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Os conflitos socioambientais e a caracterização jurídica da área estudada

4 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS DA ÁREA ESTUDADA

4.3 Os conflitos socioambientais e a caracterização jurídica da área estudada

O maior conflito relacionado ao panorama jurídico da área estudada reside justamente na criação definitiva de unidades de conservação, capazes de conferir definitiva sustentabilidade socioambiental para a região em análise.

Há um consenso na sociedade de que é urgente a criação, pelo menos, de uma unidade de conservação e proteção integral, na modalidade de Parque, capaz de proteger os ecossistemas ainda íntegros da região. No entanto, tal proteção definitiva tarda e põe tais bens ambientais relevantes em elevado risco de perecimento.

A proteção jurídica hoje existente para esses ecossistemas, defendem alguns, é mais do que suficiente, pois muito deles como dunas e vegetação fixadora, vegetação de mangue, margens de rio, lagoas, olhos d’água, nascentes etc. são considerados espaços especialmente protegidos sob a qualificação de APP e somente podem ser utilizados excepcionalmente, quando presentes casos de utilidade pública ou interesse social e em intervenções de baixo impacto, tudo isso devidamente controlado pelos órgãos ambientais competentes.

Assim, não seria necessária a criação de unidades de conservação na região, muito menos de proteção integral, já que a proteção jurídica atualmente existente é suficiente para manter a integridade e os atributos ambientais desses ecossistemas.

Há um conflito jurídico relevante, portanto, sobre a melhor forma de proteger a área em questão. Será que apenas o regramento hoje existente de definição de APP para esses ecossistemas tem conseguido fazer com que a região se torne sustentável ambiental, econômica e socialmente? Será que tal proteção existente é insuficiente e necessita de uma outra forma de impedimento a algumas atividades danosas que se desenvolvem e se consolidam na região, com sérios prejuízos ao equilíbrio que se visa estabelecer para a manutenção desses ecossistemas?

Esse conflito jurídico tem diversas repercussões. A manutenção da proteção ambiental nos parâmetros atuais, pelo que consta das conclusões dos estudos desenvolvidos, não tem sido suficiente para proteger, de forma eficaz, as APP existentes na região. Dunas, mangues, margens de rio, dentre outros, estão perecendo ante, especialmente – embora não exclusivamente –, o avanço desenfreado da iniciativa privada, principalmente do setor imobiliário.

A criação de unidades de conservação na região não é incompatível com o regime jurídico das APP já existentes, uma vez que são modalidades distintas de proteção, com finalidades também diferenciadas.

As APP incidem de forma isolada, provendo proteção para determinados ecossistemas nobres, individualmente considerados.

As unidades de conservação, por sua vez, têm por objetivo proteger extensões territoriais em face dos ecossistemas que elas abrigam, dotados de importância ambiental e

notável beleza cênica. Trata-se, assim, neste último caso, de uma proteção mais integrada e que recai sobre o conjunto de ecossistemas de uma área específica, reconhecida como de relevante valor a ser protegida, mantendo, ainda, a proteção específica dos ecossistemas de preservação permanente que ela abriga.

Em áreas densamente povoadas, como é o caso da região do Cocó, a criação de unidades de conservação é capaz, por si só, de desencadear conflitos socioambientais que a mera manutenção da proteção de APP não suscita.

Mas é preciso considerar, ainda, que o ganho protetivo decorrente da criação de uma, ou de várias unidades de conservação, é muito superior se comparado à manutenção apenas de APP, principalmente pelo tratamento integral da área, definição de seus limites, sua conformação física exata e a gestão democrática dos usos permitidos.

A prova de que a criação de unidades de conservação é o instrumento mais efetivo de proteção nas situações em que ela se justifica é justamente a situação vivenciada na região do Cocó, onde podemos verificar um crescente processo de degradação das APP que estão fora da delimitação física das áreas dos decretos e a preservação dos mesmos ecossistemas que estão situados no interior desta delimitação física. Isso demonstra, por si só, o quão importante é a criação de unidades de conservação na região estudada.

Outro conflito jurídico relevante guarda relação com os índices de aproveitamento urbanístico da região estudada. Embora as APP impeçam a utilização independentemente do grau de aproveito do solo permitido na legislação municipal de ordenamento urbano, a preservação de ecossistemas sensíveis como áreas de APP pode sofrer intensa pressão ambiental por conta do desenvolvimento de atividades econômicas, algumas com elevado potencial poluidor, o que retirará, na prática, a proteção do demais ecossistemas definidos como APP.

Maior exemplo dessa forma indireta de subversão da proteção a áreas de APP na região estudada é o processo crescente de ocupação indevida das áreas de deflação.

Como a legislação não trata essas áreas como de preservação permanente, o estabelecimento de elevados índices de ocupação, por conta de sua alta valorização imobiliária, impede o fluxo eólico responsável pela alimentação de campos de dunas, fixas e móveis, ocasionando sérios problemas de manutenção da integridade desses ecossistemas.

Tal situação atua ainda de forma impeditiva para o fluxo de aves migratórias que utilizam a região do Cocó para sua reprodução, acarretando perda de fauna e interferências significativas no equilíbrio ambiental da área.

Por fim, existem ainda os conflitos jurídicos gerados pela insegurança produzida pela intensa disputa judicial em torno da área, que até o presente momento não conseguiu estabelecer parâmetros razoáveis de manutenção da integridade da região até que venha a ser tomada uma decisão política sobre seu destino.

As intervenções realizadas ou propostas para a área em estudo, ou até para o seu entorno, desencadeiam os mais variados expedientes de contrariedade jurídica, encontrando no Judiciário respostas contraditórias e destituídas de conhecimento específico sobre a natureza, extensão e sistemática de evolução de tais conflitos, produzindo decisões que, antes de tratar adequadamente os interesses em jogo, acaba injetando mais insegurança na situação conflituosa, sem produzir qualquer ganho de proteção ambiental.