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3 A CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA ESTUDADA

3.3 Caracterização patrimonial

Sob a perspectiva patrimonial, a área objeto de estudo apresenta definições objetivas sob a titularidade imobiliária da região.

Porção considerável da área estudada é compreendida por imóveis que compõem a dominialidade da União, categorizados como terrenos de marinha. Os terrenos de marinha são bens da União medidos até 33 metros para o continente a partir da linha de preamar médio observado no ano de 1831. Além das áreas ao longo da costa, também são considerados terrenos de marinha as margens de rios e lagoas que sofrem influência de marés até pelo menos 5 cm de oscilação. Os mangues, em toda sua extensão, também são considerados terrenos de marinha10.

Analisando o processo histórico de ocupação da área litigiosa, conclui-se que a União concedeu a exploração dos terrenos de marinha da região para o desenvolvimento de uma atividade econômica específica, no caso, a atividade salineira (produção de sal a partir do processo natural de evaporação de água salgada), que foi ali desenvolvida durante muito tempo.

Com o declínio econômico da atividade de extração de sal, as áreas de exploração foram abandonadas, tendo ressurgido, em grande extensão, a vegetação típica de mangues.

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A definição dos terrenos de marinha é realizada pela Secretaria do Patrimônio da União, através de metodologia devidamente regulamentada e que confere direito de ampla defesa a todos os interessados no aforarem sua titularidade perante a União. Uma vez demarcado o terreno de marinha, passa este a ser submetido a um regime jurídico especial, de direito administrativo, através do qual o domínio direto pode ser exercido pelo particular ocupante, cabendo a União a titularidade do domínio indireto. Esta peculiar relação jurídica atribui ao titular do domínio direto as prerrogativas próprias da condição de proprietário, podendo usar, gozar e dispor do bem, inclusive mediante alienação do domínio útil.

Com a expansão urbana de Fortaleza, essas áreas passaram a experimentar considerável valorização, fazendo com que antigos detentores de domínio direto que exploravam a extração de sal alegassem serem ainda titulares desse domínio útil e, assim, mesmo sem terem erguido qualquer benfeitoria na área, passaram a sustentar que possuem direito a desapropriação antes da criação de qualquer unidade de conservação.

A área estudada é, portanto, constituída, em sua maior parte, por terrenos de marinha, ou seja, por bens públicos compreendidos na dominialidade da União. Somam-se a estes, na definição da titularidade pública, os bens de titularidade do Estado do Ceará e do Município de Fortaleza, também presentes, em menor escala, na região em análise. No entanto, em face de sua desorganização administrativa, nenhum dos níveis de governo conhece e gerencia os imóveis públicos que possuem na área objeto do estudo. As discriminações e demarcações relacionadas a esses bens não foram realizadas, o que importa em sérios prejuízos ao patrimônio público.

Ao lado desses imóveis públicos, porém não delimitados, imóveis particulares se apresentam, em nome de grandes famílias pioneiras na região, mas não se conhece sua origem dominial, se legítimos ou devolutos, sendo certo que não há notícia de nenhuma ação discriminatória que pudesse, ainda que pontualmente, ter sido proposta para consolidar essa malha fundiária. A dominialidade privada, constituída de forma regular e comprovada por documento hábil, constitui uma parte menor de toda a região objeto de estudo (ARCADIS LOGOS, 2015).

É urgente, portanto, para a proteção do patrimônio público, que União, Estado do Ceará e Município de Fortaleza realizem um estudo físico georreferenciado das áreas sob sua titularidade, visando estabelecer, de forma clara e definitiva, a extensão exata da dominialidade pública na região em comento. Sem a adoção dessa providência, continuará a área submetida a uma insegurança jurídica injustificável, permitindo que particulares, muitas vezes sem qualquer amparo documental, possam se arvorar no direito de proprietários de glebas que, na verdade, pertencem ao poder público.

A obrigação de resguardar o patrimônio público federal, na área estudada, é da União, mesmo porque os diversos expedientes de degradação ambiental hoje existentes estão ocorrendo em áreas de sua dominialidade. É de responsabilidade da União, portanto, rever as inscrições de ocupação e aforamentos concedidos na área, verificar sua regularidade fiscal e

ambiental e, sendo o caso de constatação de descumprimento da legislação, anular as concessões realizadas.

Por outro lado, mesmo que inexista qualquer ilegalidade formal e fiscal nas inscrições em vigor, não se deve olvidar que muitas delas incidem em APP (dunas, mangues, nascentes e olhos d’água, matas ciliares etc.), assim, podem ter concorrido para degradar a integridade desses bens ambientais relevantes. Nesses casos, cabe à União retomar sua dominialidade plena, cancelar as respectivas inscrições e emitir-se imediatamente na posse desses imóveis, já que é dever do poder público preservar todas as áreas ambientalmente protegidas por lei.

Realizado o trabalho de identificação e demarcação dos terrenos de marinha na região em análise, sendo mantidas apenas as inscrições atualmente existentes e que estejam válidas, aquelas que recaem em APP ou que limitem os bens de uso comum, como as praias, poderão ser mantidas sem que se permita qualquer utilização desses bens para fins particulares.

Quanto às áreas sob dominialidade privada, sua utilização requer a obtenção de um devido licenciamento ambiental, que deverá aferir o grau de impacto a ser suportado pelos ecossistemas presentes na região, com vistas a estabelecer um controle prévio e efetivo de toda e qualquer intervenção capaz de reduzir a qualidade ambiental dos ecossistemas afetados, desequilibrando a sustentabilidade da área em sua totalidade.