluem marcadores biológicos nem de neuroimagem; o início da doença é insidioso e o curso é gradualmente progressivo, o que sugere que a doença pode estar presente durante longos períodos de tempo sem que o paciente e, sobretudo, os familiares consultem os especialistas.

Quanto aos factores de risco da DA, o quadro 1.11 resume aqueles que têm sido mais firmemente estabelecidos na literatura médica:

Quadro 1.11 – Factores de risco da doença de Alzheimer 1. Forma familiar de DA

a) Cromosoma 21 b) Cromosomas 14 e 1 2. Outros factores genéticos

a) História familiar de DA b) Apolipoproteína E4

c) Outras alterações genéticas 3. Processos ligados ao envelhecimento

a) Stresse oxidativo b) Factores vasculares 4. Factores ambientais a) Traumatismo craneoencefálico b) Exposição a estrogéneos c) Exposição a anti-inflamatórios 5. Outros factores de risco

a) Género b) Educação c) Tabaco Adaptado de Navarro (2002)

Demência vascular

O conceito e interpretação que se tem dado à demência vascular tem variado ao longo do tempo, desde as primeiras perspectivas baseadas na deterioração, na diminuição da perfusão cerebral pela arteriosclerose dos vasos, até ao modelo dos múltiplos enfartes (a demência vascular surge na sequência de uma série de pequenos acidentes vasculares cerebrais que deixam áreas de células cerebrais mortas, conhecidas por zonas de enfarte). Actualmente, o conceito de demência vascular abrange todo um espectro de lesões relacionadas com a isquemia cerebral e na sua origem podem residir várias causas, tais como: os enfartes múltiplos, hemorragia cerebral hereditária com amiloidose, atrofia cortical granular, encefalopatia hipertensiva, angiopatia cerebral amiloide (Skoog, Blennow & Marcusson, 1996). A demência vascular surge como resultado da falta de irrigação sanguínea de pequenas áreas do cérebro que provoca a morte das células nestas zona com o surgimento da lesão cerebral permanente (ADI/WHO, 1994; Hay, 2001).

No tocante à sintomatologia, o primeiro sinal evidente é, normalmente, a perda da memória recente. Geralmente, a doença progride de forma escalonada, em que a função mental se vai deteriorando; apesar de poder estabilizar e, inclusive, melhorar

durante algum tempo, acaba por voltar a deteriorar-se. São comuns episódios de confusão aguda. Nas etapas iniciais da doença existe, geralmente, um maior grau de consciência da perda de capacidades e uma relativa conservação da personalidade, quando comparada com a DA (ADI/WHO, 1994).

Relativamente ao diagnóstico, existem vários critérios propostos por diferentes centros e organizações, de entre os quais os mais utilizados, para além da DSM-IV e ICD-10, são os critérios da NINDS-AIREN (National Institute of Neurorological Disorders and Stroke) (quadro 1.12) e da ADDTC (State of California Disease Diagnostic and Treatment Center) (quadro 1.13) (Vicente, 2002).

Quadro 1.12 – Critérios de diagnóstico da demência vascular - NINDS-AIREN Demência vascular provável

1. Existência de critérios clínicos para a demência

2. Presença de doença cerbrovascular definida como a existência de focalidade neurológica (hemiparesia, paralisia facial, sinal de Babinski, défice sensitivo e disartria) derivada de acidente vascular cerebral e confirmada por neuroimagem

3. Relação temporal entre os dois critérios anteriores Demência vascular definitiva

1. Critérios clínicos para demência vascular provável

2. Evidência histopatológica em tecido de biopsia ou autópsia de doença cerebrovascular

3. Ausência de um número de novelos neurofibrilhares e placas neuríticas em excesso relativamente ao esperado para a idade

4. Ausência de qualquer outro processo clínico ou patológico que curse com demência Adaptado de Vicente (2002)

Quadro 1.13 – Critérios de diagnóstico da demência vascular - ADDTC Demência vascular provável

1. Presença de demência

2. Evidência de dois ou mais acontecimentos isquémicos, indícios neurológicos, ou estudos de neuroimagem ou a presença de um único enfarte com associação temporal com o início da demência

3. Evidência neurorradiológica de pelo menos um enfarte fora do cerebelo Demência vascular definitiva

1. Evidência clínica de demência

2. Confirmação anatomopatológica de enfartes múltiplos, alguns fora do cerebelo Adaptado de Vicente (2002).

No que respeita aos factores de risco, a ideia mais generalizada é considerar que os factores de risco para a demência vascular são os mesmos que para a doença cerebrovascular. Na década de 1990, vários estudos procuraram estratificar e

diferenciar os factores de risco específicos para a demência vascular, resultando numa lista de factores que parecem associar-se ao surgimento da demência vascular (quadro 1.14) (Vicente, 2002).

Quadro 1.14 - Factores de risco da demência vascular  Idade avançada  Hipertensão  AVC prévio  Diabetes Mellitus  Enfarte do miocárdio  Fibrilação auricular

 Consumo excessivo de alcool  Nível educacional baixo  Sexo masculino

 Hábito tabágico  Doença carotídea  Alelo APOE4

Adaptado de Vicente (2002)