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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

IV. Estratégias de Enfrentamento

5.4 Fatores de proteção para o trabalhador

5.4.1 Suporte da trajetória pessoal de formação

No presente subitem, são discutidos aspectos da trajetória de vida relacionados às experiências no processo de socialização primária (interiorização da linguagem, regras sociais, moral e os modelos de comportamento do grupo a que pertence) e secundária (formação acadêmica e experiência profissional inicial na área) que se apresentam para os profissionais objetos desta pesquisa enquanto recursos de apoio disponíveis diante das dificuldades.

No que tange às características bioecológicas das pessoas, segundo Bronfenbrenner e Morris (1998), o desenvolvimento humano é moldado por três tipos de elementos: disposições

(movimentam e sustentam os processos proximais); recursos (habilidades, experiências, conhecimentos requeridos para o funcionamento efetivo dos processos proximais nos diferentes estágios de desenvolvimento); e demanda (convidam ou desencorajam reações do ambiente social, as quais favorecem ou não a operação dos processos proximais).

O percurso de formação do indivíduo, tanto no aspecto pessoal quanto profissional, pode ser tomado como fator de proteção, na medida em que é referido como suporte no cotidiano do trabalho. As experiências de afeto e os valores adquiridos na convivência familiar são fatores que contribuem de forma significativa, conforme o depoimento de um dos entrevistados:

[...] acho que a formação moral afetiva que eu tive me favorece, principalmente essa questão de ter uma família que tenha essa questão afetiva e que sempre empurrando todos pro educar, pro saber, [...] a questão moral, de lidar com conflitos pessoais de uma forma mais sadia, menos violenta. (P5)

O afeto é referido como uma experiência atrelada ao estímulo para o conhecimento, além de ser uma referência para o estabelecimento de relações mais saudáveis e menos violentas.

A experiência é definida por Bronfenbrenner (2011) como um elemento crítico da compreensão do desenvolvimento humano. Ela pertence à esfera subjetiva dos sentimentos que surgem nos primeiros meses de vida, permanecendo ao longo da trajetória do indivíduo e sendo caracterizada por estabilidade e mudança.

Ainda segundo o autor, a principal característica que evidencia as qualidades experienciais estaria no fato de que as mesmas são “carregadas emocional e motivacionalmente”, envolvendo diversos sentimentos polarizados, como o amor e o ódio, a alegria e a tristeza, a curiosidade e o tédio, etc. Seria, portanto, consenso entre uma quantidade significativa de pesquisas de que a “coexistência dessas forças subjetivas positivas e negativas envolvendo o passado também pode contribuir de maneira poderosa para modelar a direção do desenvolvimento humano no futuro”. (BRONFENBRENNER, 2011, p. 45).

A maioria dos profissionais que participaram desta pesquisa aponta para a íntima relação entre a vida pessoal e o trabalho quando o tema se volta para a compreensão da vulnerabilidade humana. O contato com a dimensão humana, com os seus limites e as suas possibilidades, provoca, no profissional, reações diversas, que vão da empatia e compaixão até a crítica e a resistência no contato com a pessoa atendida. Assim, observa-se que é difícil, nesse âmbito, manter-se neutro ou isolar-se das variáveis citadas.

Fato é que existe um consenso sobre as condições necessárias para que o profissional não se envolva de maneira inadequada nesse trabalho, a ponto de misturar os papéis e não conseguir exercer de modo eficiente a sua tarefa, o que traria prejuízos às famílias atendidas e ao próprio profissional, sob o risco de envolver-se num processo de adoecimento físico e psíquico.

[...] se a gente não tiver bem com a gente mesmo, não tiver outros objetivos, [...] outras metas na vida pessoal que não seja exclusivamente trabalhar, eu acho que isso também acaba desfavorecendo a gente em termos de motivação, de saúde emocional mesmo, de estar vindo disposto pra encarar uma semana difícil, encarar situações difíceis... Então, acho que a gente tem que estar sempre buscando esse equilíbrio. (P5)

A vida pessoal, quando bem avaliada, é apontada como um suporte capaz de gerar motivação para enfrentar os desafios do trabalho, além de favorecer a saúde emocional, aqui compreendida como um elemento importante na disposição para “encarar” uma semana difícil de trabalho.

Do ponto de vista do percurso de formação do psicólogo, Amorin (2007) e o CFP (2009) discutem as suas implicações éticas desse processo de qualificação na conduta do profissional ao desenvolver a sua função.

Convicções pessoais construídas ao longo da formação pessoal e profissional definem escolhas e estão implícitas em atuações. Valores, ideias, sentimentos, atitudes permeiam as práticas e servem para promover ou violar os direitos humanos (AMORIN, 2007, p. 49).

Analisadas sob esta mesma perspectiva, as práticas de trabalho da Psicologia e do Serviço Social estão, de certo modo, condicionadas ao processo de formação do sujeito, determinando a maneira como o mesmo concebe o trabalho e reage frente à demanda.

A formação acadêmica foi destaque nos relatos colhidos para este estudo: defendeu-se que há uma relação entre as experiências acadêmicas e a escolha da área em que o profissional irá atuar. Os estágios, para além da sala de aula, são apontados pelos entrevistados como experiências que contribuíram para a prática profissional em relação à demanda que ora atendem, além de servirem de modelo e referência para o exercício de suas funções atuais:

[...] desde a faculdade acabei fazendo estágios ‘onde’ atendia

famílias em situação de carência econômica, social, fiz estágios em escolas, região escolar próximo de favela, as comunidades assim bem desfavorecidas, e ali já começava aparecer a questão da violência, na formação teve algumas dessas experiências assim mais de estágio

[...] Então acho que essas experiências no aprendizado, e você ter mais identificação com alguns professores, alguns tutores que te orientavam, [...] faz você acabar abrindo um pouco sua prática, seu horizonte pra esse tipo de demanda, de problemática, enfim. (P5)

Algumas características pessoais são apontadas como recursos de proteção que podem favorecer, além do profissional em si, os seus pares.

[...] algumas características que eu acho que são de ordem emocional mesmo, pessoas mais flexíveis, pessoas mais solidárias, eu sempre estimulei muito as equipes que eu trabalhava porque solidão aqui não funciona muito bem, né, é perigoso você trabalhar sozinho, você está fazendo um monte de coisa, mas você não sabe direito o que você está fazendo, não tem ninguém para te apontar. (P6)

A capacidade de ser flexível e a solidariedade com os colegas são atributos que podem contribuir com a equipe, fortalecendo os laços de apoio entre os profissionais.

Segundo Bronfenbrenner (1992), as características das pessoas não podem ser definidas de forma separada dos contextos que a constituem e influenciam o seu desenvolvimento.

Cada qualidade humana é intrincadamente envolvida e encontra os seus significados e mais profundas expressões em ambientes particulares, dos quais a família é o principal exemplo. Como resultado, há sempre um entrejogo entre as características psicológicas da pessoa e as de um ambiente específico, uma não pode ser definida sem referência à outra. (BRONFENBRENNER1992, p. 225).

Por essa razão, os entrevistados no presente estudo sempre trouxeram detalhes de suas trajetórias, relacionados ao ambiente familiar e demais contextos que moldaram suas relações com o mundo e consigo próprios.