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CAPÍTULO 6 – A ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DOM FRAGOSO

6.2 História da Escola Família Agrícola Dom Fragoso

A escola inicia suas atividades em 2002, na comunidade Santa Cruz, com uma turma de 25 estudantes da 5ª série do ensino fundamental. Ela foi ampliando suas atividades e

ações pedagógicas até chegar à 3ª série do ensino médio. Hoje, a escola funciona com cinco turmas: duas turmas do ensino fundamental (8ª e 9ª séries) e três turmas (1ª, 2ª e 3ª séries) do ensino médio. São 129 educandos/as de 67 comunidades de 12 municípios e 2 territórios. Os municípios atendidos são: Choró, Crateús, Independência, Monsenhor Tabosa, Nova Russas, Parambu, Pedra Branca, Quixeramobim, Quiterianópolis, Tamboril, Tauá e Santa Quitéria que fazem parte dos Territórios de Inhamuns/Crateús e Sertão Central.

O seu corpo docente, atualmente, é composto por 15 profissionais: 10 monitores/as tempo integral, 3 professores temporários, 2 professores/as voluntários e uma secretária. E entre parcerias e instituições apoiadoras estão: Associazone Missionarie (Itália), Caritás Regional do Ceará, Cáritas Alemã, Comunidade Franciscana de Dortmund (Alemanha), Grupo Freckeuhorster da Alemanha, Comissão Pastoral da Terra (Ceará), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará - EMATERCE, Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura do Ceará – FETRAECE, Rede de Educação do Semiárido Brasileiro - RESAB, Secretaria do Desenvolvimento Agrário do Ceará – SDA, Secretaria de Educação do Estado do Ceará – SEDUC, Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil - UNEFAB, Prefeituras Municipais de Crateús, Independência e Tamboril.

No começo das atividades da Escola, o objetivo era atender exclusivamente os/as estudantes oriundos da região e dos municípios mais próximos, porque a prática pedagógica da Alternância requer o deslocamento dos/as monitores/as às comunidades para que estes/as conheçam as famílias, a comunidade e a realidade que o/a estudante tem para interagir com ele/ela e, se deslocar para os municípios mais distantes seria um trabalho muito pesado. Com o tempo, a Escola foi sendo divulgada, ficando conhecida sua proposta pedagógica e os benefícios que poderia levar às comunidades. A demanda e a procura de pais, de municípios mais distantes, foi aumentando e muitos foram conversar com a coordenação da mesma para saber qual a possibilidades dos seus filhos/as virem a estudar lá. Eles foram demonstrando interesse e a escola concordou em ampliar o raio de atuação e de seleção desses/as estudantes.

Todavia, a história da Escola Família Agrícola Dom Fragoso não começa em 2002. Tem antecedentes longínquos que se iniciam com a chegada de Dom Fragoso na Diocese de Independência, nos anos 1960 do século passado. Vai ser a partir daí que o religioso começa um trabalho de educação de base com ênfase na luta pela terra, pelo

processo de organização sindical e comunitário. Já nessa época, os/as agricultores familiares questionavam, junto à Pastoral da Terra, qual seria a melhor forma para se trabalhar no campo. Iriam reproduzir as técnicas e a forma de produção utilizada pelo Serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER37, adotado no período, cuja base era o modelo da revolução verde ou iriam procurar outras formas/técnicas e modelos produtivos? E, ao se encontrar a forma correta e adequada de produzir, quem iria produzir? Com quem contar para produzir? Esses questionamentos eram debatidos, segundo Machado, um dos colaboradores, representante da CPT e membro do conselho da EFA, nas áreas de conflitos de terra.

Com o tempo e já organizados em assentamentos, passam a ser debatidas nos mesmos e, posteriormente, passam a ocorrer no Fórum dos Assentados. O Fórum dos Assentados foi um momento de organização que passa a reunir e agregar todos os assentamentos da região. E foi exatamente para fortalecer a luta pela posse da terra que ele foi criado. Hoje em dia, os encontros do Fórum são anuais e a EFA Dom Fragoso sempre participa deles.

Um ponto sempre presente nessas reuniões, segundo Maria Lopes (Kika) uma das monitoras e coordenadora da equipe de monitores da escola em 2009, é a questão da educação. Os assentados/as afirmavam haver conquistado a terra, mas seus filhos e filhas não queriam nem mais viver e nem produzir nela. Eles e elas continuavam indo embora para os grandes centros urbanos. E os pais queriam outra escola e outra educação, mas não de qualquer jeito e nem a escola que eles/as já conheciam, pois tinham clareza de que ela era responsável por incentivar o êxodo rural, portanto, a saída dos/as jovens do campo. Faziam críticas à escola tradicional e queriam encontrar uma alternativa educacional para seus filhos/as.

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Os serviços de assistência técnica e extensão rural – ATER foram iniciados no Brasil no final da década de quarenta, no contexto da política desenvolvimentista do pós-guerra. Uma análise histórica nos permite identificar diferentes fases pelas quais passou o extensionismo no país. Não obstante, é possível afirmar que o período mais crítico ocorreu após a extinção da Embrater – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, em 1990, durante o Governo Collor, sob a égide do modelo neoliberal de Estado Mínimo. O Brasil, a partir de 2003, iniciou um processo de construção de uma política para assistência técnica e extensão rural, capaz de atender a agricultura familiar de forma efetiva, de modo a contribuir para a superação da problemática sócio-ambiental vigente no campo e trabalhar para a transição a estilos de agriculturas sustentáveis, bem como articular as demais políticas públicas voltadas ao meio rural. Esta nasce a partir da análise crítica dos resultados negativos da Revolução Verde e dos problemas já evidenciados pelos estudos dos modelos convencionais e passa a ser instrumento novo e capaz de contribuir para a construção de outros estilos de desenvolvimento rural e de agricultura que além de sustentáveis possam assegurar uma produção qualificada de alimentos e melhores condições de vida para a população rural e urbana.

A discussão se fortalece no Fórum dos Assentamentos, porque o pessoal socializava as conquistas, mas, também, as necessidades que se tinha. E isso sempre aparecia. Nós estamos conquistando a terra, mas os nossos filhos continuam indo embora. Então, o que nós precisamos? E, automaticamente, eles diziam: “A escola que nós temos não ajuda, pelo contrário, faz com que nossos filhos queiram mesmo ir embora”. (Maria Lopes do Nascimento – Kika monitora e coordenadora da EFA em 2009).

Apesar da conquista da terra, o processo de migração para as cidades permanece intenso. Agora não mais para as grandes cidades, mas para as cidades-sedes. Há um processo de esvaziamento do campo e o jovem não quer mais permanecer no campo apesar da conquista da Reforma Agrária. Quem vai ficar no campo? Perguntam os/as agricultores/as. E os agentes da Pastoral refletiram sobre a resposta que poderia ser dada.

Machado conta que eles conheciam experiências educacionais de Escolas Famílias Agrícolas e propuseram aos assentados que fosse realizada uma visita para conhecê- las nos estados da Bahia e do Piauí. Após a visita, houve uma negociação para decidir se a implantação da escola seria viável. Resolvida essa questão a próxima fase seria decidir o local onde seria implantada a escola.

A decisão da implantação da escola ser no município de Independência, inicialmente, não foi bem aceita porque não havia acesso fácil até a área da escola; as condições da terra não eram favoráveis, uma vez que era uma terra degradada e não havia tradição de agricultura no local.

Os agentes da CPT discutem, com os/as parceiras do projeto EFA, alguns critérios para decidir o melhor local para implantar a escola. O primeiro deles, proposto pelos/as agricultores/as, é que esta deveria ser num local onde tivesse um maior número de pessoas interessadas e dispostas a colaborar com o projeto; o segundo, também proposto pelos agricultores/as, é que a implantação se desse numa área com tradição de produção agrícola; e o terceiro critério, proposto pelo agente da CPT, é que esta deveria ser implantada numa área desafiante, isto é, numa área que fosse parecida o mais próximo possível com as condições ambientais das propriedades da maioria dos agricultores e agricultoras familiares da região e do Estado. A justificativa para a inclusão e defesa deste critério era exatamente para demonstrar que era possível e viável viver e fazer agricultura no SAB, dentro dos princípios da convivência em uma área nessas condições. Era para aprender, dentro de uma situação critica e limite a produzir e a se organizar. Assim se expressa Machado:

Inicialmente, eles acharam que não podia ser em Independência; achavam que devia ser em outro local mais fácil onde o acesso fosse mais fácil, onde tivesse uma área mais apropriada para a agricultura, onde tivesse uma tradição maior da agricultura que não era o nosso caso aqui. Eles primeiro acharam que devia ser em um local onde tivesse o maior número de pessoas interessadas, mais envolvidas que levassem o projeto adiante. Eu, ao contrário, achava que devia ser em uma área mais desafiante que era justamente para provar que era possível fazer agricultura no semiárido, nas regiões mais degradadas para ajudar o pessoal, porque esse é o estado comum das propriedades. É para o pessoal aprender, dentro da situação mais crítica, a fazer a produção, a organizar. E, então, estamos nós aqui. (Padre Manoel Beserra Machado representante da CPT e membro do Conselho da EFA).

Depois de tomada a decisão de implantar a escola no município de Independência, houve, durante aproximadamente um ano, um trabalho de base. Este, envolveu discussão com as comunidades para formatar a proposta, o desenho das instalações, a forma como estas seriam e o projeto pedagógico da escola.

Em relação à sua estrutura física, avaliava-se que a mesma deveria ser bem simples, semelhante à casa das famílias da região para que não houvesse uma mudança grande e brusca. Assim foi criada a Associação para encaminhar essas decisões como podemos identificar no depoimento de Machado.

Depois dessa decisão nós ficamos um ano discutindo com as comunidades como é que ia ser o local; como encaminhar as coisas, porque nós achávamos que devia ser uma coisa bem simples, bem parecida com a casa das famílias da nossa região para não haver uma mudança grande desenraizando os meninos/as. Nós queríamos que eles/as sentissem como se fosse uma continuidade das suas vidas em família, do seu lugar. A questão dos hábitos alimentares essas coisas todas. A mudança para a escola em regime de alternância ia ser um choque para eles/as. Mas nós não queríamos que fosse de uma maneira tão acentuada. Nós criamos a associação e a associação tem o conselho administrativo que é quem pode encaminhar essa parte de construção, os primeiros espaços. (Padre Manoel Beserra Machado representante da CPT e membro do Conselho da EFA).

Com a descrição acima da trajetória da EFA Dom Fragoso, vimos que o processo de implantação do seu modelo educativo é muito semelhante à história dos Centros Familiares de Formação em Alternância e que esta seguiu as orientações propostas no Programa Nacional de Educação por Alternância para a Agricultura Familiar, conforme apresentado no capítulo 5. Constatamos também que as motivações que levaram os agricultores franceses a procurarem alternativas de educação para os seus filhos são semelhantes às motivações e insatisfação que os pais da Escola Família Agrícola Dom Fragoso tiveram em relação à escola existente, de modelo e proposta conservadora que, na visão deles, incentivava o êxodo rural e o desinteresse pelo campo e suas atividades que fizeram com que estes buscassem alternativas educativas do mesmo modo que fez o pai de Yves, em 1930, na França.