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O Cartório do Convento de Nossa Senhora da Graça de Lisboa: instru mento de estudo para as formas de interioridade da Ordem dos Eremitas

DE SANTO AGOSTINHO

3. O Cartório do Convento de Nossa Senhora da Graça de Lisboa: instru mento de estudo para as formas de interioridade da Ordem dos Eremitas

de Santo Agostinho?

O C.N.S.G.L. possuía uma dupla vivência como casa conventual e como sede provincial da Província de Portugal da O.E.S.A. Como resultado desta realidade muito particular, e num mesmo edifício físico, o C.N.S.G.L. possuía dois cartórios distintos: um cartório conventual e um cartório provincial, cada um resultado e reflexo de cada uma das duas realidades institucionais existentes no referido convento.

Como reflexo da atividade de um convento e da Província de Portugal da O.E.S.A., a mesma documentação seria também um reflexo da interioridade e da espiritualidade da O.E.S.A. Aqui, podemos destacar a documentação normaliza‑ dora e reguladora da vida conventual e da vida provincial dos Eremitas de Santo Agostinho como reflexo dessas mesmas interioridade e espiritualidade.

Em 10 de março de 1601, um breve de Clemente VII concedia indulgências “A todos os fiéis crisptaos homens, e molheres, que Verdadeiramente penitentes, e Confessados, e Comungados Visitarem feustamente a igreja da Casa dos frades de Nossa Senhora da Graça da Ordem de Sancto Augustinho da cidade de Lisboa, e o Oratorio da inuocação de Sancta Maria de Penha de França, que está fora dos

12 Ainda hoje, a Procissão do Senhor Jesus dos Passos da Graça se realiza anualmente, ainda por iniciativa

da Irmandade dos Passos da Graça e sempre no segundo domingo da Quaresma.

13 Com a fixação definitiva da Universidade em Coimbra, esta procissão passou a realizar‑se, temporaria‑

mente, a partir da Universidade ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra; com a fundação do Colégio de Nossa Senhora da Graça de Coimbra, a procissão começou a realizar‑se partindo deste Colégio, embora a sua realização tenha vindo a ser interrompida.

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muros da ditta cidade debaixo do gouerno e proteição dos mesmos frades (…)”14

em dias determinados pelo mesmo documento: as festas da Assunção, da Nativi‑ dade e da Anunciação de Nossa Senhora. Tal realidade poderá indiciar, por um lado, a devoção mariana dos Eremitas de Santo Agostinho e, também, a ligação destes às comunidades em que estavam inseridos.

Por outro lado, o C.N.S.G.L. tinha também uma grande ligação à Coroa, que reconhecia o mérito intelectual dos seus membros. Tal se depreende de uma carta de Don Filipe II a Frei Egídio da Apresentação para que este refutasse o livro Mare

Liberum uma vez que “(…) porque cumpre a meu seruiço, que se lhe responda de

maneira que fique de todo desfeito o intento que os Rebeldes tiuerão de acereditar seu attreuimento; E de uossas Letras, e prudençia confio que o fareis comprida‑ mente: uos encomendo muito, que uos disponhais a este trabalho (…)”15.

Esta ligação manteve‑se ao longo do tempo e, com Dona Maria I, Frei António de São Luís foi nomeado pela monarca “(…) para Professor da mesma Cadeira [de Filosofia Racional] em quanto Eu assim o houver por bem, e não mandar o contrario. E jurará o dito Professor perante o Arcebispo de Lacedemonia do meu Conselho, (…)”16. Esta nomeação justificou‑se “(…) Tendo em consideração no

zello, e Actividade com que se tem empregado no serviço de Deos, e Meu os Religiozos do Convento de Nossa Senhora da Graça desta Corte (…)”17.

No entanto, esta vivência do carisma e da interioridade pela O.E.S.A. não se verificava apenas junto da comunidade. Esta vivência era também experienciada de uma forma interna à Ordem e regulada pelos próprios estatutos internos da mesma, fosse ao nível da Província ou ao nível do Convento.

De facto, momentos relevantes na vida comunitária deveriam ser vividos pela comunidade dentro da comunidade. Estes momentos incluem não apenas a Euca‑

14 Cf. Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, Convento

de Nossa Senhora da Graça de Lisboa, Treslado de um breve de indulgências concedido pelo Santíssimo

Padre Clemente VIII Nosso Senhor, aos fiéis cristãos que visitarem a igreja do Mosteiro de Nossa Senhora da Graça da Ordem de Santo Agostinho desta cidade de Lisboa e a Ermida de Nossa Senhora da Penha de França, que está debaixo de seu governo e protecção nos dias do dito breve declarados, (PT/AHPL/OESA/

CNSGL/02/004), 1601/03/10, fl. 01.

15 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, Convento de

Nossa Senhora da Graça de Lisboa, Carta de Dom Filipe II pedindo a Frei Egídio da Apresentação para

refutar o livro Mare Liberum, (PT/AHPL/OESA/CNSGL/03/028), 1618/02/26, fl. 01.

16 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, Convento de

Nossa Senhora da Graça de Lisboa, Carta régia de Dona Maria I fazendo mercê ao Prior e Religiosos do

Convento de Nossa Senhora da Graça, da Ordem de Santo Agostinho, duma cadeira de Filosofia Racional, com o ordinário anual de 80.000 réis e nomeando seu regente Frei António de São Luís, sendo a este aplicados 30.000 réis por ficar encarregado da dita regência, (PT/AHPL/OESA/CNSGL/03/031), 1779/10/15, fl. 01.

17 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, Convento de

Nossa Senhora da Graça de Lisboa, Carta régia de Dona Maria I fazendo mercê ao Prior e Religiosos do

Convento de Nossa Senhora da Graça, da Ordem de Santo Agostinho, duma cadeira de Filosofia Racional, com o ordinário anual de 80.000 réis e nomeando seu regente Frei António de São Luís, sendo a este aplicados 30.000 réis por ficar encarregado da dita regência, (PT/AHPL/OESA/CNSGL/03/031), 1779/10/15, fl. 01.

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ristia mas também o Advento e a Quaresma. Todos os conventos da Província deveriam observar a determinação pela qual

“(…) se guarde sempre o estyllo que nella há âcerca da renovaçaõ do santissimo sacramento, cada quinze dias à Missa conventual, nos conventos grandes à quinta feira, e nos pequenos ao Domingo a qual serâ com a mayor solemnidade possivel, e a cantaram sempre o Prelado do Convento, e estando impedido a diram sempre algum dos Padres mais gráves da sua familia. E  assim que sejão mais dias de comunhaõ da ordem a todos os religiosos desta provincia o da Conceição da Virgem Senhora Nossa, o de Saõ Tiago mayor e o de Nossa Madre Santa Monica. E outrosim mandamos que na Quaresma haja tres dias de disciplina âs segundas, quartas e sestas feiras, e no advento âs quartas, e sextas feiras, e no mais tempo do anno âs sextas feiras, tirando as que cahem entre Paschoa e Paschoa.”18

Esta vivência comunitária pelos religiosos de cada convento durante os perío‑ dos do Advento e da Quaresma era reforçada com a determinação de que “(…) os Reverendos Padres Priores naõ possaõ dár Licenca aos Religiosos para estarem fóra dos seus conventos no tempo da Quaresma, e dos dous mezes do Advento, da qual Ley exceptuamos os Pregadores que forem prégar fóra â Lugares apartádos, e no mais tempo do anno se limita aos Prelados Locais, que naõ possaõ dar Licença, mais que por hum mes.”19

Enquanto conjunto, a O.E.S.A. não era uma realidade estanque e comunicava internamente. As várias Províncias comunicavam entre si e, a 13 de setembro de 1602, “(…) propos o Padre Provincial em capitulo priuado se deuiamos ajuda desta prouinvia para a canonização do Bem aventurado Saõ Ioaõ de Sagum e por‑ que modo e se assentou que uisto ser tanta honrra e credito da Ordem lhe desse esta prouinvia a mais esmolla que podesse e do modo trataria polla milhor ordem que fosse possiuel sem carregar muito a prouincia e as casas. e que por horas se escreua ao Padre Reitor da prouincia de Castela, que a prouincia daraa a maior esmolla que poder.”20, verificando‑se assim que várias províncias dos Eremitas de

Santo Agostinho se uniram em torno de uma causa comum, mais concretamente a canonização de São João de Sahagún.

18 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, Convento de

Nossa Senhora da Graça de Lisboa, Estatutos e leis do Convento de Graça de Lisboa, (PT/AHPL/OESA/ CNSGL/01/001), 1609/09/24 – 1732/02/29, fl. 15.

19 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, Convento de

Nossa Senhora da Graça de Lisboa, Estatutos e leis do Convento de Graça de Lisboa, (PT/AHPL/OESA/ CNSGL/01/001), 1609/09/24 – 1732/02/29, fl. 16v.

20 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Livro de Registo de Documentos dos Agostinhos em Portugal,

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Vistos alguns exemplos textuais provenientes de documentação proveniente dos Cartórios da Província de Portugal e do C.N.S.G.L., parece‑nos ser óbvio que a documentação de cariz mais normativo, e até alguma correspondência, nos fornece pistas sobre o modo como os Eremitas de Santo Agostinho viviam a interioridade e a espiritualidade próprias da sua Ordem.

Verificando‑se a existência de uma dupla regulação da vida da comunidade, provincial e conventual, esta visava normalizar a vida dos religiosos dentro do binómio da comunidade interna de cada convento e, ao mesmo tempo, da comu‑ nidade envolvente do mesmo. Toda esta regulação deveria refletir‑se na vida de cada um dos religiosos que integravam a Província de Portugal da O.E.S.A. Membros de uma Ordem dando um grande enfoque ao estudo, alguns dos seus religiosos destacavam‑se e eram chamados pela Coroa a colaborar com a mesma pelos seus méritos intelectuais e, desta forma, poderiam facilitar a difusão das formas de interioridade e de espiritualidade dos Eremitas de Santo Agostinho.

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