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A jovem volteava com o olhar o lugar onde estava ao deparar- se com a catedral de Notre-Dame de Paris. Seus belos olhos escuros observaram aquela grandiosa obra em pedra com a sua pintura amarela. Os três portais cortados em ogiva, a imensa rosácea cen- tral e as duas torres maciças. Estremeceu, mordendo o beiço inferior. Estava com medo. Pensou em entrar, mas receou.

Um passo. Escutou ao seu lado o som de um guizo. Volveu o corpo ágil de 16 anos. Era uma cabra. Pequena e de um pelo branco surrado. Sorriu aliviada. O animalzinho esfregou seu corpo na calça da jovem. Esta se abaixou e coçou com força a cabecinha dele. Indagou, olhando-o ternamente:

– Quer ser minha amiga?

A cabra pareceu encarar a garota por segundo. Hesitou, mas logo em seguida começou a saltitar alegre em torno dela. Esmeralda jogou os belos cabelos escuros de lado, sorria mordendo o beiço inferior. Agora não andaria mais sozinha pelas ruelas de Paris. Afas- tou o pandeiro preso à alça da bolsa, que atravessava o tronco, para abri-la. Era uma cigana. A bela morena procurou por um peda- ço de pão, sobra do almoço. Encontrou. Esfarelou o que seria o seu jantar e com o côncavo da mão permitiu que a cabrinha lanchasse. Talvez, mais tarde aparecesse outra coisa para comer.

Acabados os farelos, Esmeralda ergueu-se. Aproximou-se da porta direita do portal central da catedral. Percebeu que estava ligei- ramente aberta. Com a mão forçou-a a fim de ampliar o espaço para poder entrar. Um grito, contudo, interrompeu-a:

– Cigana!!! Ladra!!

* Graduando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é autor de literatura juvenil.

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A bela jovem mordeu com vigor o beiço inferior. Olhou nervo- sa em volta. Precisava fugir. Correu para o lado direito da catedral de Paris, sua nova parceira a seguiu. Os pombos que encontraram no caminho voaram assustados. Esmeralda seguiu pelas emaranha- das ruas da cidade. Seu dia não fora fácil, sua noite também não se- ria. Vez por outra, olhava para trás a fim de ver se ainda continuavam em seu encalço. Se fosse pega, não escaparia. Entardecia em Paris, os raios do sol luziam a pele da brasileira. O ar frio, porém, gelava- lhe o rosto. Mordia o lábio inferior para acalmar seu coraçãozinho que batia descompassado.

A cigana enveredou por várias ruas, ora entrando numa à direita, ora numa à esquerda. A sua mais nova amiga a acompa- nhava decidida. As travessas e vielas por onde as duas passavam tinham bem pouca lógica. Com os segundos, o sol ia se pondo e os caminhos parisienses ficavam mais escuros.

Esmeralda parou no centro de uma ruela estreita. Arfando, não conseguia mais correr. Olhou para trás. Ninguém. Segurou com vigor o colar que saltara de dentro da blusa. A pedra verde desa- pareceu sob a mão. Aquele objeto não podia ser roubado de novo. Encostou-se na parede de uma antiga casa que fazia esquina. Seu corpo deslizou até desabar no chão sujo. A cabrinha deitou-se ao seu lado, também estava exausta.

A jovem cerrou os olhos suspirando longamente. Sem perce- ber, havia anoitecido.

– Consegui escapar... – uma grossa mão agarrou sua boca. Um grito de pavor foi sufocado. A cigana começou a debater-se. A cabra saltou e cabeceou o inimigo. Este a chutou para longe.

Esmeralda viu o rosto do bandido que a segurava. Reconhe- ceu os cabelos negros e bastante grisalhos, a pele branca e a barba por fazer. Seria bonito se não conservasse uma expressão maldosa. Era o homem de quem ela roubara o colar.

Do telhado de uma das casas daquela ruela parisiense, um ser estranho observava a tudo escondido no silêncio noturno.

Esmeralda lutou para se soltar, mas os seus esforços eram inú- teis. Estava cansada demais. O pandeiro, contudo, soava.

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na rua. O homem que a segurava não ligou para o rapazote de aparência frágil.

Gringoire, era o seu nome, avançou contra o homem. Porém, com um soco certeiro em plena face do rapaz, o criminoso conseguiu derrubá-lo sem soltar a jovem. O rapazote grunhiu de ódio, mais pela ação fracassada do que pela dor e pela queda.

– Eu não estou entendendo o que está acontecendo – falou com voz grave um outro rapaz que acabara de dobrar a esquina formada pela parede da casa onde a morena se encostara.

O homem encarou-o por um momento.

Este agora era louro, alto e forte. Seria uma disputa difícil. O ladrão jogou Esmeralda em sua direção a fim de deter o rapaz que ameaçou se precipitar. A cigana sentiu um aperto no pescoço, como se algo quisesse cortar-lhe a garganta.

A correntinha do seu colar fora arrebentada violentamente. Febo, o que acabara de aparecer, agarrou Esmeralda. O pan- deiro soou outra vez. Em seguida, o rapaz tomou a dianteira em posição de defensa. Era um escudo para a bela jovem. Gringoire se aproximou dos dois, o lado esquerdo do rosto arroxeado começava a inchar.

O criminoso mirou o colar em sua mão. Pegara o que queria. Começou a correr, sem se voltar para trás. Percorreu apenas cinco metros, porque uma grande massa humana desabou do telhado de uma das casas e interrompeu-lhe o caminho. Era o ser estranho que observava a cena de longe. Decidira agir.

A escuridão noturna embaçava-lhe os contornos. Esmeralda, Gringoire e Febo só puderam perceber que era um rapaz despropor- cional. Sem formas.

Com a mesma agilidade com que saltou para a ruela, socou com força o homem que caiu desfalecido. O colar veio parar perto dos pés do ser que surgira. Recolheu a correntinha. Devagar, se aproximou do trio. A menos de dois metros do grupo, o luar ilumi- nou o seu feio rosto.

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Esmeralda fechou os olhos ao ver aquela horrenda figura. Gringoire e Febo se entreolharam.

Cabelos ruivos na cabeça que parecia se esconder entre os ombros, o olho direito desaparecia embaixo de uma enorme eleva- ção facial, os lábios tortos e sobressalentes, mãos grandes e assusta- doras, e um corpo forte desproporcional. Era corcunda.

– Quem é você? – perguntou Febo.

– Quasímodo – respondeu. – Sou o corcunda de Notre-Dame. Ele ergueu a correntinha. A pedra preciosa, uma esmeralda, reluziu à luz do luar.

– É sua ou é dele? – perguntou o corcunda a Esmeralda apon- tando com o rosto o homem no chão.

Ela, mordendo o beiço inferior, esforçou-se em olhar para ele. Tremia de medo, como se estivesse com frio.

– É minha... Fora de minha mãe... Este canalha do Cláudio a roubou meses atrás... Decidi vir a Paris buscá-la... Era minha de direito... Ele não quis me devolver... Fui obrigada a roubá-la...

Quasímodo se aproximou ainda mais. Os dois rapazes se pre- pararam para atacar caso fosse preciso. O enorme corcunda ergueu a mão segurando o colar para que Esmeralda o tomasse. Ela voltou os olhos para o lado, pois não queria ver aquele ser feio. Hesitou, mordeu o beiço inferior, tremeu quando seus dedos tocaram na mão assustadora do corcunda, no entanto, um sentimento de segurança a invadiu, não pôde entender de imediato, pegou a joia.

– Obrigada! – sussurrou baixinho.

Volveu os olhos para observá-lo. Talvez não fosse tão feio como pensara ter visto. Mas, ele sumira. Os rapazes não poderiam explicar para onde ele fora. Apenas desaparecera.

Um vento parisiense levantou a sujeira perdida na rua. A ca- brinha, com uma das patas dianteiras quebrada, aproximou-se do grupo de humanos.

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