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Cheguei a Montmartre depois de visitar o Arco do Triunfo e o museu do Louvre, onde em sonhos, Paris toda é um sonho, pelo menos quando se tem um dia, uma noite e nada mais de tempo para conhecê-la.

O que posso fazer aqui sozinho, no Moulin Rouge? O que alguém pode levar de Paris em pouco tempo?

Certamente levarei muitas lembranças, cartões-postais, foto- grafias da Torre Eiffel, do rio Sena, do palácio de Versalhes, da cate- dral de Notre-Dame, do Centro Georges Pompidou e de mil lugares encantadores pelo significado histórico e humanístico. Se eu estou no país mais decisivo para a memória filosófica moderna, se estou na capital mais charmosa do mundo, se me encontro aonde meus sonhos me levaram depois de anos e anos de teimosa poupança, então nada é mais importante do que usufruir cada minuto, sentir- me num céu desejado e imaginado por todos os séculos de minha ancestralidade.

Em tempos antigos, certamente uma quenga parisiense quere- ria sentar em meu colo e filar um copo de champanhe. Era possível fazer um streap só para mim, convidar-me para vê-la nua num dos muitos quartos num ambiente róseo onde me oferecesse seus do- tes sedutores. Hoje, certamente, ficarei aqui na companhia de um grupo de australianos, dois ricos mexicanos e algumas dondocas canadenses que vieram ver de onde saíram os conquistadores de suas geladas terras.

* Mora em Santa Rosa (RS). Formado em Letras, é professor. Autor premiado e edita- do em inúmeras antologias, obteve o 2o lugar em contos no Prêmio UFF de Literatura

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vi muitas coisas e, se não encontrei um par para me acompanhar pela cidade, certamente é culpa minha, pois vi vários olhares me seguirem nas aleias e ruas por onde circulei.

– Prazer, cavalheiro! Sou Francineide, a carioquinha mais pa- risiense que existe!

– O prazer é meu, Francineide. Meu nome é Dorival e sou o brasileiro mais solitário que a França já viu pisar em suas pedras do passado!

Não é preciso contar o que Francineide me fala e nem o que me propõe enquanto tomamos uma, duas e três taças de vinho Bour- bon. Ela não quer champanhe, imagina ser bebida comemorativa e nós estamos somente nos conhecendo como brasileiros em Paris. Nunca antes nos víramos no carnaval, em festa junina ou bumba- meu-boi. Ignoramos a existência um do outro quando estivemos na farra do boi ou num rodeio. Tudo é perfeitamente compreensível. A providência quer que nos conheçamos na terra de reis com poder oriundo de Deus, de filósofos que mudaram o pensamento preso ao religioso e contrário ao bem-estar terrestre. Não! Não é motivo para sermos guilhotinados na Bastilha, nem para ficarmos bebendo sem companhia na última noite em Paris. Amanhã ambos embarcaremos para o Brasil, ela pela Air France, o avião não cairá no mar, eu pela TAM a descer não em Congonhas, mas no Galeão.

O Brasil sempre coube em nossos corações, e a França cabe em nossas palavras por algumas horas. Francineide ficou um mês, volta ao Brasil para buscar sua mudança. Eu passeei pela Europa por uma semana e saio de Paris para ir ao Brasil e continuar meu trabalho como professor nada valorizado e muito mal pago. Nada poderia fazer profissionalmente na Cidade Luz. Ela vive melhor aqui do que na terra tupiniquim. Guia de turismo pode circular por todas as partes de qualquer cidade. Hoje é a folga de Francineide, por isso ela veio aqui na esperança de encontrar algum brasileiro.

Conto-lhe que na pátria verde-amarela os escândalos se suce- dem enquanto o presidente viaja e o vice quase agoniza. Ela conta- me que já viajou para o interior francês e que neste país escândalos,

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assim, motivariam ondas de protesto sem controle. O povo manda nos políticos e eles se cuidam bem mais do que lá.

Mas o que temos a conversar sobre essas coisas? A proposta de Francineide não me sai da cabeça. Ela continua tomando peque- nos goles de vinho e seu rosto está cada vez mais afogueado. Sinto uma leve tontura, algo bem gostoso por ser em Paris.

O dia valeu a pena pelos passeios, pelas fotos e cartões, pela sensação de estar em lugares onde o mundo todo gostaria de ficar. A noite recompensa porque posso falar português em Paris e firmar um contato para sempre, para nunca mais ficar desconectado da terra em que Carlos Magno construiu uma nação, tantos Luíses reinaram e Napoleão imperou depois que a revolução não se sustentou.

E a proposta de Francineide? Se eu a aceito?

Por que não a aceitaria?

Claro que faço tudo que é possível de acordo com os seus pla- nos. Andamos de barco no Sena e passamos por baixo de tantas pon- tes que perco a conta, pois Francineide não para de falar, firmemente abraçada em mim para não sentir tanta friagem advinda das águas.

Só de madrugada volto ao hotel para onde o táxi me traz de- pois que deixo a nova amiga em sua casa, um tipo de pensão com ares familiares.

No aeroporto, vejo Francineide na hora do check-in. O voo me traz são e salvo ao Galeão. No desembarque, fico sabendo que no Brasil mais de 30 pessoas já morreram por causa da nova gripe. Sou avaliado por um médico que me libera depois de assegurar-lhe não ter tido contato com ninguém doente.

O que fiz em Paris, diferente do que faço no Brasil?

Vi em um dia e uma noite tudo que um sonhador é capaz de ver. E sobrou uma imensa saudade...

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