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5 A GESTÃO DOS CONFLITOS IDENTIFICADOS NA ÁREA EM ESTUDO

5.1 Histórico do processo de composição de conflitos na região do Cocó

No segmento anterior desta Tese foram especificados os principais conflitos que se desenvolvem na região do Cocó. A conclusão é inafastável: trata-se de uma área com sérios problemas de gestão ambiental e crescente pressão sobre seus ecossistemas ainda íntegros, que sofrem pelo enorme interesse econômico que despertam.

Uma área rica ambientalmente e economicamente atrativa. Esse embate entre o interesse econômico em destinar a área para diversos usos, notadamente o imobiliário e a necessidade de proteção de seus bens ambientais, provoca permanente tensão entre diversos atores. Assim, desde que a cidade despertou para o valor econômico da área, demanda própria de sua expansão, setores da sociedade também despertaram para a necessidade de proteção dessa mesma área como uma solução para os graves problemas ambientais enfrentados, não só na região diretamente afetada pela potencialidade de usos propostos, mas para toda a cidade de Fortaleza.

O processo de redirecionamento do crescimento da cidade para sua porção leste, com o início de sua ocupação intensiva, começou a despertar no movimento ambientalista de Fortaleza iniciativas para a demonstração da necessidade de que a região não poderia sofrer uma utilização predatória de seus ecossistemas.

Os conflitos começaram a se atomizar na mesma proporção do processo de crescimento da ocupação da região. Trata-se de um movimento que se consolida, em termos de sistematização, a partir da década de 1980 (COSTA, 2014).

O panorama de enfrentamento desses conflitos iniciais demonstra uma prevalência de estratégias de salvaguarda de bens ambientais específicos, cuja apropriação individualizada passa a atrair uma contrariedade limitada e individualizada sobre aquela específica forma de atividade considerada potencial ou efetivamente degradadora.

As primeiras manifestações de oposição ao crescente processo de apropriação desses bens ambientais relevantes da região do Cocó se deram através da mobilização da sociedade civil, no final da década de 1970 e início da década de 1980, com a atuação da Sociedade Cearense de Defesa da Cultura e do Meio Ambiente (Socema), cujo objetivo era

levar ao conhecimento da sociedade os expedientes de degradação já em desenvolvimento na região (NOTTINGHAM, 2006).

A atuação foi iniciada visando a preservação do rio Cocó, podendo ser dividida em duas linhas de enfrentamento: uma que resultou na criação do Parque Adahil Barreto, e a segunda que motivou a edição dos primeiros decretos de definição da área para a futura criação do Parque Ecológico do Cocó. Entre as duas atuações, houve a criação, pelo Município de Fortaleza, da APA do Rio Cocó.

Os movimentos sociais foram se organizando cada vez mais, intensificando sua atuação na denúncia de expedientes pontuais de degradação na região, principalmente em contraposição às tentativas de construções de imóveis. A estratégia utilizada passou a ser o encaminhamento formal de representações para que instituições (órgãos ambientais e Ministério Público) passassem a fazer o controle ambiental da área.

No entanto, como era de se esperar, os conflitos na área só aumentaram. Com o passar do tempo, as construções realizadas na área chegaram ao limite da delimitação física empreendida pelos decretos de desapropriação expedidos em 1989, 1991 e 1993.

Essa delimitação física foi, em geral, respeitada, mas a pressão dessas construções sobre os ecossistemas, principalmente sobre APP e a calha do rio Cocó, demonstraram a necessidade de se buscar uma providência mais incisiva de proteção que visasse paralisar esse intensivo processo de sitiamento da área para camadas mais abastadas da sociedade.

Foram iniciadas, com esse norte de atuação, tratativas com órgãos técnicos- ambientais para buscar uma solução definitiva para equacionar tais conflitos. A conclusão unânime era de que a providência definitiva demandava a criação efetiva de unidades de conservação, mas a demora política em atuar nesse sentido acabaria por propiciar a ocupação desenfreada da área, inviabilizando a criação futura de tais unidades. Ou se estancava esse processo crescente de ocupação, ou não haveria mais objeto a ser protegido no futuro.

A partir desse momento, a composição de conflitos na região, que tinha um viés marcadamente político, baseado em reivindicações da sociedade civil organizada em movimentos sociais, passa a sofrer uma mudança para o eixo de intervenção judicial. As disputas são então deslocadas, com os movimentos sociais a exigir uma atuação mais

incisivas de novos atores que, com a nova ordem constitucional, receberam a missão de defender os direitos fundamentais, como a preservação ambiental.

Nesse contexto, passa o Ministério Público a exercer o papel de instância depositária desses reclamos das entidades envolvidas na temática ambiental, com a obrigação de dar respostas efetivas, mediante o exercício de seus instrumentos de atuação, constitucionalmente estabelecidos.

A conflituosidade existente, marcada pelo antagonismo entre o poder econômico – aliado ao poder político – e as reivindicações de proteção ambiental da área, elaboradas por entidades da sociedade civil organizada, passa então a exigir o manejo de ferramentas judiciais, ante o esgotamento da eficácia da estratégia política de conscientização da sociedade. Os conflitos se transformam, de sua matriz política prevalente para uma diretriz judicial, com a aposta de que o Poder Judiciário seria mais eficiente na expedição de ordens capazes de estancar o processo de apropriação imobiliária da região, que ameaçava sua própria sobrevivência ambiental.

A área passou, então, a ser objeto das mais variadas disputas judiciais, constituindo-se, até hoje, em uma das áreas mais conflituosas da cidade de Fortaleza.