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CAPÍTULO 2 – OS ELEMENTOS PRECURSORES DO CONCEITO DE

2.1 Caracterização do Semiárido Brasileiro

O SAB apresenta características singulares no contexto das outras áreas semiáridas do mundo. Caracterizado, fundamentalmente, pela ocorrência do Bioma Caatinga12, este ocupa uma área de 1.219.021,50 km² e possui uma expressiva biodiversidade descrita como

12 O termo Bioma pode ser definido como um conjunto de múltiplos ecossistemas que estão agrupados em um espaço geográfico contíguo, com um certo grau de homogeneidade em torno de sua vegetação e fauna. O bioma caatinga ocupa cerca de 9% do território brasileiro, se estende pelos Estados do Alagoas, Bahia, Ceará, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Maranhão e norte de Monas gerais. Caatinga, na língua Tupi, significa Mato Branco. O bioma caatinga se caracteriza pela biodiversidade, no qual podemos destacar, na sua formação vegetal, forte presença de arbustos com galhos retorcidos e com raízes profundas; presença de cactos e bromélias; os arbustos que costuman perder, quase totalmente, as folhas, em época de

um conjunto de árvores e arbustos espontâneos, densos, baixos, retorcidos, de aspecto seco, com proteção contra a desidratação pelo calor e pelo vento. As raízes são muito desenvolvidas, grossas e penetrantes. O solo é silicoso ou sílico-argiloso, enxuto, quase sem humo, pedregoso ou arenoso, pobre em azoto, porém contendo regular teor de cálcio e potássio, como atesta a vegetação do algodoeiro e do caroá. (...) a associação florística, com o solo e a atmosfera, é quase uma simbiose, tal o regime de economia rígida da água para entreter as funções em equilíbrio (DUQUE, 2004, p. 103).

As plantas que mais caracterizam a caatinga, segundo Duque, são: a) umbuzeiro; b) a barriguda; c) iço; d) baraúna; e) faveleiro; f) pau ferro; g) carnaúba; h) licuri e camaratuba, na caatinga da Bahia; e i) carnaubeira, na caatinga litorânea do Ceará e do Rio Grande do Norte. As cactáceas mais conhecidas são: palma forrageira, mandacaru e xique-xique, e sua vegetação rasteira é constituída principalmente pela macambira e o caroá (DUQUE, 2004).

Um dos biomas brasileiros mais comprometidos e ameaçados, a Caatinga, tem a presença das maiores extensões de áreas em processo de desertificação, do País. Todavia, a perda progressiva da fertilidade biológica não decorre somente da ação antrópica. É, antes, resultado do cultivo inadequado, associado às variações climáticas e às características dos solos pedregosos, ou impermeáveis.

Além de ser um dos biomas mais comprometidos, ambientalmente, foi também o menos valorizado, na história da política ambiental do País, pois foi somente em 1965, a partir do novo Código Florestal (Lei 4.771), que passou a ser, do ponto de vista legal, objeto de proteção ambiental. E somente no final de 1999, quando da aprovação do Projeto de Lei n° 2892/92 que dispunha sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) recomenda a ampliação da área protegida por Unidades de Conservação na Caatinga para 10% num período de dez anos, priorizando-se as áreas de uso indireto, pela sua importância para a manutenção e a recuperação da biodiversidade (SILVA, 2006). Assim, se compararmos o bioma caatinga aos outros biomas brasileiros, perceberemos que ele possui, proporcionalmente, um percentual muito reduzido de unidades de conservação e de áreas protegidas dos seus sistemas naturais.

O semiárido tem um clima seco e quente e sua proximidade com a linha do Equador tem influência marcante nas suas características climáticas. Segundo Botelho (2000), o semiárido brasileiro é uma região anômala no mundo, por se constituir na única região do

seca (propriedade usada para evitar a perda de água por evaporação) e as folhas deste tipo de vegetação são de tamanho pequeno. Possui algumas endêmicas e, ao cairem as primeiras chuvas, a vegetação muda, perde seu aspecto rude, agressivo e se torna verde e florida.

mundo que, situada na faixa equatorial, deixou, progressivamente, de ser uma área superúmida, como a região Amazônica, do Congo e da Indonésia e passa a ter o clima semiárido. Com temperaturas em torno de 22° e 28°, apresenta um sistema de chuvas irregular no tempo e no espaço, com duas estações bem definidas: o inverno (período de chuvas) concentradas entre 3 e 4 meses por ano (as precipitações variam entre 500 e 800mm), e o verão (ausência ou baixo índice pluviométrico) que pode se expressar por períodos de longas estiagens ou não. A variação no regime pluviométrico produz dois fenômenos já bastante conhecidos dos que aqui vivem: as secas e as enchentes.

Outra característica endêmica é que ele apresenta uma perda de 92% das águas de chuvas que caem pela evaporação e evapotranspiração13, com um índice de aproveitamento de apenas 8%. Os solos cristalinos, em quase toda a sua abrangência, limitam o acesso às águas subterrâneas existentes. Figueiredo (2003) enfatiza que todo estudo que envolva a região do semiárido brasileiro há que ter, como base, a íntima relação entre a cultura e o ambiente biofísico e observar que a evapotranspiração de 92% é uma problemática central do SAB, no que se refere à dimensão biofísica.

A região Nordeste abriga, quase que integralmente, o semiárido brasileiro que corresponde a, aproximadamente, 11% do território nacional e 90% da região. O SAB abrange cerca de 1.400 municípios com uma área de 1.219.021,50 km² distribuídos pelos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, a região setentrional de Minas Gerais e o norte do Espírito Santo14.

Duque (2004) classifica o nordeste brasileiro em seis regiões naturais, utilizando, como critérios, a disponibilidade da água, as condições pedológicas, o clima, a vegetação nativa, assim como as condições ambientais para a cultura agrícola que são respectivamente: Seridó, Curimataú, Sertão, Caatinga, Carrasco e Cariris Velhos. Essa divisão corresponde a um processo decrescente de involução e empobrecimento da biodiversidade, decorrente, principalmente, do uso predatório do solo pelo fogo que transformaria a caatinga em sertão,

13 A alternativa difundida pela sociedade das tecnologias sociais para lidar com a questão da evaporação e da evapotranspiração tem como foco estratégico a estocagem da água de chuva, trabalhando no sentido de difundir, multiplicar e aperfeiçoar as técnicas de captação de água de chuva já existentes e investindo recursos e conhecimento científico e popular na descoberta de novas tecnologias para armazenar água nos períodos chuvosos e guardá-la em recipientes hermeticamente fechados e isolados do sol para usá-la nos períodos em que não chove.

14 Utilizamos como referência para delimitar o semiárido tanto em área como dos estados da federação que o integra as mesmas referências trabalhadas pela Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA.

este em seridó, constituindo-se o agreste em uma área de transição entre uma região mais seca e outra mais úmida.

Do ponto de vista da estrutura fundiária, apresenta extrema concentração, com grande número de minifúndios, correspondendo a 27% da área total, com 90% das propriedades possuindo a área inferior a 100 hectares. Isto, apesar dos incentivos fiscais e da modernização econômica, onde se incorporaram novas áreas e setores dinâmicos e competitivos, sobretudo, através de investimentos na agroindústria com inovações tecnológicas, gerenciais e inserção no mercado competitivo e de exportação. A economia do semiárido, de acordo com Silva (2006) ainda pode ser caracterizada pela produção de subsistência.

Outro aspecto definidor do semiárido brasileiro é o fato de ele ser o mais povoado do mundo. Com uma população de cerca 26, 4 milhões de pessoas, representando 15,5% da população brasileira, abriga a maior população rural do País. Dos 26,4 milhões de pessoas 41,3% são constituídos por uma população com a faixa etária entre 0 e 17 anos. E, de acordo com o estudo “Criança e Adolescente no Semi-Árido-Brasileiro” (UNICEF, 2003)15, são quase 11 milhões de crianças e adolescentes que vivem no semiárido, em precárias condições, como podemos verificar com a descrição dos seguintes indicadores sociais: a) em 95% das cidades do semiárido, a taxa de mortalidade infantil é superior à média nacional; b) mais de 350 mil crianças, entre 10 e 14 anos, não frequentam a escola; c) os alunos demoram 11 anos para concluir o ensino fundamental; d) mais de 390 mil adolescentes (10,15) são analfabetos; e) mais de 317 mil crianças e adolescentes trabalham; f) quase metade delas (42%) não tem acesso à rede geral de água, poço ou nascente; g) cerca de 75% das crianças e adolescentes vivem em famílias cuja renda per capita é menor do que ½ salário mínimo; h) em 38,47% das casas de crianças e adolescentes, não há rede geral, fossa céptica ou rudimentar e i) menos de 3% das famílias com criança e adolescente têm acesso a computador (UNICEF, 2003).

O recorte dado aos indicadores das crianças e dos adolescentes se justifica por eles traduzirem os contrastes, as injustiças e a gravidade dos problemas sociais que marcam a vida e a sociedade dos que vivem nesse lugar, do ponto de vista econômico, educacional, da saúde, da cultura etc.

15 Os dados citados foram retirados do estudo realizado pelo UNICEF que busca estabelecer um perfil das condições de vida e sobrevivência das crianças e adolescentes, a partir do levantamento e análise de dados secundários das fontes oficiais e documentos complementares. Uma das fontes oficiais foi IBGE, tabulação especial de 2000.

2.2 O Ambientalismo no Brasil e os elementos precursores do conceito de convivência