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Convento de Nossa Senhora da Ínsua (1392)

AO RECOLHIMENTO RELIGIOSO

1. Convento de Nossa Senhora da Ínsua (1392)

Pertencendo sucessivamente à Província de Portugal, Província de Santo António e por fim à Província da Conceição4, o convento de Nossa Senhora da

Ínsua localiza‑se numa pequena ilha na foz do rio Minho em frente à vila de Caminha, tendo sido fundado em 1392 por religiosos galegos5. Era exclusiva‑

mente de barco que chegavam e partiam os religiosos ao seu convento, por esse motivo a única sepultura em solo sagrado pertence a António Anes, barqueiro da casa no século XVI6. A ilha transpira por todo o convento, seja através do aroma

a maresia que perfuma cada dependência, seja no escuro e húmido verde dos limos que cobrem todas as superfícies, e até no voo das gaivotas que atravessam planando o pequeno quadrado de céu aberto sobre o claustro.

O convento da Ínsua, na verdade um ermitério, teve sempre poucos religiosos, sendo por esse motivo inicialmente designado como ‘oratório’, e posteriormente no século XV passa então a designar‑se convento, podendo albergar um número máximo de apenas dez frades7.

Neste ermitério, viveu frei André da Ínsua (1502‑1571), nascido em 1502 na cidade de Lisboa, professando na Ínsua em 1521, sendo enviado por volta de 1530 com mais dois franciscanos para a Universidade de Paris como bolseiro de D. João III. De lá voltando, passaria a Custódio e depois Provincial da recém‑criada Pro‑ víncia dos Algarves8. Mas o ano mais importante da vida deste religioso teria

sido o de 1547, quando foi eleito Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores, cargo pela primeira vez ocupado por um franciscano português. Sendo “Geral”,

4 A Real Província da Conceição foi criada em 1705 devido à vastidão do território que a Província de

Santo António detinha. Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da

Conceição: análise histórica, tipológica, artística e iconográfica. Tese de Doutoramento em Arte, Património

e Restauro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa, 2008, p. 20.

5 Ordens Religiosas em Portugal, das origens a Trento – Guia histórico. Dir. Bernardo de Vasconcelos e

Sousa; Isabel Castro Pina; Maria Filomena Andrade; Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva Santos. Lisboa: Livros Horizonte, 2005, p. 352.

6 Conforme visita que fizemos ao local a 13 de janeiro de 2012.

7 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p. 32. O con‑

vento da Ínsua aderiu à Observância em 1486, cf. Ordens religiosas em Portugal, das origens a Trento…, p. 352.

8 Fernando Felix Lopes – A Ordem Franciscana na História e Cultura Portuguesa, Colectânea de Estudos

de História e Literatura. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1997, p. 155; Henrique Pinto Rema – Ministros Provinciais da Província Franciscana dos Algarves (1532‑1834). Itinerarium. 178‑179, (2004), p. 263; Diogo Barbosa Machado – Bibliotheca Lusitana, Historica, Crítica e Chronologica, na qual se com‑

prehende a noticia dos Authores Portuguezes, e das Obras, que compozerão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até o tempo prezente offerecida à Augusta Magestade de D.JOÃO V. Nosso Senhor por Diogo Barbosa Machado, Ulyssiponense, Abbade Reservatorio da Paroquial Igreja de Santo Adrião de Sever, e Academico de Numero da Academia Real, Tomo I, 1930, p. 151‑153.

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frei André da Ínsua contribuiu para a reforma da ordem9, e foi nesse contexto

que no ano de 1552, voltando de Salamanca, onde presidira a Capítulo, fez o seu recolhimento no ermitério da Ínsua. Quem o relata é um seu companheiro, frei Manuel Favacho:

“Acabado o Capitolo Geral com muyta honra da Ordem e paz, e despedido elle de muytos negoceos, quis vir a esta Insoa estar ao menos hum par de mezes, e nella se consolar spiritualmente. E, para isto fazer milhor, não quis trazer nenhú caste‑ lhano por companheiro, mas dous que tinha, ambos deixou lá ate que tornasse. E não trouxe mais que a mym soo. E assy veo e se meteo nesta Sancta caza.”10

No convento viveu igualmente no século XVI frei Pedro de Penamacor, e já no século XVII frei André da Merceana, frei António da Piedade e frei Domingos de Santo António11.

Arquitetonicamente de linhas muito depuradas, o convento foi ortogonal‑ mente desenhado a régua e esquadro, compondo‑se de um conjunto edificado de dois pisos, disposto em redor de pequeno claustro e igreja canonicamente orientada. Apesar de a sua fundação ser medieval, o património edificado que hoje podemos observar pertence a época bastante mais tardia, correspondendo a construções realizadas nos séculos XVII e XVIII.

Na Ínsua o recolhimento dos religiosos foi perturbado no âmbito das Guerras da Restauração, pois no reinado de D.  João IV a partir de 1649 começou‑se a edificar à volta do convento um forte abaluartado12 sendo do forte e não do con‑

vento as altas paredes que se divisam ao olharmos no horizonte a foz do Minho. Construção típica da arquitetura militar deste período, o forte da Ínsua desenha em planta uma estrela com cinco pontas que correspondem a cinco baluartes. A obra do referido forte teria demorado cerca de quatro anos a ser executada, estando concluída em 1652. E desde esse ano, a Ínsua passou a ser habitada não apenas por religiosos, mas igualmente por militares13, tendo os franciscanos a

incumbência de serem seus confessores e capelães14.

Portanto desde o ano de 1652, o convento de Santa Maria da Ínsua teria deixado de ser um verdadeiro ermitério, pois passou a estar rodeado por caser‑ nas, e apesar de os religiosos passarem a estar protegidos de eventuais assaltos de corsários, o facto de partilharem a ilha com militares teria dificultado o seu

9 Diogo Barbosa Machado – Bibliotheca Lusitana, Historica, Crítica e Chronologica…, Tomo I, p. 149‑150. 10 Frei Manoel Favacho, in Fernando Felix Lopes – A Ordem Franciscana na História e na Cultura Portu‑

guesa…, p. 154‑210.

11 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p. 32. 12 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p. 76. 13 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p. 130. 14 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p. 76.

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recolhimento. Mas a situação seria, no entanto, em parte atenuada pela existência de um claustro no coração do convento. Edificado pouco depois, no ano de 1653, com planta quase quadrada, o claustro mede oito metros de lado contando já com a largura das galerias claustrais15. Espaço interior de pequena dimensão, o

claustro cumpre desenho clássico, com colunas e pilares de base quadrada que sustentam arquitrave16, património este de grande valor arquitetónico que ainda

persiste no local.

No pátio claustral, assente sobre uma plataforma de três degraus está colo‑ cado um cruzeiro possivelmente relacionado com a Via Crucis que naquela parte do convento se fazia, como se depreende pela existência de passos17. A colocação

de um cruzeiro no centro do pátio claustral é uma tipologia que encontramos no convento de São Pedro de Alcântara fundado no início do século XVIII na ilha do Pico, igualmente pelos franciscanos18.

Quanto à igreja da Ínsua, trata‑se de uma obra realizada em 1717 com o apoio régio de D. João V19, tendo sido construída em alvenaria de granito, tanto as pare‑

des como a abóbada para atenuar o estrondo das armas de fogo utilizadas pelos militares que coabitavam a pequena ilha20.

A nave da igreja mede quatro metros e meio por oito, tendo num dos lados púlpito e sobre a entrada o coro. É interessante notar que apesar de se tratar de um ermitério realmente isolado, onde se imagina que para além dos padroeiros como eram os Marqueses de Vila Real21, poucas vezes outros fiéis assistiriam a

missas, verificamos que a tipologia da igreja é exatamente igual à das restantes, pois para além de estar implantada canonicamente, possui púlpito e coro, e este

15 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p. 129‑130. 16 Conforme visita que fizemos ao local a 13 de janeiro de 2012.

17 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p.  341.

Conforme visita que fizemos ao local a 13 de janeiro de 2012.

18 Ana Assis Pacheco – Construção de um mundo interior: arquitectura franciscana em Portugal, Índia e

Brasil (séculos XVI‑XVII). Tese de Doutoramento em Teoria e História da Arquitectura apresentada à Facul‑

dade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Coimbra: 2013, p. 323‑342.

19 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p. 129‑130. 20 Ana Paula Valente Figueiredo – Os conventos franciscanos da Real Província da Conceição…, p. 129. 21 Frei Pedro de Jesus Maria José – Chronica da Santa, e Real Província da Immaculada Conceição de Por‑

tugal da mais estreita e regular Observância do serafim Chagado S. Francisco, TOMO PRIMEIRO. Em que se mostra a sua origem de entre todas as Províncias deste Reino: a sua erecção: mercês, e benefícios, que lhe fizerão os Monarcas, e pessoas Reaes desde o seu princípio: a fundação dos primeiros trez Conventos, e do ultimo, que fundarão os primitivos Observantes, com todos os seus progressos atè o presente, a qual consagra, e humildemente offerece à sereníssima rainha dos anjos, MARIA SANTÍSSIMA, sua padroeira debaixo do ineffavel mysterio de sua puríssima Conceição, Fr. Pedro de Jesus Maria José, Vianez Interammense, filho da mesma Província, e seu Chronista. Lisboa: na officina de Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo

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último até há pouco tempo integrava o respetivo cadeiral22. Quanto às imagens,

em 1953 ainda estavam nos altares da igreja, passando parte delas, mais tarde, a integrar o espólio do Museu Municipal de Caminha23.

Quanto a sepultamentos no convento da Ínsua, para além do já referido barqueiro, única sepultura com inscrição, sabe‑se que frei Domingos de São Julião teria sido sepultado numa das galerias claustrais24. O mais frequente era

os franciscanos ficarem sepultados em campa rasa sem qualquer inscrição que os identificasse, como verificamos por exemplo noutro convento por nós estudado, o de Santa Cruz na Serra de Sintra, onde existem duas campas rasas sem inscrições que no entanto se sabe pertencerem ao sepultamento de religiosos25.

Na Ínsua, apesar de o espaço ser limitado, ainda assim existia cerca e esta localizava‑se no estreito intervalo entre o perímetro conventual e o perímetro militar. Neste espaço sobrante havia uma pequena horta, amoreiras e duas fon‑ tes. E sendo a cerca bastante diminuta, cumpria‑se apesar de tudo a tipologia programática de outros conventos franciscanos, pois do lado do mar havia um oratório dedicado ao Cristo Crucificado26 e em frente à frontaria da igreja havia

uma capelinha dedicada a Santa Maria Madalena27, devoção que encontramos

igualmente no ermitério da Serra da Arrábida.