• Nenhum resultado encontrado

A urbanização em larga escala é um fenômeno histórico-social que se desenvolve em níveis assustadores de concentração nos dias atuais. As cidades crescem, incham e isso aumenta, consideravelmente, a pressão sobre ecossistemas ainda íntegros, sendo incontestável que “uma das características marcantes da urbanização brasileira é a chamada macrocefalia, ou seja, o crescimento acelerado dos grandes centros urbanos e a diminuição progressiva da população relativa das pequenas cidades” (ROSSATO, 1996).

A abordagem de problemas ambientais em grandes centros urbanos levanta algumas considerações (MARTINEZ, 2007):

a) existe um conflito inevitável entre a cidade e o meio ambiente? Ou seja, é possível, diante de uma crescente urbanização, que aumenta exponencialmente a densidade populacional em um território finito, construir uma convivência ambiental pacífica e satisfatória em termos de sustentabilidade?

b) as cidades causam mais prejuízos ao processo de distribuição justa de bens ambientais ou, pelo contrário, conseguem desenvolver mecanismos mais eficazes de crescimento econômico capaz de produzir sustentabilidade?

c) quais são os agentes sociais ativos na cidade que atuam a favor ou contra essa sustentabilidade esperada?

d) os conflitos urbanos são apenas internos, ou sejam, ocorrem somente na cidade ou conseguem romper essa barreira e alcançar uma escala geográfica mais ampla?

As respostas a essas questões conformam a tipologia dos conflitos socioambientais verificados nos ambientes urbanos. No fim, a conflituosidade pode ser resumida a uma contrariedade de interesses sobre a dominação do território urbano, visando o estabelecimento de relações de poder que, por sua hierarquia, irão ditar os parâmetros de utilização dos cobiçados bens ambientais relevantes, através de mecanismos muitas vezes injustos de repartição de custos e benefícios ambientais para o conjunto da sociedade.

Na América Latina, no Brasil e especialmente na região Nordeste do país, o processo de urbanização é caracterizado por um crescimento descontrolado de grandes cidades, resultante de uma impossibilidade de contenção adequada de um movimento migratório que escapa, por sua força e inevitabilidade, de planejamentos urbanos elaborados e executados pelo Poder Público. Assim, as grandes cidades brasileiras, principalmente as nordestinas, e em especial Fortaleza, passam a experimentar uma relação de insustentabilidade na medida em que toda a eficiência que geram, no que diz respeito à propulsão de sua economia, não é capaz de levá-las à sustentabilidade, entendida esta como o resultado positivo decorrente da troca de materiais e energia que demandam em face da poluição que produzem.

Essa insustentabilidade é, sem dúvida, um indicador da presença potencial ou real, atual e prospectiva, de uma série de conflitos sociais de natureza socioambiental e que, nas grandes cidades, se tornam mais visíveis, evidenciando uma série de fatos de insustentabilidade que se originam de diversas formas de degradação, com destaque para as formas de poluição das águas, atmosférica, do solo, sonora e visual (LASCHEFSKI, 2008).

Outro fato interessante a ser analisado é que os expedientes de poluição ao meio ambiente natural, ar, solo, água etc., ocorridos em grandes centros urbanos, são potencializados por uma questão de ordem socioeconômica, que consiste na disputa do território pelas diferentes classes sociais. Em grandes cidades, o processo de urbanização acaba por estabelecer diferenciações valorativas (econômicas, paisagísticas e ambientais) entre seus territórios. Assim, a lógica de ocupação espacial tende a obedecer a diretrizes

econômicas que importam na consolidação de mecanismos de exclusão geradores de injustiças ambientais.

Ocorre, a partir dessa lógica de ocupação espacial, uma desterritorialização (HAERBART, 2007) das parcelas mais frágeis da população em termos de poder econômico e político. Assim, as comunidades mais carentes acabam por ocupar, uma vez que não dispõem de alternativas, ambientes inadequados como áreas de risco, sofrendo uma exclusão do espaço social, do ponto de vista material ou simbólico.

Os conflitos, então, se multiplicam, envolvendo cada vez mais atores dispostos a impor sua visão sobre a adequada solução de todos esses problemas. A urbanização, assim, está longe de ser um fator de construção de consensos e harmonia. Pelo contrário, acentua problemas socioambientais já existentes (especialmente os relacionados com o meio ambiente natural) e cria outros, que nascem das especificidades das contradições por ela ocasionados, que nada mais são do que formas próprias de degradação, decorrentes, principalmente, da disputa espacial pela concentração populacional em um território finito e esgotável.

As cidades, portanto, configuram, no plano real, formas de ocupação territorial cada vez mais insustentáveis, fontes geradoras de inúmeros conflitos socioambientais específicos e também de potencialização de conflitos já existentes.

Mas, como já afirmado, a existência de conflitos, por si só, não deve ser entendida como algo exclusivamente negativo. Da mesma forma que as cidades produzem e potencializam essas formas de competição geradoras de poluição, também permitem o crescimento econômico, social e cultural, atuam como centros agregadores de inovações tecnológicas, muitas desenvolvidas para solucionar ou atenuar esses problemas, permitindo, no geral, uma convivência social mais profícua, apesar de todas as desigualdades e contradições que constroem.

Os conflitos socioambientais urbanos têm características próprias. Alguns nada mais são do que conflitos ambientais comuns, mas ampliados por conta da concentração urbana, como a poluição do ar, dos rios, desmatamentos, danos ao solo etc. Outros são próprios, muitos incidentes mais sobre o meio socioeconômico do que sobre o ecossistemas naturais, envolvendo a retirada de comunidades, conflitos em razão do uso e ocupação do solo, déficit de moradias, áreas de riscos ocupadas e violações materiais e imateriais ao patrimônio artificial, como o histórico, o cultural e o paisagístico.

Enfim, problemas ambientais já conhecidos e outros novos, agregando-se para formar uma nova conflituosidade perene, própria da forma urbana de desenvolvimento social, prevalente no mundo a partir do século XX.

Esta conflituosidade específica, de origem social e de subespécie ambiental, alcança novas relações sociais, descobre novos atores e exige uma identificação precisa de suas causas, desenvolvimento e possibilidades de adequado tratamento, sob pena de, não sendo eficazmente gerida, produzir muitos mais aspectos negativos do que ela já produz pela sua própria natureza.

O que se quer afirmar é o caráter inevitável desta específica e crescente conflituosidade, aliada ao fato de que sua má gestão é capaz de potencializar seus efeitos danosos.

As cidades, principalmente as maiores, são fontes perenes de geração de conflitos em face da agregação diversificada de pessoas, interesses e visões que produzem, reforçando a necessidade de aperfeiçoamento de técnicas de gerenciamento desses conflitos. Atividade esta que não será capaz de eliminá-los, mas poderá, dentro das possibilidades que se apresentarem em cada sociedade, atuar como instrumento de promoção de equilíbrio socioambiental.

O que deve ser buscada é a melhor forma de gestão desses conflitos, que, como os demais conflitos socioambientais, nascendo de um conflito maior entre crescimento econômico e proteção do meio ambiente, possam vir a ser compostos para produzir maior justiça ambiental, distribuindo mais equitativamente os custos e benefícios decorrentes das práticas cotidianas dos diversos atores envolvidos, impedindo exclusões sociais, discriminações e racismo ambiental.

Neste momento, é importante guardar o que até aqui foi objeto de análise. Primeiramente, a noção de conflito como um fato histórico-social que não pode ser negado e muito menos superado por completo visando sua eliminação, uma vez que é decorrente da própria interação humana.

Em segundo plano, a ideia de que o conflito é um fenômeno unitário e ambivalente, possuindo sempre uma perspectiva negativa e positiva. Ademais, é importante consolidar todas as características dos conflitos, suas dimensões e formas de desenvolvimento

sistemático, para então transpor tais elementos para o campo socioambiental, entendendo tais conflitos em suas especificidades, como seu foco, seus atores e suas características próprias.

Por fim, enxergar o conflito socioambiental urbano como detentor também de peculiaridades que lhe conferem identidade, principalmente a partir da constatação de que tais conflitos podem ser entendidos como a potencialização de outros já existentes e como a criação de conflitos novos, tudo influenciado pelo crescente processo de urbanização que dita a organização das sociedades contemporâneas.

É importante, pois, assimilar a noção de que as cidades são fonte permanente de geração de tais conflitos, o que exige o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de técnicas próprias para sua adequada composição, gestão e tratamento, visando contribuir para o modelo mais justo de distribuição dos custos e benefícios ambientais envolvidos.