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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

IV. Estratégias de Enfrentamento

5.1 Caracterização das equipes

Os participantes desta pesquisa, assistentes sociais e psicólogos, atuavam em uma unidade da Assistência Social CREAS de um município da região metropolitana do Vale do Paraíba Paulista. A cidade contava com quatro unidades de CREAS, distribuídos entre as regiões Centro, Norte, Sul e Leste.

Os referidos profissionais tinham em comum o atendimento de indivíduos e suas famílias em situação de ameaça e/ou risco pessoal e social aos seus direitos, em virtude da violência doméstica e de outras vulnerabilidades sociais. As equipes de atendimento eram formadas, em sua maioria, por mulheres (88%), configurando-se uma característica comum na cultura nacional quanto às profissões voltadas ao cuidado de crianças.

Segundo Pitta (1999), a questão do gênero é associada às profissões de cuidado, pelo fato de demandarem sutileza, dedicação e atenção rigorosa, características automaticamente legitimadas como atributos do mundo feminino. Não por acaso, “as profissões no campo da Saúde e da Assistência Social se constituem como profissões em que há uma evidente aproximação entre o mundo público e o mundo doméstico” (PENSO, 2010, p.140).

Considerando que a violência no ambiente doméstico afeta, além de crianças e adolescentes, de forma simultânea a mulher (mãe), torna-se necessário refletir sobre essa relação entre o cuidador e o indivíduo cuidado, ou seja, o fato de ambos os grupos - profissional e vítima - serem mulheres. Ainda que em lugares distintos, os dois convivem numa mesma cultura marcada social e psiquicamente pela relação entre violência e gênero. Assim sendo, a proximidade entre o mundo público e o privado podem trazer consequências para as trabalhadoras do CREAS, no que diz respeito ao risco de não conseguirem separar os aspectos subjetivos inerentes a essa atividade.

Portanto, essa situação confere uma particularidade ao trabalho entre cuidador e paciente, devido às identificações9 ou projeções que podem ser suscitadas nessa relação. [...] essas profissionais entendem que seu trabalho precisa ter uma escuta e uma fala que possa fazer a diferença, mas, ao mesmo tempo, sentem que seu trabalho as mobiliza de modo intenso. (PENSO, et al., 2010, p.140)

O estudo realizado por Penso et al. (2010, p. 150) revelou a influência do trabalho com a violência doméstica na vida pessoal de profissionais mulheres. Suas experiências no atendimento dessa natureza ultrapassaram os limites do espaço profissional e produziram mudanças no modo de lidar com a família e o companheiro, fato que seria reforçado pelo espaço de escuta que permite à mesma reviver sua própria trajetória enquanto mulher nesta sociedade patriarcal, onde “se vê mobilizada, ‘engajada’, emocionalmente com o que lhe é apresentado”.

Acompanhando a lógica do público e privado, é possível supor que o atendimento às crianças e adolescentes também seja um desafio para os profissionais do CREAS, já que a grande maioria (71%) possui filhos. Dessa forma, pelo fato de partilharem o universo da infância, podem ser mais afetados com as questões de violência dirigida a esse público.

A presença da religião enquanto uma forma de expressão da espiritualidade foi citada pela maioria da equipe (79%). Estudos associam crenças e práticas religiosas com condições

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Termos utilizados na Teoria Psicanalítica para designar processos psicológicos inconscientes utilizados, segundo as circunstâncias, para diminuir a angústia ou as tensões resultantes dos conflitos internos; defesa. (Dicionário de Psicologia. Portal psique.com.br, acessado em 3 abr. 2016).

melhores de saúde física e mental (KOENIG, 2001 apud PANZINI; BANDEIRA, 2007), elevação do senso de propósito e significado de vida, fatores esses vinculados a maior resiliência e tolerância ao estresse.

Pazzola (2002) considera que o objetivo principal da espiritualidade é a melhoria dos pensamentos, das palavras e ações, afetando o comportamento dos sujeitos, os quais passam a ter uma noção mais clara da sua identidade e dos valores que necessitam desenvolver para a busca de uma vida melhor. Essa transformação parte do íntimo de cada um e facilita um contato maior com os sentimentos.

Embora os demais profissionais (20% da equipe) não fizessem referência direta a alguma prática religiosa específica, a dimensão da espiritualidade não pode ser descartada como uma estratégia de apoio, já que ela pode ser vivenciada de modo particular e anônimo por essas pessoas.

De acordo com Chequini (2007), o indivíduo convicto de seu pertencimento a um universo maior e de sua participação em um propósito supremo é dotado de dispositivos fundamentais no trato das adversidades, pois essa experiência lhe traz responsabilidade, sentido e significado à sua existência, promovendo processos resilientes junto à realidade em que vive.

A situação trabalhista é outro elemento que merece atenção neste estudo, uma vez que a grande parte dos profissionais, embora concursados, não tinham vínculo estatutário com a Prefeitura Municipal. Mais de dois terços deles eram funcionários de uma fundação destinada ao atendimento de crianças em situação de vulnerabilidade socioeconômica e foram, no decorrer dos últimos 15 anos, inseridos em projeto que atendia essa demanda, o qual, mais tarde, veio a se configurar em um equipamento municipal da Secretaria de Desenvolvimento Social. Nessa transição, tais funcionários viram o seu local de trabalho ser incorporado à área da Assistência Social e transformado em uma unidade do CREAS, sem que sua condição trabalhista e vínculo empregatício fossem alterados. Na prática, encontravam-se “emprestados” para a prefeitura, com os direitos “quase” iguais aos seus colegas estatutários e com pouco esclarecimento do poder público quanto às implicações disso para o seu futuro profissional.

Infelizmente, quando se trata da implementação do SUAS, essa é uma realidade comum no país, marcada por um processo de precarização das condições de trabalho, intensificadas por contratos de trabalho temporários ou terceirizados. Dados do Censo SUAS

201210 (MDS, 2013) apontam que, em 2012, apenas um terço (32,9%) dos profissionais que atuavam no sistema eram estatutários, sendo os demais distribuídos conforme segue: 31,6% temporários; 7,2% contratados em regime CLT; 8,7% comissionados; 14,2% com outro vínculo não permanente; e 5,4% terceirizados.

Assim, conforme nos apontam Brisola e Silva (2014, p. 105), os processos de terceirização, flexibilização e precarização do trabalho atingem o campo das políticas públicas com repercussão direta para o profissional.

A insegurança gerada por contratos precários, associada ao acúmulo de trabalho cada vez mais burocrático inibe a organização dos profissionais, levando-os a sofrimentos tanto físicos como emocionais e a enfrentamentos de caráter individual de questões afetas ao coletivo.

Enquanto isso, a Norma Operacional Básica dos Recursos Humanos do SUAS (MDH, 2011) pressupõe que a gestão do trabalho nesse âmbito deva, entre outros aspectos, garantir a “desprecarização” dos vínculos dos trabalhadores do sistema e o fim da terceirização, bem como garantir a educação permanente dos trabalhadores. Contudo, o que ainda se vê é um cenário de muita defasagem entre o que diz a normativa e o que de fato se encontra nesses locais.

Nesse sentido, tanto os psicólogos quanto os assistentes sociais pesquisados encontravam muito mais semelhanças que diferenças quando o tema em pauta referia-se ao vínculo e às condições de trabalho no campo das políticas públicas, conforme dados analisados a seguir.