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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.5 Resiliência no contexto do trabalho

Neste capítulo pretende-se discutir as diferentes compreensões sobre o fenômeno da resiliência, sua evolução histórica e as relações possíveis com o mundo trabalho.

A maioria dos estudos relacionados ao tema procura retratar situações que destacam principalmente a ideia de superação e transcendência humana em condições de grande adversidade. Personagens conhecidos da história, como Victor Frankl (1905-1997), que viveu as experiências no campo de nazismo e mais tarde viria a retratá-las em seu livro, ou mesmo a artista mexicana, Frida Kahlo (1907-1954), vítima de uma poliomielite na infância e de um grave acidente na idade adulta que a deixaria por muitos anos sequelada em uma cama, são apontados como exemplo de histórias nas quais a resiliência se manifesta enquanto uma condição humana caracterizada pela capacidade de não sucumbir diante das adversidades da vida. (Herrera, 2001),

Num cenário mais próximo, encontramos a pobreza e a vulnerabilidade presente nas periferias dos grandes centros urbanos, desafiando, por gerações, famílias que vivem sob condições extremas de desigualdade social, enfrentando toda a sorte da falta de recursos e violação de direitos, características marcantes desse modo de organização e estrutura social.

Ainda assim, alguns indivíduos, contrariando os prognósticos mais pessimistas, parecem estabelecer outra relação com a situação adversa, apontando para um caminho de adaptação numa direção favorável ao desenvolvimento humano. Nos casos citados e em outros semelhantes, é possível perceber a presença de elementos que sugerem situações de tensão e pressão sobre a vida humana, o que legitima a importância dos estudos que tenham como foco o fenômeno da resiliência. (BARLACH, 2005)

O termo resiliência teria sido empregado inicialmente nos campos da Física e Engenharia, a partir dos estudos do cientista Thomas Young, em 1807, ao descrever um experimento sobre a elasticidade de materiais, buscando estabelecer a relação entre a força que era aplicada num corpo e a deformação que a mesma força produzia, ou seja, a resiliência no caso referia-se à capacidade de um material absorver certa energia sem sofrer uma deformação permanente. (YUNES, 2003).

No âmbito das ciências humanas sua definição não é clara, já que a incorporação do conceito nessa área esbarra na complexidade dos fenômenos humanos e nas múltiplas variáveis que procuram explicá-lo. Segundo Yunes (2003), na Psicologia, o conceito nasce atrelado à ideia de invencibilidade e invulnerabilidade, a partir dos estudos do Psiquiatra infantil E. J. Anthony, o qual acompanhava crianças que apresentavam saúde mental e alta competência apesar das situações de prolongado períodos de estresse e adversidades.

Posteriormente, Rutter (1985 apud YUNES, 2003) questiona a ideia de invulnerabilidade enquanto resistência absoluta ao estresse, e propõe um modelo que relativiza a capacidade de tolerância ao estresse, compreendendo-o como um elemento que -

para além de um atributo inerente ao indivíduo - passa também pelo seu ambiente, o que torna o grau de resistência algo que varia de acordo com as circunstâncias.

Rutter (1970 apud YUNES, 2003), a partir de estudos sobre os efeitos dos conflitos parentais em crianças provenientes de lares desfeitos, trouxe uma importante contribuição para o constructo de resiliência ao sugerir que o impacto sobre o desenvolvimento da pessoa não seria resultado de um único estressor, mas da combinação de dois ou mais estressores, e que os mesmos estressores podem ser percebidos de maneira singular por diferentes pessoas. Do mesmo modo, Martineau (1999) afirma que a resiliência se apresenta de diferentes formas segundo as peculiaridades dos indivíduos e os diferentes contextos, assim como acontece com o conceito de risco.

Para Yunes e Szymanski (2001), essa perspectiva da resiliência, enquanto um traço e característica do indivíduo, ainda apresenta-se como elemento que orienta muitos trabalhos sobre o tema.

[...] a perspectiva no indivíduo busca identificar resiliência a partir de características pessoais, tais como sexo, temperamento e background genético, apesar de todos os autores acentuarem em algum momento o aspecto relevante da interação entre bases constitucionais e ambientais da questão da resiliência. (YUNES; SZYMANSKY, 2001, p.21)

Com o avanço dos estudos, o conceito foi ampliado e entendido não mais como um atributo fixo do indivíduo, mas como uma condição que se altera também em decorrência das circunstâncias. Conforme Infante (2005), o foco de pesquisa, anteriormente voltado às características pessoais que permitiam superar as adversidades - autoestima e autonomia-, é ampliado para a investigação dos fatores externos ao indivíduo, relacionados aos aspectos da família e ao ambiente social nos quais o mesmo se desenvolve.

O próprio Rutter (1987) evidencia a complexidade do tema ao apontar a extensão e variedade de respostas psicológicas envolvidas nesse processo, além de aprofundar a discussão sobre a relação entre risco e resiliência comumente encontrada nos trabalhos dessa natureza.

Assim, o autor sugere uma distinção entre indicadores de risco e mecanismos de risco, ao propor que um evento aparentemente negativo - indicador de risco - não se constitui isoladamente como um risco de fato; ele vai depender de uma série de condições precedentes e consequentes do evento adverso que se desenvolvem ao longo da história do sujeito. Nesse caso, é importante buscar os mecanismos e processos que relacionam o risco à consequência de um determinado fato na vida do indivíduo; tomando-o, assim, como um processo e não como uma variável em si mesma. (YUNES; SZYMANSKY, 2001).

Dentre a geração de pesquisadores que passaram a enfatizar o aspecto dinâmico do conceito de resiliência, Grotberg (1995) é apontada como uma importante representante, ao apresentar um modelo triádico no qual a organização dos fatores de resiliência advém de três diferentes níveis: “suporte social (eu tenho), habilidades (eu posso) e força interna (eu sou e eu estou).” (INFANTE, 2005, p. 25)

De acordo com Infante (2005), autores mais recentes, como Luthar e Cushing (1999); Masten (1999); Kaplan (1999); e Bernard (1999); simpatizam com as ideias de um modelo ecológico-transacional de resiliência que tem suas bases no modelo ecológico de Bronfrenbrenner (1981), o qual compreende o sujeito inserido em um contexto demarcado por diferentes níveis de influência sobre o seu desenvolvimento. Dessa maneira, a resiliência é definida como “um processo dinâmico em que as influências do ambiente e do indivíduo interatuam em uma relação recíproca, que permite à pessoa se adaptar, apesar da adversidade.” (INFANTE, 2005, p. 25).

A partir dessa definição, três componentes são essenciais para a compreensão do conceito de resiliência:

1.a noção de adversidade, trauma, risco ou ameaça ao desenvolvimento humano; 2. a adaptação positiva ou superação da adversidade; 3. o processo que considera a dinâmica entre mecanismos emocionais, cognitivos e socioculturais que influem no desenvolvimento humano. (INFANTE, 2005, p. 25).

De modo semelhante, Assis, Pesci e Avanci (2006) enfatizam o avanço dos estudos nos últimos anos, resultando em uma abordagem mais complexa do conceito de resiliência, ao tratá-lo como um processo dinâmico que envolve a interação de fatores de risco e proteção tanto em nível individual quanto social.

A resiliência está ancorada em dois grandes polos: o da adversidade, representado pelos eventos desfavoráveis, e o da proteção, voltado para a compreensão de fatores internos e externos ao indivíduo, mas que o levam necessariamente a uma reconstrução singular diante do sofrimento causado por uma adversidade. (ASSIS; PESCI; AVANCI, 2006, p. 19).

No campo do trabalho alguns estudos, tem-se utilizado o conceito de resiliência como referencial teórico para pesquisas na área de Psicologia do Trabalho. Ao analisar um grupo de executivos e o seu desafio de conciliar as demandas do trabalho, curso e vida pessoal, Malvezzi (2013) faz uso do conceito de resiliência para explicar a mobilização de recursos psicossociais para o enfrentamento das rupturas e situações de tensão no trabalho. O autor trata o conceito a partir de sua natureza dinâmica, interagindo vários processos do comportamento organizacional relacionados ao estudo do risco, da proteção, da adaptação e da criatividade.

Malvezzi (2013) também discute a ideia de adaptação enquanto um atributo vital e ontológico do ser humano. Tal processo compreende a capacidade do sujeito de aprender a discriminar as situações positivas e negativas e reagir diante delas, provocando alterações tanto no ambiente quanto nos seus recursos individuais.

A fim de superar a conotação ideológica que o termo adaptação positiva pode carregar, o pesquisador defende, ainda, a substituição desse conceito pela ideia de adaptação criativa, caracterizada pela capacidade do indivíduo de não apenas se antecipar às demandas e solicitações do seu trabalho, como também de criar soluções inovadoras no mundo organizacional.

Já Ribeiro et al. (2011) refletem sobre as situações onde a resiliência pode ser promotora de saúde mental, além dos contextos que contribuem para o adoecimento do trabalhador.

Em ambos os casos, os autores defendem a importância de que organização tenha conhecimento dos mecanismos de risco e proteção à saúde de trabalhador, de modo a desenvolver uma política de gestão capaz de reconhecer os desafios presentes e disponibilizar recursos para a sua superação.

Em tempos de grandes transformações da sociedade e com repercussões para a instabilidade do mundo do trabalho, Sennet (2006, p. 13) critica as exigências impostas ao trabalhador, defendendo que “só um tipo de ser humano é capaz de prosperar em condições sociais instáveis e fragmentárias”. Segundo o autor, esse homem seria “fragmentado”, pois tornou-se necessário enfrentar três desafios: (a) tempo: cuidar de relações de curto prazo, e de si mesmo e, ao mesmo tempo, estar sempre migrando de uma tarefa para outra, de um emprego para outro, de um lugar para outro; (b) talento: desenvolver novas capacitações, como descobrir capacidades potenciais à medida que vão mudando as exigências da realidade; (c) abrir mão: permitir que o passado fique para trás.

Job (2003, p. 168), ao estudar o sentido que os trabalhadores atribuíam ao seu trabalho a fim de compreender os fatores de risco e de proteção nele envolvido, destacou dentre os fatores geradores de sofrimento:

[...] a pressão e responsabilidade do trabalho, a incapacidade de aceitar as próprias falhas, a falta de tempo para a família, a falta de apoio dos pares e/ou superiores, a falta de reconhecimento, a frustração e a falta de domínio sobre o futuro.

Quanto aos fatores de proteção, o autor destacou a “autonomia, autoestima, autodeterminação, respeito, reconhecimento, participação da família, amigos, esperança e fé.” (JOB, 2003, p.__). Ainda na visão de Job (2003), a resiliência está associada à autoestima, à

busca de significado para a vida, à esperança, à preservação da identidade, bem como às crenças individuais e à autoafirmação.

Assim, considerar a resiliência enquanto um conceito importante para a compreensão das adversidades no mundo do trabalho não significa tratá-la como um traço de personalidade ou característica pessoal do indivíduo. Ao contrário, ela pode ser compreendida como um conceito mediado pela ideia de processo, ou seja, como uma condição momentânea ou provisória que se sustenta a partir da presença de fatores de risco e da adaptação positiva do indivíduo apesar das adversidades. (YUNES; SZIMANSKI, 2005).