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PARTE I: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capítulo 3: Modelos de Intervenção em estruturas residenciais para Sem Abrigo 1 A opinião pública acerca dos sem abrigo

4. Um projecto de empowerment: Comunidade de Inserção Novo Olhar

4.4. Rotina diária

O dia na C.I.N.O. começa às 7:30 da manhã e termina às 22:45. É composto por tarefas de manutenção do espaço, actividades ocupacionais, lúdico-pedagógicas, tempo livre, aconselhamento individual, dinâmicas de grupo e hábitos de higiene pessoal. A estas actividades acrescem todas as diligências feitas por cada indivíduo no sentido de tratar de assuntos pessoais que tenham a ver com saúde, segurança social, justiça, formação, emprego, habitação e família. A rotina dos fins-de-semana tem um grau de exigência menor, dedicada ao descanso, lazer e vida social, tendo em conta que o Domingo foi definido como “dia livre”, sendo por isso gerido pelos próprios. Os residentes tem a possibilidade de acordar mais tarde e a tónica é colocada nos momentos grupais: Reunião Comunitária ao Sábado e Reunião de Residentes ao Domingo. A rotina diária comporta um conjunto de actividades planeadas, inter-relacionadas e projectadas para alcançar objectivos terapêuticos e estruturais, direccionadas especificamente para fomentar a coesão grupal, sentimento de pertença à estrutura, bem como, reduzir a ansiedade associada ao tempo livre.

Desta forma, respeitar os horários estabelecidos e o programa de actividades permite readquirir capacidades de gestão do tempo, fazer uso construtivo do tempo livre pessoal, planear contactos com outras instituições ou pessoas importantes para o seu projecto de vida fora da Comunidade de Inserção, ensaiando experiências gratificantes que reforcem o sentimento de segurança, de pertença e identidade.

O estilo de vida dos residentes da CINO foi pautado, até então, por uma falta de estruturação do seu dia-a-dia. Estão claramente ausentes a estipulação de objectivos, as rotinas de trabalho, a realização de tarefas e a capacidade de gestão do tempo. De certa forma, esta falta de estruturação externa culmina numa desorganização interna (défice de auto-controlo, irresponsabilidade, falta de motivação generalizada).

Capítulo 3: Modelos de Intervenção em Estruturas Residenciais para Sem Abrigo

Esta rotina diária confere aos residentes a aquisição de competências pessoais e sociais, com vista a uma maior tolerância à frustração, à temporização da satisfação imediata e à capacidade de estabelecer objectivos a longo prazo, ajustando, desta forma, as suas emoções. É particularmente esta rotina que permite aos residentes consciencializar-se que a concretização de metas ocorre passo-a- passo, promovendo um desempenho constante, uma crescente tolerância à repetição das tarefas, moderar comportamentos extremos, regular pensamentos e emoções.

A intimidade da vida numa comunidade também acentua a necessidade de injunções restritas contra a mentira, o roubo, a manipulação, emprestar e pedir emprestado, práticas sexuais ou a complacência com esses comportamentos noutras pessoas. Assim, torna-se fundamental a implementação e treino de um código moral explícito, sem o qual a própria filosofia de base da comunidade estaria ameaçada.

Na CINO o desenvolvimento moral deve ser replicado pelo exemplo dos companheiros, colegas de casa ou mesmo dos técnicos. Reconhecendo um passado de ruptura com os valores e normas sociais, a Comunidade permite o reaver dessas perdas através de rotinas e comportamentos estruturantes de modo a vivenciar a honestidade (em palavras e acções) e a atenção responsável, ou seja, os residentes assumem gradualmente responsabilidade pelo projecto dos outros (Ottenberg, 1978).

Estes códigos de conduta contrastam com os códigos da rua, da prisão ou das próprias famílias disfuncionais, nos quais os indivíduos são obrigados a proteger-se e compactuar com eles. Os privilégios e sanções constituem um sistema integrado de administração terapêutica e comunitária visando um treino comportamental. Os privilégios são recompensas explícitas concedidas pela equipa técnica, com base tanto em mudanças de comportamento e de atitudes como no progresso individual e grupal. Embora os privilégios concedidos na CINO sejam bastante triviais, é a sua relevância comunitária e psicológica que lhe confere importância como método eficaz de regulação comportamental.

Os privilégios são usados para promover a socialização individual e o crescimento pessoal, transmitindo aos residentes que a participação produtiva numa comunidade se baseia na conquista, por meio do esforço, e não em direitos adquiridos, como é característico desta população. Os privilégios adquirem relevância e valor porque são conquistados, o que exige investimento, mudança comportamental e exposição à probabilidade de fracasso e desilusão. Ainda que o seu valor material seja insignificante, os privilégios são símbolos concretos de evolução no programa e de autonomia pessoal.

Capítulo 3: Modelos de Intervenção em Estruturas Residenciais para Sem Abrigo

Por sua vez, o termo sanções abrange todas as manifestações de desaprovação de comportamentos e atitudes que não atendam às expectativas da Comunidade de Inserção, distinguindo-se entre sanções verbais e disciplinares: as primeiras materializam-se, sobretudo, em repreensões verbais decorrentes de comportamentos e atitudes negativas, que embora não sejam infracções claras das regras, não se enquadram no bom funcionamento da CINO; as segundas consistem em punições aplicadas aquando da ocorrência de comportamentos e atitudes que constituam infracções ou violações de regras explícitas nos Regulamentos Internos da CINO.

As repreensões verbais podem ser, por um lado, informais e ditas espontaneamente, no próprio momento em que ocorrem os comportamentos a que se referem, e por outro lado, formais e ocorrem de forma planeada, em local específico, com a participação de todos os técnicos e por vezes, também na presença do restante grupo. As diferenças em termos de sanções reflectem a gravidade e a persistência do comportamento ou atitude reprovada e, de um modo particular, a fase do projecto em que o residente se encontra.

Assim, as sanções oferecem experiências de aprendizagem aos outros elementos, ao se constituírem como exemplos dissuasores à violação das regras, servindo subsequentemente como símbolos de segurança e integridade que fortalecem a coesão da comunidade.