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Caracterização das respostas sociais para sem abrigo

PARTE I: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capítulo 3: Modelos de Intervenção em estruturas residenciais para Sem Abrigo 1 A opinião pública acerca dos sem abrigo

2. Caracterização das respostas sociais para sem abrigo

A estratégia nacional para a Integração de pessoas sem abrigo identifica as respostas sociais existentes, ou a criar, para apoiar as pessoas sem abrigo. Ao nível do alojamento: a) Específico: Enquadram-se nesta designação todas as respostas de alojamento específicas para determinado problema, identificado como dominante; b) Não Específico: Sempre que não seja possível o encaminhamento directo para uma resposta especializada após o diagnóstico, poderá ser necessário recorrer a uma resposta que privilegie, para além da satisfação das necessidades básicas, acompanhamento mais próximo, que permita a elaboração do plano individual de inserção, de duração variável e adequada à situação.

O alojamento poderá ser de 3 tipos, enquadrados na resposta Centro de Alojamento Temporário, de acordo com os objectivos e características das situações: Centros de Alojamento Temporário: 1- Centros de Emergência; 2- Apartamentos partilhados; 3- Centros de Alojamento de média duração.

O Centro de Emergência é um Centro de Alojamento Temporário para resposta imediata e com características muito específicas. Trata-se de uma estrutura que deverá funcionar isoladamente e não acoplado a centro de alojamento temporário, excepto quando não houver outra possibilidade e, nestes casos, desde que esteja garantida a distinção entre situações, nomeadamente no que respeita às regras de funcionamento, estando aberto 24h, 365 dias no ano. O alojamento em Centro de Emergência deverá ser o mais curto possível, não devendo exceder um mês. Objectivos:

Satisfação das necessidades básicas; Diagnóstico de necessidades/triagem e motivação para a inserção; Contactos com outras entidades para apoio imediato (Centro de Saúde, Hospital, ACIDI,IP, Segurança Social, Família); Referenciação das situações para o Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo local

Apartamentos partilhados são apartamentos, em blocos de habitação em meio urbano, não identificados como instituição, que se destinam a ser partilhados por um conjunto de pessoas com determinadas características e competências. O alojamento nestas condições não deverá ser superior a 1 ano e deverá ter um acompanhamento técnico regular (pelo menos semanal).

Objectivos: garantir alojamento a baixo custo, partilhado ou individual, facilitar o processo de autonomização, desenvolver competências específicas de gestão doméstica, gestão de conflitos e partilha; criar condições para a busca activa de alojamento próprio. Exemplo desta resposta é o Housing First que passamos a apresentar de forma mais detalhada.

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O housing first surge como uma nova metodologia de intervenção, baseada no modelo que postula que a habitação deve ser a primeira condição a ser garantida na situação de pessoas sem abrigo com doença mental grave e com problemas aditivos (Gulcur et al 2003; Tsemberis et al 2004). Resultados de experiências pilotos sugerem a melhoria da situação de saúde e redução de custos em termos de consultas de urgência e assistência psiquiátrica. Postulam ainda que estes serviços são frequentemente solicitados como forma de resolver a falta de habitação. A oferta de habitação permanente, independente e sem pré-requisitos relativos ao consumo de substâncias e tratamento, remove obstáculos significativos do acesso à habitação. Ao oferecer serviços de apoio que maximizam a retenção de habitação, o modelo também impede a recorrência da situação de sem abrigo. Em Portugal o projecto-piloto, arrancou em Lisboa, em 2009 e inverte o processo normal de conquista destas pessoas para as retirar da rua ao conceder-lhes primeiro uma habitação digna, trabalhando depois o plano de autonomização. O projecto "house first" é uma das medidas previstas na Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas Sem-Abrigo 2009-2015 que incide em três áreas específicas: prevenção, intervenção e acompanhamento.

Ornelas (2010) adiantou que esta intervenção assenta no modelo Housing First, que tem como elementos centrais a triagem das situações com base em diagnóstico especializado, habitação permanente e integrada, casas individualizadas e separação entre habitação e tratamento. O modelo foi já aplicado em cidades como Nova Iorque (Estados Unidos) e Toronto (Canadá), com elevados níveis de sucesso.

Além de apoios na obtenção e manutenção de uma habitação estável e integrada na comunidade, as pessoas vão beneficiar dos serviços de apoio ao emprego, educação e formação . A Habitação Apoiada pretende dar resposta a necessidades humanas básicas e universais em termos de um local condigno e privado para viver e a pertença a uma comunidade (Ridgway, 2007). Esta abordagem tem como objectivo incrementar a autonomia, a integração social e a qualidade de vida das pessoas, potenciando, assim, as oportunidades de recovery. As pessoas com doença mental ou outra situação de vulnerabilidade devem estar socialmente integradas em contextos de vizinhança mainstream da comunidade, em vez de socialmente segregadas em instituições ou em bairros sociais (Ornelas, 2008). Viver numa casa própria é claramente diferente de viver numa instituição, ao nível da privacidade, liberdade individual, expressão da identidade pessoal, controlo sobre as rotinas, gestão e visitas, relações íntimas, familiares e sociais, estatuto social e sentimento de pertença a uma comunidade (Ridgway, 2007). O modelo de habitação apoiada defende uma clara separação entre os serviços e a casa das pessoas. Os suportes não são entendidos como estruturas físicas (espaços institucionais) mas como serviços prestados

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nos contextos naturais e que apoiam as pessoas, independentemente da sua situação de vulnerabilidade, a viver e a manter-se na sua própria casa.

Um dos aspectos mais inovadores do modelo de habitação apoiada consiste na prioridade dada ao acesso à habitação, considerando que a casa constitui o ponto de partida e não o ponto de chegada da intervenção. O modelo da transitoriedade tem subjacente a ideia que, através das estadias em contextos residenciais especializados, com diferentes níveis de suporte e supervisão, as pessoas vão ficando “preparadas” para mudar para outros contextos mais autónomos (Tsemberis, Gulcur & Nakae, 2004). Por outro lado, estes programas colocam o acesso a uma resposta habitacional dependente de intervenções clínicas específicas, como a adesão ao tratamento. O programa Housing First, desenvolvido pela Pathways to Housing, em Nova Iorque, é um bom exemplo de um programa de habitação apoiada para a população doente mental sem abrigo (Tsemberis, Gulcur & Nakae, 2004). As pessoas devem poder escolher o local onde querem viver, a partir das opções disponíveis no mercado habitacional e com quem querem viver. Do mesmo modo, as pessoas devem escolher sobre o tipo, a frequência e a duração dos serviços de suporte habitacional que recebem. A investigação demonstrou o impacto da escolha nos resultados em termos habitacionais (Nelson, Sylvestre, Aubry, George & Trainor, 2007).

A estabilidade habitacional e a satisfação pessoal aumentam significativamente quando as pessoas têm oportunidades de escolha e quando as suas preferências em termos habitacionais e de suporte são respeitadas. Uma componente essencial dos programas de habitação apoiada é o acesso a subsídios ao arrendamento. A falta de recursos económicos dificulta e impede muitas vezes o acesso à habitação, mantendo as pessoas institucionalizadas, em situações habitacionais precárias ou sem abrigo. Os subsídios de renda têm sido um recurso eficaz, permitindo aceder rapidamente a uma habitação pessoal e integrada na comunidade.

No programa Housing First, nas situações em que as pessoas auferem uma pensão social ou outra prestação social, 30% desse rendimento é canalizado para ajudar a pagar a renda de casa, promovendo-se uma responsabilização individual em relação aos projectos habitacionais.

A criação de parcerias entre senhorios inquilinos e programas de habitação apoiada tem contribuído para o aumento das oportunidades habitacionais e para o fortalecimento dos processos de integração comunitária e recovery das pessoas com experiência de doença mental (Kloos, Zimmerman, Scrimenti & Crusto, 2002). Estes autores referem que o trabalho colaborativo dos vários stakeholders facilita os processos de comunicação, a prevenção e a

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resolução de problemas e o investimento na qualidade das habitações. Os senhorios têm tido, igualmente, um papel facilitador dos processos de integração, disponibilizando informação sobre os recursos comunitários, apresentando os inquilinos aos vizinhos e a outros membros da comunidade, promovendo, deste modo, o estabelecimento de ligações de vizinhança que são fundamentais para o sentimento de pertença e inclusão. Estas parcerias têm facilitado a mobilização de novos senhorios e de outros membros da comunidade que apreciam a oportunidade de colaborar neste tipo de iniciativas, revelando o potencial para intervenções mais abrangentes em termos da melhoria da qualidade de vida dos bairros (Kloos et al, 2002).

Os serviços de suporte devem estar disponíveis 24 horas por dia, 365 dias por ano, mas devem ser flexíveis, individualizados, voluntários e orientados de acordo com as necessidades e preferências individuais. Estes serviços são geralmente proporcionados na casa das pessoas e noutros contextos naturais da comunidade, no sentido de prestarem apoio na gestão e manutenção das casas e para que cada pessoa cumpra as suas obrigações como inquilino.

Os subsídios de renda e os serviços de suporte não devem ser limitados no tempo, nem transitórios, mas devem manter-se pelo tempo que for necessário, variando de acordo com as mudanças que se vão operando na vida das pessoas e ao nível das suas necessidades, tendo por base a avaliação conjunta do processo.

Uma das preocupações que se coloca em termos da habitação apoiada é a questão da solidão e do isolamento social. Este modelo de habitação tem como objectivo apoiar a independência, a participação e a integração comunitária das pessoas em situação de vulnerabilidade. Nesse sentido, o suporte não se deve focalizar exclusivamente nas questões habitacionais, mas promover as ligações das pessoas com os recursos e suportes comunitários, o emprego, os projectos escolares e o fortalecimento das redes de suporte social, no sentido de prevenir o seu isolamento na comunidade.

A maioria dos estudos (Tsemberis, Gulcur & Nakae, 2004; Ridgway, 2007) demonstrou que a habitação apoiada tem resultados muito positivos: Aumenta significativamente a obtenção e manutenção da habitação; promove a integração comunitária; reduz significativamente o número de internamentos e a institucionalização; reduz drasticamente as situações de sem abrigo; diminui o consumo de álcool e drogas; aumenta a satisfação e qualidade de vida; favorece o envolvimento noutras actividades significativas; promove o recovery.

Capítulo 3: Modelos de Intervenção em Estruturas Residenciais para Sem Abrigo

A análise de várias estratégias (Benjaminsen e tal. 2009; Batista, 2009; Benjaminsen and Dyb, 2009; Anderson, 2007) indica uma ampla divisão entre a abordagem do Housing first e outras abordagens para minimizar o problema de sem abrigo. Por outras abordagens entendemos espaços de transição modelos habitacionais ou intervenções que incidem sobre a prestação de serviços de baixo limiar, em vez de habitação. A nossa análise sugere que as estratégias de sem abrigo tendem a defender o housing first, como uma abordagem e estratégia compreensiva que expressa uma nova forma de gerir, e contemplando um vasto conjunto de intervenientes. Por fim os Centros de Alojamento de média duração - São centros que proporcionam o acolhimento, por um tempo limitado, para pessoas adultas em situação de carência, até serem encaminhadas para a resposta social mais adequada. Objectivos: Proporcionar alojamento temporário; Satisfazer as necessidades básicas de sobrevivência; Ajudar a definir um projecto de vida.

Quadro 8: Conceptualização de serviços para pessoas sem abrigo

Abordagens Acomodação

Alojamento Abrigos Nocturnos

Albergues

Suporte tradicional Habitação tradicional Habitação apoiada Habitação comum

Serviços

Recepção/aconselhamento Equipamento de emergência Cozinha e loja de roupas Equipamento médico Suporte social Emprego/formação

Adaptado de Edgar et al 1999, p. 56

Edgar et al (1999) fez uma revisão da habitação de apoio e suporte, sendo o suporte definido como o apoio pessoal ou social organizado, que visa ajudar as pessoas a viverem de forma independente na comunidade. Três tipos de apoio foram identificados (habitação e apoio doméstico; aconselhamento e treino de competências, e apoio de pessoal e cuidados de saúde) e foi reconhecido que as necessidades variam conforme a fase do ciclo de vida. Edgar (2010) distingue entre "o apoio na habitação" (onde o apoio pode ser prestado de forma flexível) e alojamento social (onde há geralmente uma relação contratual entre o alojamento e apoio).

127 Integração permanente

Capítulo 3: Modelos de Intervenção em Estruturas Residenciais para Sem Abrigo

No restante desta revisão, o apoio é visto como um elemento de prestação de serviços para ajudar as pessoas a conseguir uma residência. Edgar e Meert (2005) observaram que as classificações de serviços de apoio contínuo distinguem entre o alojamento e serviços de não alojamento, e entre a emergência e a reintegração em serviços, estando alguns disponíveis para pessoas sem abrigo e também portadores de patologia psiquiátrica (dependência / serviços de saúde mental). Busch-Geertsema et al (2010) apresentaram uma actualização da tipologia de serviços, quer dirigida a pessoas sem abrigo como a portadores de patologia psiquiátrica. Edgar (2009) também forneceu exemplos operacionais da prestação de serviços em contextos nacionais e mapeamento de alojamentos e de serviços.

Postulam a existência de respostas de rua: 1. Equipas de rua para pessoas sem abrigo - equipas multidisciplinares, que estabelecem uma abordagem às pessoas sem abrigo, visando a sinalização de situações, identificação de necessidades, resposta a necessidades básicas, motivação para a inserção e encaminhamento para diagnóstico e identificação; 2.Equipas de intervenção directa - são equipas com intervenção directa junto das pessoas consumidoras de substâncias psicoactivas e suas famílias e das comunidades afectadas pelo consumo de substâncias psicoactivas. Os objectivos das respostas de rua são: Identificar situações de risco; Sensibilizar os toxicodependentes para mudarem o seu comportamento e abandonarem a droga; Incentivar os toxicodependentes a entrar em programas de recuperação, tratamento e reinserção social; Incentivar a família e outras pessoas que rodeiam a pessoa toxicodependente a cooperar no seu processo de recuperação e de reinserção social (por exemplo, dando-lhes informação e encaminhando-os para os serviços de apoio); 3.Equipas de rua especializadas - são equipas que acompanham e encaminham as pessoas com problemas associados à condição de sem abrigo de forma adequada. As equipas devem acompanhar, durante o tempo necessário, os casos que não podem concretizar de imediato uma resposta de alojamento, até estarem reunidas as condições para o mesmo acontecer.

Podemos constatar no quadro 9, que para além das respostas de rua existem algumas respostas que não sendo especificamente destinadas aos sem abrigo se constituem igualmente como recurso para ultrapassar as dificuldades desta população.

Capítulo 3: Modelos de Intervenção em Estruturas Residenciais para Sem Abrigo

Quadro 9: Tipologia de serviços para sem abrigo e pessoas em risco de ser sem abrigo

Tipo de serviço Exemplo

Serviços de prevenção para as famílias em risco de perda Serviços de mediação em casos de conflitos domésticos, de habitação apoio em termos de rendas em atraso, etc

Alojamento de emergência para pessoas sem abrigo Abrigos de emergência

Alojamento temporário Albergues temporários, alojamento provisório, abrigos para vítimas de violência doméstica

Os serviços não-residenciais para pessoas sem-abrigo Centros de dia, serviços de aconselhamento, serviços de saúde, cantina, serviços de educação, formação e emprego

Alojamento para grupos de outros clientes que podem ser albergue, apoio especializado e serviços de assistência utilizados por pessoas desabrigadas residencial para pessoas com problemas de adição e

problemas de saúde mental

Serviços para a população em geral que podem ser Serviços de aconselhamento, serviços de saúde e acção utilizados por pessoas sem abrigo social

Especialista em serviços de apoio a outros grupos que podem ser utilizados por pessoas sem abrigo

Fonte: Busch-Geertsema et al (2010, p.44)

Aconselhamento, serviços psiquiátricos, serviços de tratamento de toxicodependência, serviços de ex- criminosos, os serviços para os jovens em situação de risco

Ao nível de Repostas residenciais prevêm: os Centro de Abrigo são equipamentos de iniciativa municipal ou de entidades particulares cujas finalidades estatutárias incluem a promoção da saúde, cabendo-lhes igualmente a respectiva gestão de acordo com a legislação que os cria. (Decreto-Lei n.º 183/2001 de 21 de Junho). O diploma legislativo que cria os centros de acolhimento e de abrigo tem como objectivo a criação de programas e de estruturas sócio-sanitárias destinadas à sensibilização e ao encaminhamento para tratamento de toxicodependentes bem como, à prevenção e redução de atitudes ou comportamentos de risco acrescido e minimização de danos individuais e sociais provocados pela toxicodependência. António Bento já tinha alertado em 2002, que «na situação presente, não encontramos nenhuma legislação específica para os sem abrigo» (Bento, 2002:44). A estrutura criada, Centro de Abrigo, é definida como espaço de pernoita e destina-se a contribuir para a melhoria das condições de dormida de toxicodependentes sem enquadramento sócio-familiar e para a aproximação destes aos sistemas sociais, procurando o afastamento de meios propícios ao consumo.

A Lei de Saúde Mental (Lei n.º 36/98, de 24 de Julho), embora não se refira especificamente aos sem abrigo poderá ter, todavia, algum impacto nestes. Ao regular o internamento compulsivo das pessoas com doença mental com os pressupostos que este “ por

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força desta (doença mental) crie uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor próprios ou alheios (…) e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico» (art. 12 -1), ou «não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento, quando a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o seu estado» (artº12 -2), cria tentações várias, relativamente ao enquadramento de outras situações de saúde mental, que não tendo qualquer acompanhamento, por ser mais uma exclusão, neste caso a do sistema de saúde, ficaria assim sanada. Em Portugal, estamos perante um vazio em termos de legislação neste domínio. Existem alguns programas residenciais de intervenção junto de sem abrigo dos quais destacamos as comunidades de inserção.

As comunidades de Inserção são estruturas de 2.ª linha que pretendem para além da satisfação das necessidades básicas garantir um apoio bio-psico-social ao sem abrigo, dispondo de uma equipa multidisciplinar especializada. Distinguem-se das de 1.ª linha porque nesta a principal preocupação é a satisfação de necessidades básicas, não sendo prevista uma intervenção que vise a alteração da condição do sujeito, mas sim o apoio pontual e imediato.

Na sua maioria, os sem abrigo são indivíduos dependentes de substâncias químicas, alcoólicos e/ou pessoas com problemas de saúde mental, indivíduos com processos jurídicos graves a decorrer ou pretéritos, o que dificulta a inserção social, familiar e comunitária. Nesse sentido, o único quadro de referência que lhes é ou era acessível, em termos de estruturas organizacionais, corresponde ao das prisões, hospitais, as próprias famílias (muitas vezes disfuncionais e abusivas), centros de acolhimento temporário ou outras respostas de emergência social com cariz mais imediato e, portanto, menos vocacionados para gerar alterações comportamentais passíveis de uma reintegração social.

Após revisão bibliográfica sobre as respostas sociais para sem abrigo destacamos a investigação realizada por Cabrera (2003) dado ter dedicado especial atenção às estruturas residenciais. O autor faz uma análise das diferentes respostas sociais para esta população, na cidade de Madrid, reportando-se ao Programa de Suporte Comunitário criado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, em Espanha, um modelo de prestação de serviços para a população com problemas de saúde mental. Este programa lançado em 1977 facilita o tratamento a longo prazo e a reabilitação social. Mais tarde, em 1987, a União Europeia destacou alguns aspectos da prestação de serviços para população sem abrigo com problemas de saúde mental, incluindo a extensão da doença e o processo de vinculação aos serviços, verificando-se a necessidade de expandir as

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oportunidades habitacionais e de acompanhamento dos diferentes casos de forma mais prolongada (Hopper, Mauch e Morse, 1989).

Os programas que fornecem alojamento aos doentes mentais geralmente excluem os consumidores de substâncias psicoactivas e vice-versa. Normalmente procuram apoio na satisfação das necessidades básicas, tais como alimentação e abrigo, mas raramente, trabalho ou tratamento ao nível da saúde mental (Farr, Koegel e Bunjam, 1986; Mulkein e Bradley, 1986).

Para os sem abrigo com problemas de saúde mental ou de abuso de substâncias psicoactivas a vida nas estruturas de acolhimento pode gerar tensões, de modo que, embora estas possam permitir avaliações e diagnósticos, muitas vezes não conseguem garantir a permanência nem motivar os residentes para o tratamento (Dockett, 1989).

A adaptação às estruturas residenciais é descrita por Grunberg e Eagle (1990) como um processo de aculturação endémica à vida nos abrigos. É caracterizada pela diminuição dos recursos interpessoais, negligência da higiene pessoal, aumentando a passividade e a dependência. Além disso, o facto de percepcionarem a integração em determinada estrutura como uma perca de controlo do rumo da sua vida, contribui significativamente para a baixa auto-estima, ausência de esperança e diminuta auto-valorização. No entanto, antes de integrar as estruturas de acolhimento estão geralmente sem rede social, uma vez que se relacionam maioritariamente com pessoas que