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Sistema de vinculação no adulto

PARTE I: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capítulo 1: Desenvolvimento e Relações de Vinculação 1 Conceito de vinculação

5. Sistema de vinculação no adulto

Para caracterizar a activação e funcionamento do sistema de vinculação no adulto Mikulincer e Shaver, (2003 e 2007), propuseram um modelo que integrou contributos da teoria de Bowlby (1969/1982), Ainsworth (1991), Cassidy e Kobak (1988), e Main (1985). Este modelo comporta os seguintes etapas: 1) Procura de proximidade após a activação do sistema de vinculação (estratégias primárias do sistema de vinculação); 2) Sucesso do uso das estratégias para conseguir suporte e segurança da figura de vinculação; 3) activação de estratégias secundárias (designadas por hiperactivação ansiosa e desactivação evitante) que ocorrem perante a não disponibilidade da figura de vinculação. O modelo (quadro n.º 2) também inclui os objectivos das estratégias de vinculação primárias e secundárias, associados às crenças e expectativas que o indivíduo tem acerca de si e dos outros, bem como, formas de lidar com o stress e relações interpessoais.

O primeiro componente deste modelo inclui a monitorização e apreciação de acontecimentos que possam ser tidos como ameaçadores - processo responsável pela activação do sistema de vinculação. O segundo componente compromete-se com a monitorização e apreciação da disponibilidade da figura de vinculação. O terceiro componente envolve a monitorização e apreciação da viabilidade da procura de proximidade como forma de lidar com a vinculação insegura. Este terceiro componente representa a possibilidade de utilização de uma estratégia de hiper activação ou de desactivação, como forma de lidar com a insegurança. A primeira (hiper activação) relaciona-se com um tipo de vinculação ansiosa enquanto que a segunda (desactivação) demonstra um tipo de vinculação evitante.

Embora os autores do modelo considerem a hiper activação e a desactivação como estratégias independentes, reconhecem a existência de estratégias “desorganizadas” ou “evitantes receosas” que envolvem tanto ansiedade quanto evitamento. Afirmam ainda que a vinculação segura deriva da ausência de necessidade de recorrer a estratégias, quer de hiper activação quer de desactivação contudo, consideram igualmente possível que, em algumas ocasiões os indivíduos recorram a ambas, embora daí possam resultar comportamentos atípicos ou inconsistentes.

Este modelo é sensível tanto ao contexto quanto às especificidades de cada indivíduo. Cada um dos componentes do modelo pode ser afectado pelo contexto (ex. perigos, ameaças, percepção relativa à disponibilidade ou não da figura de vinculação, e percepção da viabilidade da procura de proximidade e protecção na figura de vinculação numa situação específica), o que dá origem a influências invertidas na operacionalidade do sistema de vinculação. Por exemplo, o

Capítulo 1: Desenvolvimento e Relações de Vinculação

recorrer a figuras de vinculação segura, passadas ou presentes, pode auxiliar um indivíduo inseguro a sentir-se momentaneamente em segurança e, a actuar de acordo com essa sensação.

Cada componente do modelo é ainda afectada pelos modelos dinâmicos internos do self e do outro, os quais irão influenciar a percepção das ameaças, da disponibilidade da figura de vinculação e a viabilidade da procura de proximidade. Estas influências integram-se num processo -“top-down” - através do qual o estilo de vinculação de um indivíduo afecta o funcionamento do sistema de vinculação. Por exemplo, um indivíduo ansioso tenderá a exacerbar o valor da ameaça e a manter-se vigilante aos sinais mais ínfimos da ausência de resposta por parte da figura de vinculação, o que conduz à manutenção do sistema de vinculação hiper activado.

Em suma, o modelo enfatiza simultaneamente: a realidade - o contexto em que o modelo de vinculação é efectivamente activado; e as fantasias - defesas, influências cognitivas associadas a padrões, estratégias e estilos específicos de vinculação.

Mikulincer e Shaver (2007) postulam que o objectivo principal das estratégias de hiperactivação é conseguir que a figura de vinculação, percepcionada como indisponível ou insuficientemente responsiva, preste mais atenção, protecção e suporte ao indivíduo. Esta estratégia traduz-se na dependência do outro para se sentir confortável; na excessiva necessidade de atenção e cuidado; no forte desejo de proximidade; na existência de comportamentos controladores destinados a garantir a atenção do parceiro, bem como, na rejeição de qualquer afastamento físico, emocional ou cognitivo do parceiro. O recurso a estratégias de vinculação ansiosa surge porque estas se mostraram eficazes nas suas relações de vinculação primárias. Infelizmente, embora obtenham sucesso, pelo menos com alguns parceiros, estas estratégias facilmente se tornam coercivas, geradoras de comportamentos agressivos, de insatisfação na relação, conduzindo, paradoxalmente, à rejeição e ao abandono. Para obter a desejada atenção e cuidados, os indivíduos ansiosos tendem a dramatizar: as ameaças físicas e psicológicas, a sua incapacidade de lidar com as exigências de vida, as experiências e expressão do stress, os protestos relativamente à indisponibilidade da figura de vinculação. Desta forma, apresentam-se como algo infantis e excessivamente necessitados de apoio, ou seja, pessoas com padrão de vinculação ansioso, frequentemente e de forma deliberada (consciente ou inconscientemente) enfatizam as suas necessidades e vulnerabilidades, esperançados que este exagero capte a atenção e preocupação da figura de vinculação (Cassidy e Berlin, 1994; Mikulincer e Shaver, 2003).

Capítulo 1: Desenvolvimento e Relações de Vinculação

Primeiro Módulo

Continuidade das

Sinais de ameaça actividades em

Não curso Sim Activação do sistema de vinculação Procura de proximidade da figura de vinculação externa ou internalizada Segundo Módulo

Está a figura de Sentimento de Construção e vinculação Sim segurança, de reforço do ciclo disponível, atenta, alívio e efeito de vinculação

responsiva? positivo. segura

Não

Vinculação insegura (originando perturbação)

Terceiro Módulo

A procura da Não Distanciamento no

proximidade é uma Estratégias de que toca a indícios

opção válida? desactivação de ameaça à

vinculação

Sim

Estratégias de hiperactivação

Hipervigilância no que toca a indícios de ameaça à vinculação.

Capítulo 1: Desenvolvimento e Relações de Vinculação

Este movimento apelativo de protecção é vivenciado com culpabilidade, em parte atribuída ao parceiro (visto como alguém que não é digno de confiança, traidor e maltratante), em parte assumido pelo próprio, reforçando a representação negativa de si e, a dúvida de ser merecedor do amor do outro. Assim, as estratégias de hiperactivação têm um impacto negativo ao nível da estabilidade das relações, sendo pouco provável que indivíduos com padrão de vinculação ansioso consigam atingir a segurança e calma necessárias a uma boa saúde mental, autonomia e desenvolvimento pessoal. De destacar que não são necessárias ameaças reais para que surja a necessidade de activar o sistema de vinculação, existem igualmente fontes de ameaça internas (pensamentos perturbadores e ruminativos, sonhos, imagens, ideias catastróficas), não sendo necessário que o individuo se confronte literalmente com a ameaça.

As pessoas adoptam estratégias de desactivação quando a procura de proximidade é vista como perigosa ou é desvalorizada. Estas estratégias incluem a negação das necessidades de vinculação, a desvalorização das ameaças e da necessidade da disponibilidade da figura de vinculação. São estratégias características de padrões de vinculação evitantes, e têm como principais objectivos: a) satisfação das necessidades mantendo a distância e o controlo; b) desvalorização dos sentimentos evitantes negativos que possam activar o sistema de vinculação. O primeiro objectivo manifesta-se através da tentativa de controlar a distância psicológica do outro e no evitamento de relações que impliquem proximidade afectiva e intimidade. O segundo objectivo traduz-se na relutância em pensar na sua fragilidade para lidar com as tensões relacionais, conflitos e pensamentos acerca da rejeição, separação, abandono e perda, bem como na incapacidade de lidar com o desejo de proximidade e segurança manifestado pelo parceiro, Mikulincer e Shaver (2007)

As estratégias de desactivação afectam igualmente a organização mental do indivíduo. As pessoas com um padrão de vinculação evitante, ao excluírem determinadas situações, podem ignorar informações importantes acerca de possíveis ameaças físicas ou psicológicas, vulnerabilidades pessoais e as próprias respostas das figuras de vinculação. As memórias relativas aos comportamentos de vinculação são armazenadas de forma segregada, não permitindo o recurso a uma estrutura mental integrada e completa. A este processo Bowlby (1980); George e West (2001), apelidaram de “sistemas segregados”. A activação destes sistemas contribui para a falta de eficácia que os indivíduos evitantes demonstram para lidar com experiências negativas.

As estratégias de desactivação associadas a estes processos mentais têm um efeito de distorção na percepção do próprio e um efeito destrutivo na percepção dos outros. Indivíduos

Capítulo 1: Desenvolvimento e Relações de Vinculação

evitantes, de forma defensiva, inflamam a sua auto-concepção, presumivelmente para se sentirem menos vulneráveis. Tendem a denegrir os parceiros, menosprezando as suas necessidades e maltratando-os.

Outro efeito das estratégias de desactivação actua directamente sobre a capacidade de regular as emoções negativas, permitindo que estes indivíduos mantenham activos sentimentos de fúria e de ressentimento, embora continuem a esforçar-se para não os exteriorizar. Estes indivíduos têm igualmente tendência para percepcionar as relações enquanto pouco satisfatórias, o que lhes permite evitar relações demasiado íntimas, com um nível de envolvimento emocional demasiado exigente, Mikulincer e Shaver (2007).

Utilização simultânea de estratégias de hiperactivação e de desactivação

Nalguns casos, pessoas com altos níveis de insegurança são incapazes de decidir entre estratégias de desactivação e hiperactivação. Simpsons e Rholes (2002) constatam que indivíduos receosos evitantes agilizam, simultaneamente, de forma confusa e caótica as duas abordagens. Tal como os evitantes, frequentemente mantêm-se distantes das relações de proximidade, mas, ao contrário destes, manifestam ansiedade e ambivalência relativamente ao desejo de suporte emocional e de ter um parceiro afectivo. Esta mistura de estratégias de vinculação é identificada por altos padrões de ansiedade e evitamento, o que a aproxima do padrão de vinculação desorganizado observado por Ainsworth na situação estranha.

Teoricamente o padrão de vinculação receoso evitante advém da não concretização dos principais objectivos das estratégias de vinculação: segurança oriunda da procura da relação de proximidade (estratégia do padrão de vinculação seguro); desactivação defensiva do sistema de vinculação (estratégia do padrão de vinculação evitante); ou intensa e crónica activação até que a segurança e a proximidade seja conseguida (estratégia do padrão de vinculação ansioso). Este padrão de vinculação é característico de indivíduos com histórias prévias de abuso sexual na infância, filhos de pais toxicodependentes, sendo a sua condição similar, em alguns aspectos, às desordens de stress pós traumático (Carlson, 1998).

Shaver e Clark (1994), encontram evidências de que indivíduos receosos evitantes são os menos seguros, os menos confiantes e os mais problemáticos da amostra estudada. Apresentam uma representação especialmente negativa dos parceiros sexuais, são mais propensos a envolverem-se em relações conflituosas e violentas, apresentam alguma rigidez cognitiva, demonstram pouca empatia pelo sofrimento dos outros e apresentam graves distúrbios de personalidade e uma frágil saúde mental.

Capítulo 1: Desenvolvimento e Relações de Vinculação

Bowlby (1980) defende que os indivíduos internalizam as experiências com os seus significantes na forma de modelos de relacionamento e que estes, uma vez formados, são resistentes a mudanças. Quando as pessoas exploram os relacionamentos fora da família, provavelmente escolhem parceiros que validam as suas estratégias internas e, quando se tornam pais, geralmente estabelecem com os seus filhos um padrão de relacionamento similar ao que conheceram na sua infância. Tendo em conta a probabilidade de repetição de modelos relacionais, parece-nos fundamental explorar mais aprofundadamente o processo de transmissão intergeracional dos padrões de vinculação, de forma a compreender as possibilidades de intervenção no sentido de quebrar o ciclo de replicação da vinculação insegura (Safran & Segal, 1990).