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Convento de Nossa Senhora da Arrábida (1542)

AO RECOLHIMENTO RELIGIOSO

2. Convento de Nossa Senhora da Arrábida (1542)

Mais a sul, e muito mais tarde que o convento da Ínsua, foi fundado em 1542 o convento de Nossa Senhora da Arrábida, que se trata igualmente de um ermitério, estando afastado das povoações mais próximas de Setúbal, Sesimbra e Azeitão. Agradavelmente exposto numa vertente sul da serra, o ermitério da Arrábida tem a vista dilatada pelo oceano, para o qual se abrem as janelas das celas e se voltam os terraços conventuais28.

22 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, Ínsua,

Figuras 73, 74.

23 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p.  102;

p. 227.

24 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p. 341‑345. 25 Frei António da Piedade – Espelho de penitentes e Chronica da Província de Santa Maria da Arrábida,

da Regular, e mais estreita Observância, da Ordem do Serafico Patriarcha S.Francisco, no Instituto Capucho. TOMO PRIMEIRO, offerecido à sempre Augusta Magestade delrey D.JOÃO V, Nosso Senhor por seu author Fr. Antonio da Piedade, Leitor de Theologia, qualificador do Santo Officio, Chronista, Ex‑Diffinidor da mesma Provincia. Lisboa: na Officina de Joseph Antonio da Sylva, Impressor da Academia Real, Tomo I, 1728,

p. 294.

26 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, Documento

30.

27 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, Ínsua,

Figuras 111, 112; Documento 30.



De acordo com o manuscrito inédito “O Monte Santo da Arrábida. Descripção

deste Reformadíssimo Convento, na qual expõem a Vida, e Morte do seu Fundador, Hum mappa do Ermo, e as Acçoens de Virtude, que nella exercitão seus Habitadores para exemplo dos Fieis Christãos, Fr. A. de M. de D., Religioso Leigo da Província da Arrábida”, escrito por volta de 1755, ali então viviam vinte e cinco religiosos29,

sendo esse o número de celas que ainda hoje podemos observar no local.

Arquitetonicamente, o convento da Arrábida é um conjunto de pequenas construções dispostas separadamente e adaptadas com lógica a três estreitos socalcos da encosta serrana, solução eficaz que permite vencer a forma exígua do terreno e a sua forte pendente. Quanto às celas, parte delas foram edificadas numa cota alta e outras concentradas a meio da encosta; mais abaixo ainda, foram dis‑ postas a igreja e restantes dependências conventuais. O edificado obedece a uma linguagem arquitetónica económica, de desenho depurado e atemporal, sendo de excetuar as pequenas capelas construídas no século XVII em linguagem barroca, como adiante veremos.

A economia construtiva e arquitetónica deste ermitério pode ser verificada em vários aspetos, sendo um deles a ausência de corredores. De facto, as ligações entre cada uma das dependências conventuais faz‑se por simples carreiros a céu aberto. Se chovesse, o religioso que ia da sua cela por exemplo até à igreja teria que levar certamente capuz colocado. Para além dos simples carreiros, tratando‑ ‑se de arquitetura eremítica, não se construiu um claustro, pois não é necessária mais clausura que aquela que o próprio ermo proporciona.

Afastados que estavam das povoações, os vinte e cinco religiosos que ali viveram praticavam o “silêncio perpétuo” que os “Estatutos da Província de Santa

Maria da Arrábida…” à qual pertenciam obrigava30. Esta forma de vida, de total

recolhimento, é lembrada na fachada da igreja conventual através da figura escul‑ tórica ali colocada em 1622 pelo terceiro padroeiro. A figura em questão repre‑ senta não apenas frei Martinho de Santa Maria, que fora um dos fundadores do convento31, mas simboliza igualmente o recolhimento praticado neste ermitério,

29 Frei António da Madre de Deus – O Monte Santo da Arrábida. Descripção deste Reformadíssimo Con‑

vento, naqual expõem a Vida, e Morte do seu Fundador, Hum mappa do Ermo, e as Acçoens de Virtude, que nella exercitão seus Habitadores para exemplo dos Fieis Christãos, Fr. A. de M. de D., Religioso Leigo da Província da Arrábida, (s/d), c.1755, fl. 24 v. (BNP – Secção de Reservados, Colecção de manuscritos,

microfilme F 7869).

30 Cap. XVIII. Do Silêncio – Estatutos da Província de Santa Maria da Arrábida Da mais perfeyta Obser‑

vancia de Nosso Seraphico Padre S. Francisco: feytos em virtude de um breve do senhor Papa Innocencio XII. Concedido à mesma Província, sendo ministro provincial o irmão frey Antonio da Apresentação pregador, & Examinador das tres ordens militares: aceytos, & approvados pelo capitulo provincial, que se celebrou em o convento de São Joseph de Ribamar em 6 de Julho de 1697. Em que foy eleyto Ministro Provincial o irmaõ frey Sebastião de Santo Antonio Pregador. Lisboa: na Officina de Miguel Deslandes, 1698, p. 35‑36.

31 Frei António da Piedade – Espelho de penitentes e Chronica da Província de Santa Maria da Arrábida…,

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tal como esclarece frei António da Piedade (1675‑1731), cronista da Província de Santa Maria da Arrábida:

“Tem os braços em cruz, mão direita uma tocha acceza, que significa as boas obras, com que a todos attrahia para os louvores de Deos. Na mão esquerda se vêm penduradas disciplinas, e cilícios, que são as armas, com que alcançava glorioso triunfo dos appetites da carne. Tem os olhos vendados, em sinal da muita cautela, com que mortificava o sentido da vista, que não só evitava, qual outro Job, as incautas, mas ainda às licitas se negava, não querendo ver, por não ser visto. Com hum cadeado na boca mostra continuo silencio, em que sempre viveo, e pontualmente observou. No peito se lhe diviza huma fechadura, que sem duvida nos declara, que o seu coração esteve sempre fechado para os gostos do Mundo, e que só o temor de Deos era a chave, que o abria para receber as suas Divinas inspiraçoens.”32

Para além do contínuo silêncio e da mortificação dos sentidos, resultantes da forma de vida religiosa ali praticada, dispersas pelo ermitério existiam capelas ou ermidas em que os religiosos se podiam recolher. Quatro delas situam‑se na pro‑ ximidade de celas e estavam dedicadas, uma ao Senhor atado à coluna, outra ao Senhor com a Cruz às costas, outra a Nossa Senhora da Penha de França, e outra ao Calvário33. Perto da entrada da igreja há uma capela dedicada a Santa Maria

Madalena, e num terraço situado por trás da cabeceira há mais outra capela que é

dedicada a Nossa Senhora da Piedade34.

Situada no extremo nascente da cerca e completamente isolada, está uma ermida dedicada ao Bom Jesus, no interior da qual sabemos que viviam dois reli‑ giosos no século XVIII35.

Do conjunto de treze capelas ou ermidas, sabe‑se que a construção de nove delas resulta de iniciativa feminina, tendo sido mandadas edificar no século XVII por D.  Anna Maria de Manrique Lara e Cardenas (+1660), que morava numa casa próxima do convento, sendo mulher de D. Jorge de Lencastre (+1632), seu padroeiro. A esta senhora se deve a existência das ermidas que marcam paisa‑ gisticamente a Serra da Arrábida e que erradamente têm sido designadas como guaritas. Sabe‑se que D. Anna teve quatro filhos, Maria Guadalupe, Raymundo, João e Ana Luíza, filha esta que morreu com apenas três anos de idade, tendo sido

32 Frei António da Piedade – Espelho de penitentes e Chronica da Província de Santa Maria da Arrábida…,

Tomo I, p. 60‑66; Diogo Barbosa Machado – Biblioteca Lusitana, Histórica, Crítica e Cronológica…, Tomo I, p. 344.

33 António da Madre de Deus – O Monte Santo da Arrábida…, fl. 24f‑27f.

34 Frei António da Piedade – Espelho de penitentes e Chronica da Província de Santa Maria da Arrábida…,

Tomo I, p. 60‑66.

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sepultada na igreja do convento ao lado do pai e avós. Quanto a D. Anna, sabe‑se que, já viúva, teria sido forçada a regressar a Madrid no âmbito das Guerras da Restauração36.

De entre os religiosos que na Arrábida moraram, um deles é o famoso poeta frei Agostinho da Cruz (1540‑1619), que viveu como verdadeiro eremita, afastado dos seus companheiros e convivendo quase unicamente com animais da serra. Mergulhado na natureza, o poeta franciscano afirma que foi sempre muito incli‑ nado à solidão, e que gostava tanto da Serra da Arrábida que nela queria ficar sepultado. Frei Agostinho tinha nascido no norte de Portugal, em Ponte da Barca, professara em jovem no convento de Santa Cruz da Serra de Sintra e agora estava ali na Serra da Arrábida. Foi neste ermitério que viveu os últimos catorze anos da sua vida, num isolamento para ele tranquilo, como confirmamos pela análise de poemas seus de que destacamos algumas partes:

“Confesso que fui sempre affeiçoado a solitarios bosques do deserto, que ensinam a viver desenganado.”37 “Não ha manjar melhor q liberdade; sem ver, nem conversar

mais que penedos”38

“Daqui verei no Ceo fremosas côres; Assi me esquecerão cousas da terra.”39 “Aqui quero fugir, quanto puder, de todas as humanas creaturas, Esses cançados dias que viver. Aqui conversar quero pedras duras.”40

36 Frei António da Piedade – Espelho de penitentes e Chronica da Província de Santa Maria da Arrábida…,

Tomo I, p. 90‑98.

37 Jozé Caietano de Mesquita – Varias Poezias do Veneravel Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Pro‑

víncia da Arrábida, dedicadas ao Excel., e ReverenD. Senhor D.Fr. Manoel do Cenaculo, Bispo de Beja, do Conselho de Sua Magestade, Confessor, e Mestre do Sereníssimo Príncipe da Beira, e Presidente da Real Meza Censoria. Por Jozé Caietano de Mesquita, Professor de Rhetorica, e Logica do Colegio Real de Nobres. Lisboa:

na Officina de Miguel Rodrigues, Impres. Do Emin. S.CarD. Patr., 1771, p. 49.

38 Jozé Caietano de Mesquita – Varias Poezias do Veneravel Padre Fr.Agostinho da Cruz…, p. 20‑26. 39 Jozé Caietano de Mesquita – Varias Poezias do Veneravel Padre Fr.Agostinho da Cruz…, p. 17‑18. 40 Jozé Caietano de Mesquita – Varias Poezias do Veneravel Padre Fr.Agostinho da Cruz…, p. 79.

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Desde que para ali se mudou em 1605, depois de ter sido guardião do con‑ vento de São José de Ribamar, em Algés41, percebemos que frei Agostinho se sentia

tão cansado do trato humano que nem perto dos seus companheiros queria estar. Os seus poemas testemunham o recolhimento e vida de um eremita arrábido. Quanto aos seus companheiros, ao visitarmos o convento verificamos que a dis‑ posição de algumas celas permitia a prática individual de recolhimento religioso, pois algumas estão totalmente isoladas, a elas se acedendo apenas por estreitas escadinhas privadas feitas na escarpa. E além dessa disposição que isolava algu‑ mas celas, verifica‑se que na proximidade de algumas delas existem pequeninas capelas ou ermidas, no interior das quais os religiosos podiam recolher‑se indi‑ vidualmente.

O cronista frei António da Piedade fez referência em 1728 às treze ermidas do convento da Arrábida, apreciando a sua implantação no terreno que consi‑ dera agradável e informando que algumas se situam fora da cerca, descrevendo igualmente uma curiosa construção feita por um seu contemporâneo, frei José da Esperança, então guardião do convento, construção essa que era um conjunto de celas que não se destinavam a ser habitadas mas a integrarem no seu interior imagens que recordavam os primeiros franciscanos arrábidos que ali viveram. Deixemos aqui a descrição do cronista:

“No recinto deste Convento estão desafiando à contemplação das Celestiaes moradas treze Ermidas, cinco ainda sem ornato, e as mais com a sua especial dedicação. Admirão‑se situadas em circunferência fora dos muros da Cerca, e não deixam de fazer agradável a prespectiva das suas situaçoens. Entre espessos arvoredos està collocada a Ermida de S. Paulo primeiro Ermitão. Logo sobindo a encosta de huns despenhados rochedos, apparecem as Ermidas imperfeitas, das quaes duas, huma he dedicada ao nosso Padre S. Francisco, e se venera a sua Imagem desprezando os trages mundanos do Bispo de Assis; e a outra he consa‑ grada a Christo Crucificado. A cella, que era do Veneravel Fr. Agostinho da Cruz, converteo em Ermida dedicada a Santo Antonio pregando aos peixes, Fr. Joseph da Esperança, sendo Guardião do Convento, no anno de 1720. Como também no âmbito do Convento antigo fez sete cellinhas, em memoria dos primitivos habi‑ tadores, e nellas collocou as suas Imagens em diversas acçoens, tudo admirável incentivo da devoção dos Fieis. Segue‑se a Ermida da Memoria, e logo outra de Santa Catharina. Mais distante entre mattos, e brenhas està outra de S. João do Deserto, e defronte da Igreja do Convento, a do Bom Jesus.”42

41 Diogo Barbosa Machado – Biblioteca Lusitana, Histórica, Crítica e Cronológica…, Tomo III, 1933, p. 215. 42 Frei António da Piedade – Espelho de penitentes e Chronica da Província de Santa Maria da Arrábida…,

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