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O trabalho psicossocial à luz da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.6 O trabalho psicossocial à luz da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano

A Teoria Bioecológica, idealizada por Urie Bronfrenbrenner (1977), tem sido uma referência importante para se compreender o desenvolvimento humano em diferentes contextos. No Brasil, a teoria é associada principalmente ao estudo dos contextos em que crianças, adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade pessoal e social estão inseridos. O interesse em tais casos se volta, sobretudo, para os aspectos psicológicos sadios e preservados dessas pessoas, área que vem sendo denominada de Psicologia Positiva. (KOLLER, 2004).

Essa abordagem do desenvolvimento humano, também chamada de Modelo Bieocológico, considera o ambiente um elemento importante para compreensão do ser humano e de seu contexto. Assim, segundo Koller (2004, p.51), “o desenvolvimento consiste em um processo de interação recíproca entre a pessoa e seu contexto através do tempo, sendo uma função de forças que emanam de múltiplos contextos e de relações entre eles”. Enquanto uma teoria multidimensional, sua estrutura propõe a relação entre os níveis Processual, Pessoal, Contextual e Temporal (PPCT) sobre o comportamento humano.

Para a Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner (2004), as características biológicas, cognitivas, emocionais e comportamentais da pessoa, durante o ciclo vital, produzem, dinamicamente, a maneira como ocorrem suas relações interpessoais.

Já o processo proximal é considerado como uma transferência de energia bidirecional ou unidirecional de uma pessoa para com os objetos, símbolos e outras pessoas, estando estas imersas no mesmo ambiente. O processo é o principal componente do modelo bioecológico, por nele se estabelecer o grau das relações dos parceiros entre si e com os outros sistemas. (CARVALHO-BARRETO et. al. 2009).

Os processos proximais são definidos como motores do desenvolvimento e se caracterizam por alguns aspectos apontados por Bronfenbrenner, em 1999.

[...] para que o desenvolvimento ocorra, é necessário que a pessoa esteja inserida em uma atividade; a dita interação nesta atividade deve acontecer efetiva, regular e reciprocamente, através de períodos prolongados de tempo; a atividade deve ainda ser progressivamente mais complexa; e os objetos e símbolos presentes no ambiente imediato devem estimular a atenção, a exploração, a manipulação e a imaginação da pessoa em desenvolvimento. (YUNES; JULIANO, 2010).

A Teoria Bioecológica apresenta o desenvolvimento humano como um processo de interação envolvendo organismo-ambiente; esse último é concebido como um conjunto de estruturas denominadas micro, meso, exo e macrossistema, representados pelos ambientes nos quais o indivíduo se insere, como a casa, a escola, a igreja, os serviços de saúde e o Estado.

A maioria dos temas ligados à Teoria Bioecológica trata do desenvolvimento humano em contextos variados e procura compreender sua relação com os aspectos subjetivos das pessoas, de modo a buscar alternativas de ação frente a essa demanda. Por outro lado, poucos são os estudos que tratam da temática na perspectiva do profissional que atende essa demanda, como ocorre sua vivência no trabalho com esta situação, e o impacto que isso pode ter na sua vida pessoal e profissional.

Enquanto um dos contextos significativos e determinantes da vida humana, o trabalho se apresenta como um espaço propício tanto para o crescimento quanto para o sofrimento humano, dependendo do modo como se estrutura e se organiza. Desse modo, por se apresentar como um espaço contraditório que reúne, ao mesmo tempo, limites e possibilidades, torna-se importante compreender como o mesmo se processa na vida do indivíduo.

No estudo em questão, o trabalho dirigido a populações vulneráveis na área da Assistência Social, tomado como objeto para a pesquisa, é também reconhecido como uma abordagem psicossocial.

No Brasil o termo “psicossocial”8

é atribuído ao trabalho desenvolvido junto à população na área da saúde mental no Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS), que compreende o adoecimento psíquico e a saúde mental como condições resultantes de um conjunto complexo e indissociável de determinações e condicionantes biológicos, psicológicos e sociais. Nesse sentido, Oliveira (2007) define tal termo como:

[...] ações de cuidado pautadas por uma compreensão ampliada do processo saúde-doença (mental), que remetem a uma realidade bio-psico-social

8 O termo passou a ser utilizado a partir da II Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1992. (OLIVEIRA,

histórica e concreta e que se constituem a partir da integralidade e da cidadania. (OLIVEIRA, 2007, p. 695).

Mais recentemente, é possível encontrar essa mesma terminologia empregada na área da Assistência Social quando se refere ao atendimento realizado à população em situação de vulnerabilidade social, conforme orientações da Política Nacional da Assistência Social (PNAS).

Nesse caso, o trabalho psicossocial compreende o sofrimento humano em sua gênese social, buscando o fortalecimento dos vínculos familiares, a autonomia e a construção da cidadania do indivíduo, nas unidades dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS).

Assim, o Modelo Bioecológico pode servir de referência para a compreensão dos componentes essenciais das interações no desenvolvimento humano, ao propor maior enfoque no entendimento de como ocorrem essas interações, as dimensões dos diversos contextos e as propriedades da própria pessoa, ao longo do tempo e de determinados processos aos quais ela está submetida.

3 MÉTODO

A presente pesquisa aborda aspectos do cotidiano de uma equipe de trabalho, composta de profissionais do Serviço Social e Psicologia que atuam no atendimento a famílias em situação de violência doméstica contra crianças e adolescentes, no contexto da Assistência Social. Na perspectiva das Ciências Humanas, as vivências objetivas e subjetivas dos indivíduos são elementos que se supõe serem melhor apreendidos pela pesquisa de natureza qualitativa, uma vez que, tanto do ponto de vista do método clínico quanto antropológico, o homem só pode ser compreendido se tomado na sua cultura, contexto e momento em que vive. (CHIZZOTI, 2003).

Por pesquisa qualitativa compreende-se a abordagem dos fenômenos humanos em um nível no qual eles não podem ser quantificados, onde se privilegia o universo de significados, crenças, valores e atitudes enquanto realidade vivida pelo indivíduo. (MINAYO, 2010).

Ao discutir sobre o paradigma da quantidade-qualidade na pesquisa, Gamboa (2001) defende uma reflexão que não se resuma ao nível da técnica, mas que compreenda também um entendimento mais amplo, através do qual sejam consideradas as distinções entre as características técnicas, metodológicas, teóricas e epistemológicas do estudo. Nesse sentido, apenas o contexto mais amplo da pesquisa é que poderá definir o contorno que a coleta de dados poderá assumir.

[...] os enfoques de pesquisa etnográficos e fenomenológicos destacam os instrumentos e as técnicas que permitem a descrição densa do fato, a recuperação do sentido, com base nas manifestações do fenômeno e na recuperação dos contextos de interpretação e, em contrapartida, limitam a

importância dos dados quantitativos, pelo seu “reducionismo matemático”,

embora os aceitem apenas como indicadores que precisam ser interpretados à luz dos elementos qualitativos e intersubjetivos. (GAMBOA, 2001, p. 90). Desse modo, a escolha pela pesquisa qualitativa foi orientada pelos pressupostos descritos acima, uma vez que a apreensão dos significados e sentidos atribuídos pelos profissionais sobre as experiências vividas neste contexto de trabalho requer técnicas e instrumentos mais adequados para esse fim.