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Calma! Ninguém precisa se assustar. Quem me conhece e sabe a admiração pelo ator cujo nome é citado no título deve pensar que eu fiquei louco, ainda mais num concurso literário cujo tema leva todos a pensamentos leves, e não raivosos como esse. Mas vocês em breve entenderão o motivo do título.

O senhor ou senhora que esteja lendo este texto espera uma crônica romântica, pois o tema solicitado propicia o romantismo. Os mais rigorosos diriam que só o romantismo caberia numa crônica que tratasse sobre Paris. Eu costumo dizer que meu romantismo é um arquivo de computador que ficou guardado em algum lugar diretório que não consigo encontrar. Mas os amigos rebatem dizendo que esse jeito é apenas uma forma romântica de não querer se mostrar romântico. Entenderam? Nem eu.

Nunca atravessei o oceano Atlântico. Para dizer a verdade, sequer atravessei qualquer fronteira do Brasil. Mas, desde criança, meus sonhos sempre passam pelas luzes da Cidade Luz. São inúme- ras viagens mentais que me fizeram personagem de histórias das quais participavam em geral belas atrizes. Francesas, é claro.

Com 12 anos, ouvia falar de Brigitte Bardot. Ela tinha vindo passar férias na Região dos Lagos, em Búzios, deixando o local superfamoso. Foi a primeira protagonista de meus sonhos. Acorda- va suado, após longos beijos daquela linda mulher, deixando todos os meninos com ciúmes de minha conquista. Pior que não sonhava só dormindo. Às vezes no meio de uma aula sonolenta sobre os afluentes do rio São Francisco, lá estava eu chegando de Concorde ao aeroporto de Paris, segurando as mãos de minha musa sob os

* Mora em Niterói. Licenciado em Letras pela UFF, funcionário desta Universidade, foi finalista do Prêmio UFF de Literatura 2007.

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olhares curiosos de seus fãs. Se fosse cantada por Camões, e portu- guesa fosse, essa deusa seria chamada de tágide e habitaria o rio Tejo junto com outras tágides. Mas no Sena não havia tágides, havia a Brigite, a minha Brigite. Engraçado que depois de muitos anos de ostracismo cinematográfico, outras aparições da ex-deusa francesa, só que dessa vez não mais nos braços de astros da telona, mas em meio a dezenas de gatos e cachorros, desconstruíram aquela imagem que eu tinha dela na adolescência. Não foi só o tempo que provocou aquele efeito, afinal ela estava numa idade em que muitas mulheres ainda apresentam todo o seu esplendor de beleza.

Com 18 anos, já na universidade, passei a frequentar inúme- ras sessões de cinematecas que tivessem como tema o cinema fran- cês. Passei a conhecer de cor todos os nomes de diretores franceses e seus filmes. Desse jeito, Alain Resnais, Luc Besson, Robert Bresson, Costa Gravas, René Clément, Jean Renoir, e muitos outros eram no- mes que faziam parte do meu mundo. Tanto que era difícil conversar com as meninas, pois só conheciam os nomes dos bonitões dos en- latados americanos. Se eu falasse do narigudo Gerard Depardieu, elas riam de mim, e falavam que só conheciam Tom Cruise. E, se por um milagre falassem de um ator francês, só sabiam que existia o Allain Dellon. Por falar no Dellon, era alvo de inveja, como aliás eram todos os galãs para nós garotos. Eles não poderiam beijar todas aquelas lindas mulheres impunemente. Por outro lado, o feioso do Depardieu ou o apenas simpático Jean-Paul Belmondo recebiam nossa solidariedade.

Catherine Deneuve era um caso especial. Não pensava nela como objeto de meus sonhos. Sua figura era mágica. Uma elegância na mais pura expressão da palavra. A Champs Ellysée seria pequena para aquela majestade da beleza. A Torre Eiffell seria considerada apenas um monte de ferro se por ela Catherine passasse. Era como se fosse uma deusa maia, muito mais bonita, é claro, e que merecia ser cultuada por seus súditos. Mas parecia que aquela bela da tar- de, e também da noite e dos dias de Paris, queria manter um sopro de mistério que amedrontava os homens. No entanto, aquele seu ar me fascinava. Quando combinado com cenas parisienses então,

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cidade provocava no meu imaginário.

Paris é Paris por si só. Não é preciso ter uma Eiffell, um Louvre, Arco do Triunfo, ou qualquer outro ponto turístico para Paris ser Paris. Não foi coincidência que uma geração inteira de escritores, como James Joyce e Hemingway, se deslocou para lá, formando a famosa “Lost Generation”, ou geração perdida, e passou a produzir imen- suravelmente a partir de então. O endereço da livraria Shakespeare & Company, onde eles se encontravam, eu sei de cor: 37 rue de la Bûcherie. Até o som é bonito.

Porém, mesmo com toda essa adoração pela França, contra- ditoriamente este que vos escreve escolhia o inglês para estudar na escola, quando tinha uma turma de francês com muitas vagas so- brando. Na única vez em que conversei com uma francesa, vejam só, usei o idioma de Shakespeare. Contradição, este é meu nome.

De qualquer forma, vou mais uma vez tentar deixar este pe- queno texto ao menos um pouco romântico. Isso se deve porque agora, lendo novamente o tema, “Paris, um dia, uma noite” me levou a um filme e a minha mais recente musa francesa. Na realidade são dois filmes, pois um é a continuação do outro. Não uma continuação comum, pois o hiato entre os dois é de nove anos. Antes do amanhe-

cer é o primeiro, e a continuação é Antes do pôr do sol. Um jovem

americano em viagem pela Europa conhece uma francesa num trem a caminho de Paris, e, ao chegarem à cidade, ficam os dois durante o filme inteiro só conversando, passeando pela capital da França. Quem lê essa tentativa de resumo de um filme vai pensar que o filme seja um tédio total, mas se enganam, pois tem um ritmo e um clima bastante aproveitados pelo ar parisiense. Não foram a nenhum local superfamoso, mas todo o passeio foi lindo. E vocês devem imaginar que a musa da vez seja incrivelmente linda. Não, Julie Delpy não é nenhuma Catherine Deneuve, nem tão pouco Brigitte Bardot, mas tem algo que atrai aqueles que não procuram somente mulheres vo- luptuosas, com olhos lindíssimos, lábios carnudos e outros atributos que a mídia usa para produzir novas estrelas. Mas não tentem os fofoqueiros de plantão me jogar contra ela, pois não a chamei de

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feia. Outro dia, passeando pela internet, encontrei um “concorrente” anônimo, um fanfarrão que ousou compor uma música em sua ho- menagem, e a publicou no Youtube. Vai procurar sua turma! e canta para Angelina Jolie, e depois você se vê lá com o Brad Pitt. Since- ramente, é difícil explicar essa recente “paixão”, talvez seja o jeito que mistura sensualidade com carisma, força e fragilidade, audácia e timidez, ousadia e receio. Creio que tem tudo isso, mas tem muito a ver com a aura de Paris que ajuda a torná-la daquele jeito. A Cidade Luz não precisa de nada para representar o que ela já é.

Hoje já não tenho sonhos como os da adolescência, mas, se adolescente fosse e pudesse realizar aqueles milagres que aparecem em filmes como Quero ser grande, trocaria de lugar com o maldito ianque, o cara lá do título, que ficou com a Julie doce Delpy até o amanhecer na primeira vez, amou-a, e nove anos depois a reencon- tra naquela mesma livraria citada no sétimo parágrafo. Nesse reen- contro, ele fica com ela até o pôr do sol. Somando os dois encontros dá um dia inteiro com ela! Valeria a pena estar lá e vê-la maltratar ainda mais meu coraçãozinho, e cantando a Valsa para uma noite e, mesmo que fosse só para eu me enganar, ela incluiria o meu nome no meio da canção e ao final ainda imitaria Nina Simone, com seu andar rebolado, e depois diria em inglês mesmo, pois a ela eu per- mito: “Baby, you´re gonna miss that plane”, ou no popular, “Cara, não pegue aquele avião e passe a noite comigo”.

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O café (ou o absinto)