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3 A CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA ESTUDADA

3.1 Controvérsias sobre a definição da área

É importante salientar, desde o início, que não há um entendimento unificado estabelecendo um consenso sobre a exata extensão e delimitação da área a ser efetivamente protegida, mediante a criação de expedientes de gestão ambiental integrada, na região do Cocó.

Na verdade, as múltiplas visões sobre a área, a partir dos diversos interesses de diferentes atores que sobre ela atuam dificultam, sobremaneira, a construção desse consenso. Para alguns, a área a ser protegida deve se limitar à que foi definida nos decretos estaduais expedidos em 1989, 1991 e 19931, tendo em vista que é justamente esta delimitação que corresponde, atualmente, ao que a cidade de Fortaleza se acostumou a entender como área efetivamente protegida sob a denominação de Parque Ecológico do Cocó.

Essa definição normativa operada pelos decretos de utilidade pública para futuras desapropriações, embora não tenha hoje validade jurídica, corresponde ao que, de fato, se tem hoje de área fisicamente protegida na região do Cocó.

Toda a proteção discutida para a região do Cocó, desde 19892, passou a gravitar em torno dessas áreas definidas nos decretos de desapropriação. Esperava-se que, de fato, expedidos os decretos, fossem as desapropriações realizadas e definitivamente integradas essas áreas ao domínio público, para sua proteção definitiva. Somadas as poligonais dos decretos expedidos, a área a ser protegida tinha a seguinte delimitação:

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Decretos Estaduais 20.253, de 05 de setembro de 1989, 21.312, de 13 de maio de 1991 e 22.587, de 08 de junho de 1993.

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Para melhor conhecimento dos movimentos sociais que se engajaram na luta pela preservação da área verde do cocó, ver Costa, Jornalista Ademir, Demandas do Movimento Ambiental por Áreas Verdes em Fortaleza. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2014.

Figura 1 – Antiga delimitação do pretenso Parque Estadual do Cocó

Fonte: CONPAM (2015).

A área definida pelas poligonais dos decretos abrangia 1.046,28 hectares, iniciando-se na BR-116 e estendendo-se até a foz do rio Cocó, na região do bairro da Sabiaguaba. Essa delimitação correspondia ao que se conhecia da região do Cocó em sua feição urbana mais relevante, tanto sob a perspectiva econômica e social, como ambiental.

Do início da década de 1990 até os dias atuais, é esta a única delimitação existente para a proteção de ecossistemas na região no Cocó. Em que pese sua inexistência jurídica, pois os decretos que fundamentaram sua definição perderam validade pela caducidade de seu prazo de validade sem a realização efetiva das desapropriações, o que hoje se conhece como Parque do Cocó tem essa definição, e é a partir dela que proteções futuras serão construídas. Assim, esta área que é de fato protegida – embora já tenha sofrido intervenções – é tratada como a área sobre a qual idealmente devem incidir os instrumentos de proteção a serem criados.

No entanto, como essa delimitação caduca remonta há mais de 30 (trinta) anos, dentro de seus limites muitas intervenções foram consolidadas e nenhum ato de transferência

de dominialidade foi efetivamente concluído. A área simplesmente restou congelada por uma delimitação física mínima, consistente na colocação de marcos físicos delimitadores, algumas vezes totalmente desrespeitados, mas eficazes em sua maioria. Esses marcos foram, posteriormente, em grande parte da área definida nos tais decretos, substituídos por uma cerca, delimitação física bem mais protetiva contra invasões da área que levassem à subtração de sua riqueza ambiental.

Somente no ano de 2007 foi efetivada uma ampla revisão das poligonais definidas nos decretos citados. Em 19 de abril de 2007, foi realizada a primeira reunião, no Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente (CONPAM), do Grupo de Trabalho do Rio Cocó (GT Cocó). Este grupo de trabalho teve como integrantes o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), a Secretaria de Infraestrutura do Estado do Ceará (SEINFRA), a Secretaria das Cidades do Estado do Ceará, a então Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU)3, a SEMACE, a Secretaria de Turismo do Estado do Ceará (SETUR) e o CONPAM, tendo este último órgão atuado na coordenação dos trabalhos.

Após amplas discussões em mais de dez reuniões, resolveu o GT apresentar a sua proposta final de delimitação da nova poligonal do Parque do Cocó, a ser criadA por ato do Governador do Estado. Neste particular, decidiu-se pela criação de uma unidade de conservação de proteção integral, de tipologia Parque, que deveria ter, inclusive, uma zona de amortecimento. A partir dessa decisão, construiu-se a nova poligonal, que passou a se estender por uma área de 1.204,66 hectares, com o seguinte perfil:

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Figura 2 – Nova proposta de delimitação do Parque Estadual do Cocó

Fonte: CONPAM (2015).

Comparando as duas imagens, percebe-se, nitidamente, que os estudos realizados pelo CONPAM levaram em consideração, para o desenho da nova poligonal, a realidade atual de ocupações em toda a área e entorno da delimitação feita pelos decretos anteriores.

Assim, pode-se ver que a nova poligonal é, em alguns trechos, coincidente com a poligonal antiga; em outros trechos, a nova é mais protetiva, portanto, maior que a antiga e, em outros trechos, a nova poligonal é menor que a anterior. Neste último caso, tal situação acontece porque ocupações hoje existentes e já consolidadas não permitem o alcance da nova poligonal protetiva.

A próxima figura demonstra o confronto das duas poligonais, evidenciando seus pontos comuns e divergentes, deixando claro ao observador que, mesmo tendo ocorrido acréscimo total de área na nova poligonal sugerida pelo CONPAM (cerca de 160 hectares), em alguns trechos essa divergência ocorre para menos, com o objetivo de preservar situações já consolidadas.

Figura 3 – Visualização das duas propostas de delimitação

Fonte: CONPAM (2015).

O exaustivo trabalho técnico de delimitação da nova poligonal realizado pelo CONPAM passou a oferecer um conforto técnico ao governo estadual para a criação do Parque, tendo em vista que tal estudo é, ao mesmo tempo:

a) dotado de total cientificidade, vez que elaborado por técnicos especialistas na matéria, vinculados a diversos órgãos e entidades do setor público, nas esferas federal, estadual e municipal;

b) atual, ou seja, realizado sobre uma situação fática mantida até hoje, com respeito às edificações já existentes em uma área extremamente adensada da cidade e com equipamentos urbanos, públicos e privados, já consolidados; c) dotado de uma preocupação principal que salta aos olhos: preservar os

ecossistemas que ainda cumprem funções ambientais importantes dentro da área estudada, em face de seu valor natural ou paisagístico, sem a pretensão de criar uma proteção exagerada, vale dizer, sem a correspondente visualização de um benefício coletivo imediato.

A proposta formulada pelo CONPAM, em 2008, de nova poligonal para a implantação do Parque do Cocó correspondia a um trabalho ao mesmo tempo técnico, atual e viável, tanto sob a perspectiva ambiental como urbanística. Consolidava diversos estudos sobre a área destinada à implantação futura do Parque do Cocó e era apta a ser utilizada por qualquer legitimado para criar o parque (Poder Executivo ou Legislativo, Estadual ou Municipal), como fundamentação técnica da iniciativa política de criação.

Podia-se afirmar, com segurança, que a proposta do CONPAM encaminhada ao governador desenhava completamente aquilo que deveria ser, um dia, o tão almejado “Parque do Cocó”. No entanto, mesmo com todos os estudos técnicos até então produzidos, além da constatação inequívoca de que a área proposta pelo CONPAM devia ser urgentemente preservada, já que isso correspondia ao anseio de toda a sociedade cearense, mormente a de Fortaleza, os Poderes Executivo e Legislativo, Estadual e Municipal permaneceram inertes e não editaram qualquer ato de criação do Parque do Cocó.

Somente em 2016, já com uma nova gestão governamental, o estado do Ceará resolveu apresentar uma nova proposta de poligonal para a criação, não mais apenas de um parque, mas de um parque e outras unidades de conservação na região do Cocó. A atual proposta, ademais, estende a proteção pretendida para uma área bem superior à que fora prevista inicialmente nos decretos de desapropriação e na proposta de 2008 apresentada pelo GT Cocó coordenado pelo CONPAM.

Embora tenha tomado como ponto de partida os estudos realizados pelo CONPAM finalizados em 2008, a nova proposta não se limita a estabelecer um tipo só de unidade de conservação, e ainda abrange uma área significativamente superior à que fora até então proposta.

A nova proposta será objeto de análise mais detida no decorrer desta tese, mais precisamente na sua fase final, no qual o trabalho irá se concentrar em todo o processo de definição da proposta do Governo, que, desde logo, passa a ser denominada de proposta oficial.

O importante é salientar que, de acordo com os estudos que foram aprofundados na região a ser impactada pelas unidades de conservação a serem criadas, a proposta oficial referida passou a ser composta de um modelo de mosaico, envolvendo não mais apenas uma

região geográfica definida urbanisticamente, mas sim toda a bacia do Cocó, propondo criar uma rede de áreas protegidas de 2.907,44 hectares.

Figura 4 – Propostas de poligonais para criação de unidades de conservação

Fonte: CONPAM (2015).

A nova proposta, embora incorpore áreas definidas nas duas propostas anteriores – a dos decretos e A do CONPAM de 2008 –, propõe duas significativas alterações:

1) a criação de mais de uma unidade de conservação a serem conjugadas em um modelo integrado de gestão com as unidades de conservação já existentes na região;

2) a intervenção protetiva, tendo por finalidade a recuperação da bacia do rio Cocó, desde sua nascente até a sua foz, sob o argumento, válido, de que a

revitalização do próprio rio faria parte de uma estratégia ambiental mais coerente, tendo em vista que de nada adiantaria preservar ecossistemas interdependentes sem preservar os elementos de qualidade ambiental do recurso hídrico, vital para o equilíbrio ecológico da região.

Com a apresentação desta última proposta, foram delimitadas três áreas para a criação da proteção ambiental mais adequada para a região do Cocó. As duas primeiras focadas na criação de um tipo específico de unidade de conservação, um parque, em uma área que inicia na BR-116 e se estende até a foz do rio Cocó. A terceira proposta alarga esses limites e passa a trabalhar com a integração da proteção para toda a bacia do rio Cocó, estabelecendo alternativas para a criação de diversas unidades de conservação e conjugação, através de um mosaico, entre as unidades já existentes e as que serão criadas, e uma gestão intermunicipal e colegiada para o monitoramento da bacia do rio Cocó, visando manter e melhorar a qualidade ambiental deste importante recurso hídrico.

Diante dessas três alternativas, o presente estudo deve definir, com precisão, a área exata de seu desenvolvimento, especificando, em uma perspectiva territorial, seu objeto. A escolha, obviamente, não podia ser aleatória, e sim fundada em critérios técnicos que guardem uma relação direta de pertinência com todos os subtemas abordados na presente tese. Como o objetivo da tese é, em definitivo, buscar oferecer uma contribuição consistente na construção de uma nova modelagem de resolução de conflitos socioambientais, viabilizando a superação destes, a criação de tipologias de unidades de conservação capazes de conferir efetivo desenvolvimento sustentável à região do Cocó, nada mais razoável do que concentrar os esforços nas áreas em que tal situação de conflituosidade se faz presente, em maior magnitude, tanto em termos de contradição de interesses quanto em face da repercussão destes, seja no campo econômico, social ou ambiental.

Ademais, a escolha da área deve ligar-se, impreterivelmente, ao processo histórico, construído pela própria sociedade, de proteção da região do Cocó. Assim, é fato que, historicamente, a sociedade local aguarda que a proteção aos ecossistemas mais importantes do Cocó recaia sobre uma zona específica, tendo se concentrado sobre esta as reivindicações mais importantes de controle e proteção ambiental. Sem dúvidas, pelo aspecto histórico, espera-se que esta proteção seja construída sobre uma parte apenas da área proposta

atualmente pelo governo estadual, que é justamente a área compreendida entre a BR-116 e a foz do rio Cocó.

É justamente nessa zona específica onde estão localizados os conflitos mais significativos que, historicamente, têm impedido a criação definitiva dos instrumentos de proteção para a região do Cocó e, até por isso, é justamente essa mesma zona que vem recebendo a atenção mais significativa tanto dos poderes públicos envolvidos como da própria sociedade.

Assim, em que pese os méritos da extensão protetiva proposta pelo governo estadual em sua proposta oficial, a presente tese resolveu eleger como objeto de estudo a área da região do Cocó já delimitada pelas duas propostas formuladas anteriormente, qual seja, a zona compreendida entre a BR-116 e a foz do rio Cocó.

Esta é a área que, nesta fase do trabalho, passará por uma definição de seus mais relevantes aspectos de caracterização ambiental, patrimonial e jurídica.