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Caso específico: ônus da prova nos processos coletivos 110

PARTE IV A PROVA E ATUAÇAO DO JUIZ NO PROCESSO COLETIVO 80

3   ATUAÇÃO DO JUIZ NAS FASES DO PROCESSO COLETIVO 101

3.1   Ônus da prova noções preliminares 101

3.1.2   Caso específico: ônus da prova nos processos coletivos 110

A regra do ônus da prova, da forma como inserta no artigo 333 do Código do Processo Civil, não serve a resolver as crises decorrentes da deficiência técnica, econômica e social que, muitas vezes, funcionam como entrave à produção da prova. Em vista disso, o direito processual coletivo alicerça-se em institutos próprios, como a distribuição dinâmica do ônus.

Indubitavelmente, como as relações nas lides coletivas são muitas vezes desequilibradas, face ao poderio econômico de uma das partes em desfavor da outra, a aplicação das regras clássicas do ônus não solucionam de modo justo os casos postos em juízo, que necessitam da atuação do juiz, até mesmo para tentar igualizar as partes desiguais. Por certo, utiliza-se a técnica da inversão e, como forma de melhor atender aos princípios informadores da tutela coletiva, o ônus sob o aspecto dinâmico.

295 CAMBI, 2006, p. 323, nota 34. 296 MILARÉ; CASTANHO, 2007, p. 260.

A propósito, o CDC trouxe grande mudança relativa ao ônus da prova ao prever, no o artigo 6°, inciso VIII, a possibilidade de sua inversão, em casos de verossimilhança e hipossuficiência.

Consoante Eduardo Cambi297:

[...] A técnica da inversão do ônus da prova é um instrumento para proteger a parte que teria excessiva dificuldade na produção da prova [...], ou para oferecer proteção à parte que, na relação jurídica substancial, está em posição de desigualdade, sendo a parte mais vulnerável. [...] Com a inversão do ônus da prova não se produz a prova do fato, mas apenas se considera que o fato alegado deve ser provado pela parte contrária.

A técnica da inversão serve de mecanismo à efetivação do princípio da igualdade, principalmente nas situações em que as partes não estejam em posição isonômica.

Adverte-nos Cruz e Tucci298 que o artigo 6°, inciso VIII, do CDC, “[...] agasalha a inversão do ônus da prova ao conferir poderes ao juiz de, [...] dispensar o encargo de comprovar a causa de pedir remota, quando, ao critério exclusivo do magistrado, reputar verossímil o fato alegado ou for o autor considerado hipossuficiente.”

A verossimilhança é a aparência da veracidade da alegação, ou seja, é o juízo de aparência da verdade formado a partir das afirmações dos litigantes. Quanto à hipossuficiência, como bem entende a doutrina, não se trata de conceito atrelado ao poder econômico, ao contrário, refere-se ao monopólio de informação.

Nesse ponto, convém ressaltar que há dúvida na doutrina quanto a aplicação do artigo 6. ° do CDC em todos os casos de direito coletivo. A resposta só pode ser positiva, sobretudo porque a inter-relação entre a Lei de Ação Civil Pública e título III do CDC (parte processual) decorre de disposição expressa contida em ambos os diplomas (art. 90 do CDC e art. 21 da LACP).

Marcelo Abelha Rodrigues pondera que a distribuição e a inversão do ônus da prova não são sinônimas. As regras de distribuição têm duplo aspecto, um subjetivo e um objetivo e aplicam-se tanto para aferir a atividade das partes, quanto para solucionar o julgamento do processo cuja prova for insuficiente; a inversão, por conseguinte, é “[...] técnica processual que parte do pressuposto de que o ônus pertenceria, à data da propositura da demanda, àquele contra quem foi feita a inversão299”.

297 CAMBI, 2006, p. 410-411, nota 34. 298 CRUZ E TUCCI, 2001, p. 187-191.

Questão que se coloca tormentosa é saber em qual momento deve operar-se a inversão. Existem três posições doutrinárias: uma entende ser no despacho inicial; outra ser no despacho saneador e, por fim, no momento da sentença300.

Como explanado nas linhas anteriores, a audiência preliminar é o momento mais apropriado para operar-se a inversão. A finalidade da inversão do ônus é facilitar a defesa em juízo e, ao contrário, não é favorecer uma das partes. À toda evidência, se resolvida a questão probatória na audiência inaugural a parte onerada terá melhor condições de se desincumbir do ônus. Ao contrário, se a inversão ocorrer na hora da sentença, a parte onerada será pega de surpresa, configurando ofensa à garantia do contraditório.

Com efeito, a regra da inversão, se operada no momento de decidir compromete o direito de defesa do demandado, por lhe transferir um ônus desconhecido o qual não teve o direito de se desonerar. Logo, como regra de julgamento a inversão do ônus da prova se mostra inoperante, por privar o postulante do direito de exercer a defesa ampla. Seguindo a mesma orientação Barbosa Moreira301 pondera:

A aplicação do dispositivo em exame […] redundaria em manifesta ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa: ao mesmo tempo em que estivesse invertendo o ônus da prova, o juiz já estaria julgando, sem dar ao fornecedor a chance de apresentar novos elementos de convicção, com os quais pudesse cumprir aquele encargo. Não seria demais recordar, ainda uma vez, que a facilidade da norma que prevê a inversão é a de facilitar a defesa dos direitos do consumidor, e não a de assegurar-lhe a vitória, ao preço elevado do sacrifício do direito de defesa, que ao fornecedor deve propiciar.

Nessa linha de ideias, as normas distribuidoras do ônus da prova direcionam-se tanto ao juiz quanto às partes. Impende concluir que “[...] é preciso reconhecer a necessidade de que tal inversão seja comunicada às partes em momento anterior ao julgamento302”, a fim de que a parte onerada seja informada sobre o encargo que pesa sobre si.

Além da possibilidade de se operar a inversão do ônus, de modo a melhor tutelar as lides coletivas, cabe registrar a positivação, no artigo 358 do projeto de Lei n. 8046, que instituírá o novo Código de Processo Civil, de outra técnica processual apta a corrigir as desiguadades decorrentes das deficiências probatórias: o ônus dinâmico da prova. À luz desse

300 PACÍFICO, 2000, p. 159; WATANABE, 2001, p. 612-620, nota 262.

301 BARBOSA MOREIRA. José Carlos. Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor.

Revista de Processo. São Paulo, n. 86, p. 306, 1997.

novo critério flexibilizador da regra do ônus, a prova dos fatos cabe a quem tiver “maior proximidade com eles e maior facilidade para demonstrá-los303.”

Consoante Samuel Meira Brasil Júnior304:

[...] de nada adianta disponibilizar a ação coletiva, ferramenta imprescindível à resolução dos conflitos de massa e, em seguida, privar o demandante da possibilidade de obtenção da respectiva tutela, em razão da impossibilidade de comprovar fatos substanciais, que justificam a procedência do pedido.

Nesse sentido, a distribuição do ônus de modo dinâmico é o que mais de adéqua à tutela coletiva, tendo em vista o proceso como instrumento de efetivação de garantias constitucionais. A razão dessa técnica consiste em possibilitar a produção da prova por quem detiver melhores condições de colacioná-la aos autos, ampliando o acesso à justiça. De fato, “[...] reconhecer a quem atribuir a responsabilidade da prova necessária e admitir sua distribuição entre os litigantes é tema relacionado, com indisfarçável certeza, ao próprio acesso à ordem jurídica e, de igual modo, à efetividade da tutela coletiva.305”

A distribuição dinâmica do ônus é uma ferramenta justa e équa, apta a reger à tutela coletiva, visto que por meio desse instrumento o juiz deve avaliar, no caso concreto, quem deverá ter o ônus de produzir a prova, já que nesas demandas, quase sempre o demandado possui melhores condições probatórias.

Instado a se manifestar o Superior Tribunal de Justiça306 exarou entendimento de que a técnica de flexibilização do ônus concretiza os cânones da solidariedade, da facilitação do acesso à justiça e da efetividade da prestação jurisdicional e, ainda, requer uma cooperação entre os sujeitos da demanda. Não é necessário grande esforço para afirmar que a jurisprudência está atenta a insuficiência do modelo estático para resolver problemas referentes a desigualdade substancial dos litigantes.

Desse modo, entendemos que a regra do ônus dinâmico é instituto da técnica processual que mais se aproxima dos anseios da tutela nas demandas coletivas. Destarte, com o fito de

303 GRINOVER, 2006, p. 308, nota 120.

304 BRASIL JÚNIOR. Samuel Meira. A prova no processo coletivo: Distribuição dinâmica do ônus da prova. In:

CIANCI, Mirna et. al. Em defesa de um novo sistema de processos coletivos. Estudos em homenagem a Ada

Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 578.

305 Ibid., p. 578.

306 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 883656/ RS. Relator: Min. Herman Benjamin.

Recorrente: Alberto Pasqualini Refap S/A. Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Brasilia: 28 de fevereiro de 2012. Disponível em:

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=onus+da+prova+dinamico&b= ACOR. Acesso em: 05 de mar. 2012.

solucionar a questão de desigualdade técnica entre os litigantes caberá ao juiz, no caso concreto, definir sobre qual parte incidirá o ônus dinâmico.

Cabe anotar que não há disposição expressa do ônus dinâmico, tanto no Código de Processo civil quanto em outro diploma legal. Há previsãos expressas nos Códigos inspiradores da tutela coletiva. Por isso, traremos à colação, no próximo tópico, as regras contidas nos Anteprojetos de Codigo de Processo Coletivo.

Antes disso, insta registrar o artigo 20 do projeto de Lei da nova Ação Civil Pública307:

Art. 20. Não obtida a conciliação ou quando, por qualquer motivo, não for utilizado outro meio de solução do conflito, o juiz, fundamentadamente:

I - decidirá se o processo tem condições de prosseguir na forma coletiva;

II - poderá separar os pedidos em ações coletivas distintas, voltadas à tutela dos interesses ou direitos difusos e coletivos, de um lado, e dos individuais homogêneos, do outro, desde que a separação represente economia processual ou facilite a condução do processo;

III - fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas;

IV - distribuirá a responsabilidade pela produção da prova, levando em conta

os conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos detidos pelas partes ou segundo a maior facilidade em sua demonstração;

V - poderá ainda distribuir essa responsabilidade segundo os critérios previamente ajustados pelas partes, desde que esse acordo não torne excessivamente difícil a defesa do direito de uma delas;

VI - poderá, a todo momento, rever o critério de distribuição da responsabilidade da produção da prova, diante de fatos novos, observado o contraditório e a ampla defesa;

VII - esclarecerá as partes sobre a distribuição do ônus da prova; e

VIII - poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório (grifo nosso).

Como se vê, o Projeto da nova Lei de Ação Civil Pública amplia os poderes do juiz de direção e instrução do processo e prescreve instrumentos aptos à tutelar de modo efetivo o direito coletivo, como por exemplo, com a positivação da distribuição da prova de modo dinâmico.

307BRASÍLIA. Projeto de Lei nº 5.139/2009: institui uma Nova Lei de Ação Civil Pública. Disponível em: