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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

IV. Estratégias de Enfrentamento

5.3 Fatores de risco para o trabalhador do CREAS

5.3.1 Impactos do trabalho na saúde

Dejours (1986) defende a ideia de que a saúde das pessoas é um assunto ligado a elas próprias, ou seja, não se pode substituir os atores da saúde por elementos exteriores. Dessa forma, a definição sobre o conceito de saúde e o modo de compreendê-la deve partir de uma investigação que considere os elementos apresentados pelos próprios trabalhadores no que concerne às condições e organização do trabalho.

Foi praticamente unânime entre os participantes desta pesquisa a convicção de que o trabalho que exercem apresenta impactos em sua saúde. Os resultados apontaram uma série de sintomas, que incluem desde aspectos físicos, como fadiga, dores musculares, tensão e insônia, quanto aspectos emocionais, como insegurança, angústia, ansiedade, depressão, etc., passando também por quadros patológicos, a exemplo da hipertensão, gastrite ou obesidade, associados pelos entrevistados ao exercício do seu trabalho.

Segundo Dejours (1986), com exceção das doenças parasitárias e toxicológicas, todas as demais guardam alguma relação com vida psíquica, ou seja, entre o que se passa na cabeça das pessoas e a evolução de sua doença física. Nesse sentido, a saúde vai depender da relação que o indivíduo vai estabelecer com o seu trabalho, marcada muito mais pela busca constante de objetivos, desejos e esperanças do que um estado de bem estar propriamente dito. Sendo assim, a saúde mental está ligada à possibilidade de ter esperança e desejo pelo o que se faz:

O verdadeiro perigo existe quando não há mais desejo, quando ele não é mais possível. Então, tudo se torna muito incômodo e é aí que as pessoas vão muito mal. Quando o desejo não é mais possível, quando não há mais desejo, temos o que se chama ‘uma depressão’.

É a perda da fome, perda da ‘tensão’, do entusiasmo, do desejo: ‘a

depressão’. (DEJOURS, 1986, p.9)

Tudo indica que a experiência inicial com o tema da violência provoca, em alguns profissionais, impactos de ordem física e emocional, além de interferir diretamente no aspecto motivacional, como descrita por um dos entrevistados.

[...] impactava muito fisicamente, inclusive, de perder o sono, de ter distúrbio... Eu perdia o apetite, lembrava de alguma coisa não conseguia comer, [...] a sensação que eu tinha é que era anterior ao pensar. Vinha no corpo e eu tinha que pensar aquilo. [...] Você vai

perdendo assim... Aquela energia de criar, de vamos tentar de novo... Porque é muito pesado. (P2)

De acordo com Figley (1995), o contato frequente com crianças e famílias vitimizadas, na escuta de suas histórias e sentimento de suas dores, pode provocar no profissional sintomas de estresse semelhantes ao vivido por quem ele procura ajudar. Tal fenômeno, chamado de estresse traumático secundário, resulta exatamente do ato de ajudar uma pessoa traumatizada ou em sofrimento. Segundo o autor, há muitas razões pelas quais os profissionais do cuidado estão em risco de desenvolver esse quadro:

a) Empatia: identificar-se com e entender as situações e sentimentos dos outros é uma das mais efetivas ferramentas a se usar quando se trabalha com crianças e famílias. Profissionais que se identificam demais com as pessoas que atende aumentam seu risco de internalizar o trauma dessas pessoas.

b) Tempo de recuperação insuficiente: ouvir histórias de sofrimento e sentir a dor das vítimas é parte de uma carga de trabalho exigente que pode frequentemente desprover os profissionais da “folga” que eles precisam para tratar-se e recuperar-se do que ouviram e viram.

c) Traumas pessoais não resolvidos: o profissional com história de perda pessoal, ou até mesmo, experiência traumática em sua própria vida, pode ter a sua dor “reativada” quando ouve seus pacientes descreverem uma situação traumática similar àquela que ele viveu.

d) As crianças são os membros mais vulneráveis de nossa sociedade: as crianças dependem de adultos para assisti-las em suas necessidades emocionais e físicas. A situação em que adultos maltratam crianças é especialmente dolorosa para um profissional do cuidado, cuja carreira escolhida é protegê-las. Seus sentimentos de tristeza e impotência resultantes os colocam em elevado risco de viver o trauma secundário.

e) O trauma secundário é cumulativo: mesmo os casos aparentemente menos graves, quando testemunhados repetidas vezes, podem ter um efeito negativo sobre os profissionais. (FIGLEY, 1995).

Os profissionais pesquisados parecem reconhecer os riscos aos quais estão expostos quando se deparam com esse trabalho:

[...] deparar-se com as desigualdades sociais e violação de direitos gera angústias; o profissional tem que estar atento para o autocuidado. (P7).

[...] acredito que o contato com esta demanda com direitos violados com várias privações principalmente envolvidos com a violência

doméstica pode afetar/influenciar o emocional e consequentemente o estado de saúde. (P11)

Por isso, conforme apontam Macedo e Dimenstein (2012, p.188), a atuação no campo social com esse tipo de demanda requer uma implicação permanente do trabalhador.

Essa experiência incide, sem dúvida, de imediato em nossos territórios subjetivos (inclusive como pesquisador) produzindo efeitos que desalinham nossas fronteiras identitárias, visto que a intensidade do encontro com essas realidades distintas, com uma pluralidade de forças que geram inúmeras sensações, imagens, pensamentos e ações, indica que não há como sair ileso de tais experiências.

Além da sua natureza, como citado acima, o trabalho também apresenta outras propriedades que podem torná-lo motivo de sofrimento para o indivíduo. Sato (1995) afirma que uma atividade profissional deixa de ser considerada geradora de desgaste mental quando apresenta pelo menos três requisitos: o poder, que diz respeito à possibilidade do trabalhador interferir no planejamento do trabalho, de modo a modificar os contextos que geram incômodo, sofrimento e esforço em demasia; a familiaridade, que se refere à experiência do trabalhador no desempenho da tarefa; o limite subjetivo, que deve nortear o quando, o quanto e o como o trabalhador suporta as demandas do trabalho.

Cada um desses requisitos supõe um trabalhador com recursos para agir enquanto sujeito da sua história, capaz de transformar o seu microssistema e influenciar de modo positivo os demais contextos nos quais mantém alguma relação de reciprocidade. Nessa perspectiva, a saúde do profissional configura-se como um processo no qual as características singulares dos indivíduos e sua variabilidade ao longo do tempo são moldadas pelos diversos contextos que estão constituídos no curso do seu desenvolvimento.